Os irmãos Ennio, Evangelina, Sylvia e Décio Vilhena.
No dia de hoje, certamente eles estariam reunidos para comemorar o aniversário de
Décio. O texto abaixo mostra bem, o legado deixado por eles.
O solar construído por Francisco de Paula Ferreira Lopes, em Campanha MG
O Museu das Reduções é a realização
do sonho de quatro irmãos, nascidos nas
primeiras décadas do século passado, na
cidade sul-mineira de Campanha. Ênnio,
Décio, Evangelina e Sylvia trilharam
seus caminhos durante suas vidas,
residindo em cidades diferentes e exercendo
atividades profissionais diferentes.
Ênnio radicou-se em Juiz de Fora, onde
trabalhou por 35 anos no Banco de Crédito
Real de Minas Gerais, até
aposentar-se. Lá viveu até os seus últimos dias. Décio
radicou-se no Rio de
Janeiro, trabalhou como piloto comercial e diretor da PanAir do
Brasil, até sua
extinção, mudando-se para Lisboa, ingressou na Transportes
Aéreos Portugueses
(TAP), aposentou-se e retornou para a terra natal, Campanha,
onde passou os
últimos anos de sua vida. Sylvia, também funcionária do Banco de
Crédito Real
de Minas Gerais e Evangelina, funcionária do Estado de Minas Gerais,
se
radicaram em Belo Horizonte, trabalhando até a aposentadoria no Banco de
Crédito
Real de Minas Gerais e no Estado de Minas Gerais, respectivamente. Lá
viveram até
falecer. Dotados de enormes habilidades manuais, de grande
sensibilidade
artística e de muita disposição, os Irmãos Vilhena, como são
carinhosamente
conhecidos, se uniram para tornar realidade um projeto de vida:
deixar um legado
artístico e cultural de grande valor. Assim, logo após as
aposentadorias, já
totalmente disponíveis, começaram a planejar a execução do
Projeto Redução,
um parque temático baseado em similares existentes pelo mundo,
mas com um
grande diferencial: um acervo que fosse significativamente
brasileiro, produzido de
forma totalmente artesanal (com os mesmos materiais
empregados nas
construções originais) e totalmente executado por eles, e tão
somente pelos
quatro. Para tanto, basearam-se em uma réplica da Igreja das
Dores, de
Campanha, que Ênnio acabara de fazer, como hobby. Fizeram contato com
as
Secretarias de Estado da Cultura dos estados brasileiros, buscando
indicações
de monumentos arquitetônicos locais, representativos que poderiam
ser
reproduzidos. As muitas secretarias que atenderam ao chamamento
proporcionaram aos Irmãos Vilhena um rico universo de pesquisas e
trabalhos a
serem desenvolvidos. Munidos, então, de uma grande relação
de monumentos
arquitetônicos dos quatro cantos do Brasil (cerca de 52),
puseram-se a viajar
pelo país, sempre com recursos próprios, com o intuito de
fotografar, medir e
desenhar as mais diversas relíquias arquitetônicas nacionais,
preocupando-se
com cada detalhe das edificações, que foram minuciosamente
escolhidas,
levando-se em conta a representatividade, o tamanho, a riqueza de
detalhes, a
beleza plástica, os materiais empregados e a diversidade da natureza
dos
prédios: igrejas, palácios e palacetes, fortalezas, casarões coloniais, casas
comuns, casas de fazendas, sobrados, usinas, etc. Concluída a fase de
levantamentos, pesquisas e definições, os Irmãos Vilhena passaram a trabalhar
na
definição de um local apropriado para sediar o parque, então denominado de
Projeto Redução, surgindo como primeira opção, até natural, a sua implantação
na região de Campanha, no Sul de Minas. A opção foi logo desprezada em função
do mau momento que o Circuito das Águas atravessava, quanto ao fluxo turístico
necessário à manutenção do empreendimento, fator que acabou direcionando o foco
para a região de Ouro Preto, principal destino turístico do Estado.
Paralelamente a
estas definições, os Irmãos Vilhena iniciaram a complexa
produção das réplicas,
já instalados no distrito de Amarantina, no município de
Ouro Preto, em uma
simples e humilde casinha, bem no centro. Acabaram por
adquirir com recursos
próprios um grande imóvel, de 6.000m², então na área
rural do lugarejo, em um
recém-lançado condomínio, onde iriam erguer o prédio
definitivo que abrigaria
as réplicas. Começava a surgir, de fato, o Museu das
Reduções. Uma equipe de meninos
residentes no distrito foi logo composta, para
as tarefas mais fáceis, como produção
de telhinhas, tijolinhos, pequenos
acabamentos, etc., num verdadeiro mutirão de
cidadania, uma vez que, além de
aprenderem o ofício, os meninos recebiam
orientações básicas como higiene
pessoal, saúde bucal, etiqueta, cidadania, etc.,
e, também de materiais
escolares, roupas, sapatos e um auxílio financeiro, o que
marcou muito a
atuação dos Irmãos Vilhena no distrito de Amarantina. A técnica da
construção,
as formas diversas, as ferramentas e grande parte da mão de obra do
acabamento eram encargos de Ênnio, o artesão-mor. Décio, detentor de grande
capacidade intelectual, além das enormes habilidades manuais, produzia em
madeira
verdadeiras joias, como balaústres e canhões torneados a mão, portas
almofadadas, treliças, persianas, janelas e marcos de portas, etc., se
incumbia, também,
do trabalho mais racional como os cálculos, as escalas, os
desenhos e plantas.
Sylvia, a mais sonhadora deles, era a responsável pelos
primeiros desenhos, pelas
pinturas, pelas esculturas em pedra-sabão, trabalho
de ourives, com pequenos
formões, pincéis e outros. Evangelina, o fiel da
balança, era a grande gerente. Cuidava
do pessoal, dos pagamentos, da estrutura
da casa, da comida, das viagens, além de
fotografar e, principalmente, com sua
forte personalidade, cuidava de amenizar
os constantes conflitos, típicos dos
temperamentos dos grandes artistas. À medida
que as réplicas eram produzidas e
concluídas, surgia a necessidade de ampliação
dos pequenos espaços que possuíam
na casinha em que viviam, o que os levou à
locação de outra casinha, próxima do
terreno onde seria instalado o museu, que
funcionava como depósito de materiais
e de réplicas prontas desmontadas.
Paralelamente, iniciava-se a construção do
prédio que abrigaria o museu, uma
concepção moderna projetada por Décio. Como a
necessidade de recursos
financeiros ia crescendo, um verdadeiro périplo foi
iniciado à busca de
patrocínios, onde os insucessos constantes não foram
capazes de desanimar os
quatro irmãos, que se desdobravam para arcar com os
custos da grande obra
Até que uma luz vinda da
Alemanha, através da Lateinamerika Zentrum e.v, de Bonn
(LAZ), modificou todo o
quadro. Graças à intervenção pessoal de seu presidente, o
deputado alemão
Hermann Gorgen, a entidade aprovou o apoio financeiro, a
fundo perdido, ao
Projeto Redução, da ordem de 90 mil marcos alemães. Com esse
recurso, aliados a
novas pequenas doações efetuadas pelo Banco Crefisul S/A,
Banco Bamerindus do
Brasil S/A, Divinal Vidros, Vidraçaria Catarina e Alba Química
S/A, além dos
recursos da família, o prédio principal e o pequeno prédio que
abrigaria a
Escola de Artesanato foram tomando forma e o Museu das Reduções
nascendo... Com
ele, nasceu a Escola de Artesanatos, onde moças e senhoras da
comunidade, por
cerca de quatro anos, aprenderam corte e costura, tricô e crochê,
desenho,
artes em bambu, etc., agregando ao projeto original um grande conteúdo
social.
Em 26 de março de 1994, era chegado o grande momento. O então prefeito
de Ouro
Preto, Angelo Oswaldo de Araujo Santos, hoje (2014), presidente do Instituto
Brasileiro de Museus (IBRAM), grande incentivador do trabalho dos Irmãos
Vilhena,
na presença de grande parte da família Vilhena, de autoridades locais,
regionais,
estaduais e nacionais, da comunidade de Amarantina, de Ouro Preto e
região,
cortava a fita inaugural e entregava ao trade turístico e cultural de
Ouro Preto, de
Minas, do Brasil e do mundo o Museu das Reduções. Durante os
primeiros dez anos,
de 1994 a 2004, o Museu das Reduções experimentou todo o
caráter lúdico da gestão
dos próprios artistas, já encantando os milhares de
visitantes, mas sem maiores
ambições. A partir de 2004, com o falecimento de
Evangelina, veio a reclusão de
Sylvia e o museu passou a ser gerido pelo seu
diretor administrativo e financeiro,
Carlos Alberto Xavier de Vilhena, filho de
Ênnio, que abandonou carreira
vitoriosa como alto executivo do mercado
financeiro para fixar-se, definitivamente, em
Amarantina e dar prosseguimento
ao trabalho da família. Com um verdadeiro
choque de gestão, otimizou o
funcionamento da casa e deu visibilidade ao
trabalho, através de agressiva
política de marketing, culminando com o
reconhecimento obtido junto ao Guia 4
Rodas Brasil, de 2006, que elegeu o Museu
das Reduções a Melhor Atração do
Brasil na categoria Contribuição Artística, título
mantido até os dias de hoje,
em função do não surgimento de nova premiação na
categoria. Nesse período, o
museu registrou média de público, superior a 2.000
visitantes mês. Apesar dos
momentos difíceis que se sucederam, o museu atraiu
investidores e parceiros de
peso, que o recolocaram nos trilhos rumo ao sucesso
que lhe está reservado.
Citamos como fatos marcantes, a efetiva participação
na fundação do Sistema de
Museus de Ouro Preto, os patrocínios da Transcotta
Ltda., Microcity
Computadores e Sistemas Ltda., da EMTEL Ltda., da CEMIG, da
CEMIG TELECOM e da
GERDAU, além da firme parceria com o Instituto Nacional de
Desenvolvimento e
Integração Cultural (INDIC) na execução de projetos de
educação patrimonial.
Merece, ainda, destaque especial, a participação da
professora Terezinha Lobo
Leite, especialista ouro-pretana em educação patrimonial
que, em uma releitura
fantástica do acervo do museu, praticamente o
redescobriu como fonte
inesgotável de conhecimento nas áreas da matemática,
história, geografia,
ciências e artes. A partir das réplicas, alunos do ensino
fundamental têm
recebido informações e conhecimentos importantes para a
formação da consciência
preservacionista e o desenvolvimento do sentimento de
pertencimento,
contribuindo para o surgimento de uma geração comprometida com
a preservação de
nossa memória e de nosso patrimônio histórico, material e
imaterial, tudo isso
associado às disciplinas curriculares correspondentes. Enfim,
dessa forma, o
Museu das Reduções tem merecido o reconhecimento de autoridades
, intelectuais,
artistas, das grandes empresas e do público em geral, como
um importante
equipamento turístico, cultural e educacional, que orgulha Ouro
Preto, Minas e
o Brasil. O Museu das Reduções, com seu contexto, é único e atrai o
público
pela beleza plástica de suas réplicas, pela fidelidade e pela riqueza
de
detalhes, proporcionando aos espectadores a mesma emoção que
sentiriam diante
dos monumentos originais. Diferencia-se dos demais parques
temáticos do mundo
pela concepção de suas réplicas, confeccionadas com os
mesmos materiais
empregados nas edificações originais, sem produtos
industrializados e/ou
sintéticos.
Em 2014 fui até lá para conhecer as maravilhosas obras de nossos conterrâneos. Fiquei sabendo que o herdeiro destas artes teria oferecido ao prefeito da Campanha há pouco tempo. Deve haver algum engano nessa informação, porque é inacreditável que ele não tenha aceitado um presente tão importante que enriqueceria muito a nossa cidade.
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