IMPRENSA, HISTÓRIA E SEPARATISMO: O MOVIMENTO SEPARATISTA DE 1892 ATRAVÉS DAS PÁGINAS DO MONITOR SUL-MINEIRO *
Última parte.
Àquela época, a cidade da Campanha era a principal localidade propagadora das idéias separatistas no Sul de Minas Gerais, além de “um dos mais inexpugnáveis baluartes do partido conservador”, o que lhe garantia posição privilegiada no contexto da Política de Conciliação do Segundo Império (REZENDE, 1987: 30).
A 1º de janeiro de 1872, Bernardo Saturnino da Veiga, um dos filhos de Lourenço Xavier da Veiga, fundou na Campanha o Monitor Sul-Mineiro, jornal que conquistaria notoriedade na imprensa nacional por sua longa publicidade. Dele, Valladão oferece uma descrição de contemporâneo:
Nas instrutivas, patrióticas e noticiosas colunas deste grande órgão, o Monitor Sul-Mineiro, se defendiam as melhores causas e se derramavam úteis conhecimentos. E ainda questões políticas, que tanto apaixonadamente eram ali tratadas sempre com superioridade, dominando sempre o espírito de moderação de idéias e de linguagem, como programa estabelecido. [...] não seria preciso significar, os interesses locais da Atenas Sul Mineira, sobre os variados aspectos, culturais, morais e materiais, eram especial, brilhante e carinhosamente defendidos sempre em suas colunas, bem como o interesse de toda aquela região em geral (VALLADÃO, 1942: 224).
O programa político do Monitor Sul-Mineiro pautava-se pela promoção dos ideais de progresso e de civilização. Na opinião dos seus redatores, a provincialização do Sul de Minas Gerais apresentava-se como um indiscutível pressuposto para o progresso da região, de vez que a emanciparia da administração de Ouro Preto por meio da transferência do poder regional para a cidade da Campanha.
É importante ressalvar, contudo, que a orientação política do Monitor Sul-Mineiro era conservadora e, por isso mesmo, avessa às propostas radicais de separação. Destarte, Minas do Sul deveria ser criada de acordo com os princípios constitucionais e em respeito ao status quo imperial, como está implícito no seguinte excerto, onde o redator do jornal intercede ao Imperador D. Pedro II, pela causa separatista:
[...] Queremos estabelecer nossa economia em separado, sem temermos a sorte do filho pródigo, pois não temos outra fortuna além do amor do trabalho.
[...] Queremos progredir, caminhar, ir além, muito longe, sem que os anos alvejem os cabelos, como a nossos maiores – nas brenhas de seus solitários palmares!
[...] Queremos espancar a tristeza de nossas montanhas, que 56
nossos rios não corram entre desconhecidas solidões, queremos finalmente a civilização que, na frase de Guizot, é o oceano que faz a riqueza de um Estado, e a cujo seio todos os elementos da vida do povo, todas as forças de sua existência, vem a sumir-se!
[...] É este talvez, Senhor, o derradeiro recurso que vamos tentar; se se perderem as nossas palavras na amplidão dos ares, como se perdem as do condenado no meio do auditório sombrio da morte; se não chegarem ao Trono Imperial as justas suplicas de todo o Sul de Minas, que pede vossa proteção – o fiat lux – que pode espancar as trevas que nos cercam...tendo a autoridade como coisa inviolável, faremos sempre da obediência coisa santa e sujeitar-no-emos ao sacrifício como coisa divina (MONITOR SUL-MINEIRO, 1884: 3).
A proposta legalista de separação apresentada pelo Monitor Sul Mineiro foi sendo rebaixada à proporção do desgaste do partido conservador, bem como da ordem política por ele sustentada. Nesse sentido, a difusão das idéias republicanas e federalistas deu ensejo ao surgimento de novas concepções de separação do Sul de Minas Gerais.
Com o advento da República no Brasil na última década do século XIX, as rivalidades entre as regiões mineiras se aguçaram de tal forma que o governo de Minas Gerais se viu obrigado a adotar uma política de conciliação entre elas. Entrementes, tal medida foi insuficiente para acalmar os ânimos exaltados dos sul-mineiros e para dissipar as idéias de separação.
Assim, a 31 de janeiro de 1892, a população campanhense foi convidada a comparecer ao Largo das Dores para a proclamação oficial de independência do estado de Minas do Sul. Sob a liderança de políticos locais, O Movimento Separatista Sul Mineiro14 contou com o apoio de poucos municípios circunvizinhos à cidade da Campanha, como São Gonçalo do Sapucaí, Três Corações do Rio Verde e Cambuí (VALLADÃO, 1942: 360).
14 Com relação ao Movimento Separatista Sul Mineiro de 1892, José Pedro Xavier da Veiga faz o seguinte comentário: “Movimento popular na cidade da Campanha para o fim de ser criado um novo estado no território do Sul de Minas. Para dirigi-lo foi instituída uma junta, que proclamou ao povo, fundou órgão oficial na imprensa e chegou mesmo a exercer na cidade ação governativa, com aplausos da população. Dois meses
Cumpre observar que a orientação política desse movimento era bastante diferente da dos projetos parlamentares apresentados durante o Segundo Império, não obstante sua aspiração comum. Enquanto os deputados Evaristo da Veiga, Américo Lobo e Olympio Valladão propunham medidas legais para a provincialização do Sul de Minas, os adeptos do Movimento Separatista Sul Mineiro eram, em sua maioria, republicanos que não hesitavam em dispor de medidas radicais e, até mesmo, anticonstitucionais, para conquistarem seu intento. 57
depois estava normalizada ali a situação das coisas públicas, tendo sido posteriormente anistiados pelo governo federal os chefes do movimento separatista e aqueles que os secundaram” (VEIGA, 1998, p.184).
Durante dois meses, tempo que durou o movimento, o sonho da separação parecia haver se tornado realidade para seus idealizadores, como atestam as palavras do jornal Minas do Sul:
Minas do Sul existe enfim!
Concretizou-se a perene aspiração de meio século - nossa e de nossos maiores.
Não há, no mais recôndito recanto do território d’aquém rio Grande, um coração que não pulse uníssono conosco, no contentamento pela realização do nosso sonho comum, no entusiasmo pela previsão do esplêndido futuro que nos aguarda. (MINAS DO SUL, 1892: 01).
Todavia, nem toda a imprensa estava confiante no êxito separatista, a exemplo do Monitor Sul Mineiro, que se posicionou de forma hesitante quanto à situação. Somente a partir de meados do mês de fevereiro, esse jornal passou a manifestar apoio àquela iniciativa de separação, sem, contudo, deixar de censurar seu caráter demasiado “revolucionário”.
Com efeito, o que continuou distinguindo o Monitor Sul Mineiro das demais vozes consonantes com a separação foi o acentuado tom de moderação e sobriedade com que ele tratava as possibilidades de criação do estado de Minas do Sul, como pode se perceber por meio de seu editorial de 10 de fevereiro de 1892:
[...] Temos opinião conhecida sobre a necessidade de constituir-se no sul do Estado em que vivemos um governo independente e livre da tutela de Ouro Preto, e não precisamos de novo declarar que receberíamos com a mais viva alegria a feliz notícia de que essa aspiração se tornou realidade. Entretanto, afasta-nos atualmente das que se empenham por esse desideratum a questão do modo de criar-se o novo estado. Temos horror às revoluções, que arrastam após si incalculáveis desgraças, levando a divisão, o ódio e o luto ao seio das famílias, que desejaríamos ver sempre unidas nos mesmos intuitos, contundidos em sentimentos iguais, irmanados por identidades de afeto (MONITOR SUL MINEIRO, 1892: 01).
Percebe-se, por esse excerto, que o Monitor Sul Mineiro apoiava a iniciativa de criação do estado de Minas do Sul, mas à maneira antiga, como se fazia no tempo de D. Pedro II. Parece-nos que a aversão do Jornal a toda e qualquer forma de revolução foi um legado do pensamento conservador que, nos primeiros anos de regime republicano, reavivou-se ante as novas ameaças de integridade do território nacional. 58
Tendo o Movimento Separatista Sul Mineiro sucumbido na primeira quinzena do mês de março, a anistia aos revoltosos separatistas foi concedida a 23 de abril de 1892. Vários políticos campanhenses concorreram para a rapidez deste processo, dentre eles Dr. Alexandre Stockler e Dr. Francisco Lobo, este último, ministro das Relações Exteriores entre 1892 e 1896.
Ao se analisar a breve trajetória desse evento histórico regional, provoca-se a reflexão sobre suas conseqüências políticas, a médio e longo prazos, para a região Sul Mineira e, mais precisamente, para a cidade da Campanha.
Com relação ao Sul de Minas, o Movimento Separatista de 1892 conseguiu atrair a atenção do governo mineiro para as necessidades regionais, embora tenha malogrado em seu objetivo precípuo de criação de um novo Estado. Tanto que, como aponta Morais Filho, dos governadores de Estado que ascenderam à Presidência da República, cinco eram sul-mineiros, dentre eles Wenceslau Braz e Delfim Moreira (MORAIS FILHO apud CASADEI, CASADEI, 2002: 108).
Entretanto, para a cidade da Campanha, o Movimento Separatista Sul Mineiro representou-se como ônus, tanto para sua imprensa quanto para sua influência política: após 1892, a cidade perdeu definitivamente importância para outros pólos urbanos florescentes na região, como Pouso Alegre, Varginha e Poços de Caldas. Ademais, muitos jornais campanhenses, como o Monitor Sul Mineiro, perderam prestígio e logo encerraram suas publicações. Por fim, a imagem da Campanha como a Atenas Sul Mineira passou a figurar apenas nos discursos políticos vazios e nas páginas do passado.
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FONTES IMPRESSAS:
Jornal Monitor Sul Mineiro – originais do período entre 1872-1896; acervo do Centro de Estudos Campanhenses Monsenhor Lefort, Campanha/MG.
Jornal Minas do Sul – exemplar do ano de 1892; acervo do Centro de Estudos Campanhenses Monsenhor Lefort, Campanha/MG.
RESUMO: A cidade da Campanha firmou-se durante o século XIX como importante localidade propagadora de idéias separatistas no Sul de Minas Gerais. Nela surgiram vários jornais e projetos parlamentares que tinham como aspiração comum a provincialização daquela região. Num primeiro momento, este texto identifica as transformações históricas no estatuto social e político da imprensa durante o século XIX. Em seguida, avalia os fatores de surgimento das idéias separatistas no Sul de Minas Gerais. Por fim, analisa o Movimento Separatista de 1892 sob a óptica do jornal Monitor Sul Mineiro.
PALAVRAS-CHAVE: Separatismo, Sul de Minas Gerais, Monitor Sul Mineiro.
ABSTRACT: The city of Campanha stands out during the 19th century as an important propagating center of separatist political ideals in the South of Minas Gerais. The city was the hub of a surge in various periodicals and parliamentary bills that had as their common goal of the secession of the region from the rest of Minas Gerais. Firstly, this article identifies the historical transformations in the social statutes and press policies during the 19th century. Next, it assesses the factors surrounding the surge in separatist political ideals in the South of Minas Gerais. Finally, this article analyzes the Separatist Movement of 1892 through the lens of the journal Monitor Sul-Mineiro. 62
KEY-WORDS: Separatism, South of Minas Gerais, Monitor Sul-Mineiro.
* A autora Graduada em História pela PUC Minas. Pós-Graduanda em Cultura e História e Minas Gerais pela PUC Minas. E-mail: perolagold@yahoo.com.br
Prezado José Milton,por este texto e muitos outros da mencionada autora, bem como pela extensa bibliografia existente, podemos inferir a magnitude alcançada por nossa amada cidade da Campanha no âmbito da política,do livre pensamento,da imprensa nos séculos 18 e 19.Sempre digo que é uma honra ser campanhense, mesmo não o sendo...
ResponderExcluirComentamos que Campanha merece um Museu da Imprensa para abrigar,entre outras importantíssimas publicações,
as do Monitor Sul-Mineiro, obra de imensurável valor para historiadores,jornalistas, praticantes e estudiosos da política.Quem sabe um dia tal sonho não se concretizará, não é mesmo?
Agradeço a publicação em nome de minha filha Pérola; ela fica feliz por contribuir com o conhecimento sobre Campanha.
Um abraço da amiga Patricia Goldfeder