O texto abaixo é de autoria da tia Zélia e foi lido por uma de suas netas. Na foto abaixo, o momento da leitura.
FAZENDA CASA NOVA
Família Junqueira
É a segunda vez depois que papai e mamãe morreram, que a nossa família está voltando a se reunir, para que não morra conosco as lembranças que temos da nossa infância.
Éramos 11 irmãos, 4 homens e 7 mulheres. Já perdi 5 irmãos. Por isso mesmo procuraremos reunir sempre os descendentes da família Junqueira.
Agora com esta reunião resolvi escrever alguma coisa lembrando coisas e fatos que se passaram quando era menina.
As primeiras lembranças da minha infância.
Na fazenda tinha muitas empregadas, mamãe ensinava tudo para elas, sempre soube ensinar e determinar muito bem ( brava ) os serviços da casa. Assim como as empregadas eram ensinadas, nós também tínhamos que saber, todo o serviço a ser executado, pois mamãe dizia “ Para saber mandar é preciso saber fazer e bem feito”. Naquela época acostumava-se criar meninas para ajudar nos afazeres domésticos, dentre elas a querida “Marião”.
Mamãe era quem determinava o que seria feito no almoço, jantar, café e sobremesa.
Nós não podíamos ficar dormindo. Mamãe nos acordava e nos mantinha ocupadas, aliás sempre havia o que fazer. Na fazenda a energia não era elétrica e sim através de um dínamo tocado a água.
Nós ouvíamos rádio, ouvíamos novelas, eu até chorava, era chorona e ainda sou.
Eu sou a do meio tem 5 prá cima e 5 prá baixo. Sempre fui obediente e gostava de lavar louças, ainda pequena, colocava um banquinho perto da pia para ajudar. Papai levantava também muito cedo. Cainha era andeja, onde o papai ia, ela ia atrás, quando brigávamos era chamada de quatro olhos pois usava óculos.
A Ciaba cuidava do tear tecia cochas de lã o dia inteiro é muito habilidosa, era muito brava ( hoje não ), a Zota a ajudava no tear.
A Zota tinha o apelido de Birunga e Chatola, pelo seu biótipo, um dia brincando de correr com os irmãos,, foi pular a porteirinha da escada da varanda agarrou o vestido e caiu em cima do Valente ( cachorro ) e quebrou a perna, foi um auê.
A Nia era muito divertida, ela vestia um penhoar ( robe ) estampado e comprido, subia no muro de pedras, abria a penhoar para procovar as vacas Correnteza e Parasita, elas nem podiam escutar a voz da Nia dentro de casa, e quando a Nia as provocava elas investiam em cima dela e a Nia saia correndo.
O boi Revoltoso não tinha muita simpatia pelo Beto, quando o via investia.
O Gigi, acho que queria ser inventor, furou uma bola para ver o que tinha dentro, desmanchava as coisas e montava novamente deixando várias peças sem colocar, mesmo assim funcionava.
O Mazinho e a Téia eram mais acomodados. A Téia, a mais chique, vivia tranqüila, ela dizia que queria viver em época que se apertasse um botão tudo aparecesse em suas mãos, olha já era pensando em tecnologia.
A Bita vivia com um livro debaixo do braço e o rádio ligado, não gostava de afazeres domésticos, papai falava: esta vai ser deputada, muito calma tranqüila, na dela.
O mais cocorado era a rapa do tacho. O Zezé , que quando combinava para viajar, nem dormia, a qualquer hora ele falava , vamos sair agora? E saia mesmo, não tinha paciência de esperar, isto até hoje. Aproveitou o máximo. Era meio sem juízo, levava a sobrinhada para a currutela.
À tarde na fazenda papai e mamãe ficavam sentados no alto da escada, observando a criançada brincarem no terreiro de pedra, brincávamos de pique, peteca, bola, forno, etc. Quando brincávamos de forno, papai falava: boca de forno, respondíamos – forno, fareis tudo que seu mestre quiser, faremos, quem não fizer tomará um bolo ( tapinha na mão ), saíamos todos correndo quem chegasse por último tomava o bolo.
Também brincávamos de pique dentro de casa, mamãe não se importava da correria, o pique acontecia a qualquer hora, como a casa era muito grande tinha duas alcovas ( quarto sem janela ), onde se guardavam malas, sacolas, colchões a maior. Beto gostava de esconder lá, enfiava embaixo dos colchões e deixava o bumbum prá cima.
Tia Celina morava lá em São Paulo , e vinha passar as férias inteiras com as primas Antonieta e Celi. Celi vestia umas roupas engraçadas e fazia um espécie de teatro que via na televisão em São Paulo , divertíamos muito.
Teve uma ocasião que papai estava com os empregados fazendo um desvio do córrego, e nós todos lá vendo, o Beto jogou uma pedra na água, vindo espirrar nele, então o côro comeu em todos, aliás, quase todos, Beto correu e escondeu embaixo da cama, mais tarde apareceu dizendo não ter apanhado, aí apanhou dobrado.
Na fazenda tinha o dia das quitandas, mamãe levantava cedo com as empregadas para colocar fogo no forno grande. Amassavam tudo: biscoito capitão, broa, pão de queijo, biscoito seco, biscoito espremido, umas 3 ou 4 variedades de rosquinhas. Quando o forno estava temperado, todos ajudavam a enrolar, tinha que ficar todos do mesmo tamanho. Era o dia inteiro. Mamãe casou cedo, e aprendeu tudo com a vovó Mariquinha. Papai adorava biscoito capitão ( biscoitão ), mordia nas duas pontas colocava na xícara com café e chupava.
Era na passagem da horta que fazia os doces, marmelada, pessegada, goiabada, vinham as frutas em cargueiro. Várias pessoas ajudavam a descascar e mexer o tacho ( os doces eram colocados em caixetas e duravam o ano inteiro ). Na hora de raspar o tacho, era uma festa, acho que era o doce mais saboroso.
Na mesa da cozinha também se preparava porco, já ia morto, sapecado somente as bandas. Então era separada a carne de panela, a lingüiça e o toucinho moído e frito para gordura.
Agora vamos falar em estudos, colégio interno, Beto estudou em Itajubá, Mazinho e Zezé Marista em São Paulo , levados pelo tio José Carlos que arrumou para eles estudarem lá.
Mazinho formou-se na Esal em Lavras. Gigi estudou em Niterói e Lavras.
Vamos para as mulheres, todas Varginha, Santos Anjos internato.
Primeiro foi a Téia ( canastra, roupas de cama e de vestir, camisolas ), depois a Nia, a Cainha,eu, Zota, Iau e a Bita. Esta muito pequena +/- 5 anos, foi para desmamar e ir se acostumando, eu cuidava dela. Pela manhã levantávamos às 5 horas, tomávamos banho frio, eu corria arrumava a minha cama e a da Bita, trocava de roupa e vestia a Bita também, colocava até os sapatos. Corríamos para a missa em jejum, a Zota chegava passar mal pelo jejum, após a missa refeitório, para aquele café com leite, um copinho e um pãozinho, mal dava para forrar o estômago.
Aí cada uma ia para sua sala de aula, após as aulas íamos para o refeitório para aquele almoço, depois recreio, voltamos para a sala de aula, ficávamos até as 17 horas. Saímos e íamos fazer os deveres até a hora do jantar. Às 20 horas subíamos para o dormitório. Lembro-me que nesta hora chegava um trem apitando, eu chorava de saudades de casa, íamos só nas férias.
Eu adorava leite ( até hoje se não tiver um leitinho, eu morro), os pais de uma colega levava leite em uma garrafa. Enquanto elas iam colocar as camisolas, eu corria até a cozinha e bebia no gargalho, e voltava correndo como quem não quer nada. Ficava com a consciência pesada. Confessei com Padre João, ele me deu razão, porque estava com fome, mas pediu para eu beber pouco.
Nesta época a aluna interna mais antiga era oradora da turma, como era eu, sobrou para mim, fazer o quê? Formei em magistério.
Papai gostava de ir uma vez por ano em Aparecida do Norte, mal saiamos para viajar ele já começava a merendar. Chegando lá colocávamos as malas no hotel ( Recreio ) e íamos para a igreja. Acabava de rezar, ele falava, podemos ir embora já estou pronto.
A fazenda era enorme café, leite, papai deu uma fazenda para cada filho, a Ciaba que não era casada, ficou com a casa da cidade, ela não tinha marido para cuidar das terras segundo ele.
Assim foi minha infância.
Saudades desses tempos,
Zélia.
Uma delícia o comentário da tia Zélia, tão bom quanto a reuniãoi da família. Ducelene.
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