: O MOVIMENTO SEPARATISTA DE 1892 ATRAVÉS DAS PÁGINAS DO MONITOR SUL-MINEIRO *
* Artigo produto do Projeto PROBIC/FAPEMIG 50023/05.
1 É necessário esclarecer que o conceito peuceriano de informação é bastante distinto daquele que atualmente se utiliza para designar a principal competência da imprensa. Para Peucer, as informações jornalísticas somente eram válidas se orientadas pelos critérios de imparcialidade e busca da verdade dos fatos (PEUCER apud SOUSA, 2008, p. 5). Hodiernamente, reconhece-se a impossibilidade de um jornalista se conservar neutro nos seus comentários, bem como de alcançar uma verdade única e incontestável.
Pérola Maria Goldfeder e Castro *
Dentre as formas de comunicação e exercício do poder político, a imprensa é talvez aquela que exerça maior influência na sociedade, pois, nas palavras do escritor francês Victor Hugo, o diâmetro da imprensa é o diâmetro da própria civilização (HUGO apud CAPELATO, 1988: 1).
Em se tratando da imprensa no Sul de Minas Gerais, mais precisamente, na cidade da Campanha, no decorrer do século XIX, esta se pautou pela promoção das idéias de separatismo e provincialização daquela região, tal como se verá neste artigo.
Antes, contudo, de se analisar a imprensa separatista sul-mineira, cujo representante de maior vulto foi o jornal Monitor Sul-Mineiro, é necessário que se reflita sobre as transformações ocorridas no estatuto social e político dos jornais no século XIX e que se aborde a origem e desenvolvimento das atividades de impressão em Minas Gerais.
A prática discursiva jornalística esteve vinculada, desde a sua vulgarização, ao afã de fabricar-se o real com as aparências, ou seja, à narração verossímil e imparcial dos acontecimentos (MARIANI, 1998: 30). Já em 1690, Tobias Peucer refletia sobre a função dos jornais na sociedade e declarava que eles deveriam, antes de tudo, informar1 (PEUCER apud SOUSA, 2008: 4).
Não obstante sua natureza informativa, os jornais estiveram sempre afinados com as transformações históricas de ordem política, econômica, social e tecnológica, tendo, por vezes, suas funções por elas alteradas.
Com relação à imprensa política, pode-se afirmar que ela nasceu na Inglaterra, durante a Revolução de 1649, e se desenvolveu pelos séculos subseqüentes, com a eclosão das revoluções liberais burguesas nos continentes europeu e americano. Nesse contexto, os jornais passaram a ser utilizados para o debate de questões políticas do dia, 47
bem como para a difusão de críticas e de propostas parlamentares (FRIEIRO, 1962: 69).
O desenvolvimento da ordem econômica capitalista e as inovações tecnológicas dele advindas também influenciaram, sobremaneira, o estatuto social e político da imprensa. A exemplo disso, citam-se algumas das invenções tipográficas que revolucionaram a técnica de impressão dos jornais: a máquina de papel de Louis Robert (1798); a prensa mecânica de Frederico Köning (1812); a prensa rotativa de Marinoni (1850) e a linotipo de Mergenthaler (1885) (BAHIA, 1990: 106).
Com o advento do século XIX, a imprensa afirmou-se de vez como sustentáculo do poder político e guia da opinião pública. Isso somente foi possível, dentre outros motivos, pelo crescimento das taxas mundiais de alfabetização, pela ampliação das redes de telégrafos e de correios, e, é claro, pelo reconhecimento do direito da liberdade de imprensa.
Vários pensadores contemporâneos estiveram atentos a essas mudanças, dentre eles Antonio Gramsci, cujas reflexões sobre os tipos de jornalismo e o papel dos jornais na sociedade são de fundamental importância para este artigo. Em seu livro Os intelectuais e a organização da cultura (1985), Gramsci elabora uma definição do que ele próprio denomina jornalismo integral:
[...] isto é, o jornalismo que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, consequentemente, em certo sentido, criar seu público e ampliar progressivamente sua área (GRAMSCI, 1985: 161).
Na concepção desse autor, toda categoria social que surge nas interfaces do modo de produção vigente cria para si um segmento específico de intelectuais que confere legitimidade a ela. No caso da sociedade liberal burguesa do século XIX, os jornalistas eram seus principais porta-vozes, e a imprensa, seu veículo de comunicação por excelência.
Acredita-se que o conceito de jornalismo integral seja o que melhor defina a realidade da imprensa em Minas Gerais no século XIX, pois, tal como diz Gramsci, os jornais mineiros se originaram no bojo de uma categoria social específica, qual seja a dos senhores e proprietários de terra recém-egressos do sistema colonial. Foi, portanto, atendendo aos interesses políticos desses que a imprensa se difundiu pelo território mineiro. 48
Durante todo o período de administração colonial, a imprensa foi proibida de se desenvolver nas Minas Gerais uma vez que as atividades intelectuais e a circulação de idéias na colônia causavam desconfiança à Coroa portuguesa. Não obstante isso, estima-se que várias tentativas clandestinas de impressão foram levadas a cabo pelos habitantes dessa capitania durante o século XVIII.
A história da imprensa mineira tem como personagem fundador o padre Joaquim José Viegas de Menezes2, considerado por Xavier da Veiga o “Guttemberg brasileiro” (VEIGA, 1998: 629). Em 1807, ou seja, um ano antes do estabelecimento oficial da imprensa no Brasil, esse religioso imprimiu várias cópias do Canto Encomiástico3, um panegírico dedicado ao então governador de Minas, Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello, pelo poeta Diogo Pereira de Vasconcellos.
2 As notas bibliográficas desta personalidade da historia mineira encontram-se em VEIGA, 1897, p. 249. Bibliografia semelhante pode ser lida na data de 1º de julho de 1841 em VEIGA, 1998, p.629.
3 Sobre a existência e preservação deste documento, restam apenas 4 exemplares: dois pertencentes ao acervo da Biblioteca Nacional (RJ); um ao Arquivo Público Mineiro (MG) e outro à biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RJ).
4 Também conhecida por talha doce, esta técnica consiste na impressão de letras e desenhos com o auxílio de uma forma que é aberta a buril em chapas fixas de cobre. A calcografia difere-se da tipografia, que é a utilização de tipos móveis feitos em metal ou madeira.
5 Segundo relatos de Xavier da Veiga, o nome desta tipografia deveu-se ao fato de que todos os tipos, prensas e demais ferramentas nela utilizados foram fabricados com material próprio de Ouro Preto, e não importados da Europa como a maioria das tipografias brasileiras daquela época (VEIGA, 1998, p.399).
6 Há divergências de opiniões quanto ao pioneirismo da imprensa periódica mineira. Xavier da Veiga aponta o Abelha do Itacolomy como o primeiro jornal de Minas Gerais (VEIGA, 1998, p.146). Em contrapartida, Tymburibá e Andrade conferem esse lugar ao Compilador Mineiro (TYMBURIBÁ, ANDRADE, 1991, p. 28).
7 Sobre este periódico, Xavier da Veiga escreve: “Publica-se neste dia [14 de janeiro de 1824], em Ouro Preto, o primeiro número do Abelha do Itacolomy, o primeiro, na ordem cronológica, dos periódicos mineiros. Saía três vezes por semana: nas segundas, quartas e sextas-feiras [...], in folio, pequeno, a duas colunas, formato da maior parte das folhas do tempo no Brasil. Era editado na Oficina Patrícia de Barbosa & Cia. (VEIGA, 1998, p.146).
Embora a técnica utilizada para essa impressão tenha sido a calcografia4 e não os tipos móveis, não restam dúvidas que o trabalho do padre Viegas de Menezes é um marco na historia da imprensa mineira, tanto por seu pioneirismo quanto por sua qualidade.
A introdução do negócio tipográfico nas Minas Gerais coube a Manoel José Barbosa, chapeleiro, sirgueiro e curioso das artes mecânicas que, com o auxílio do padre Viegas de Menezes, fundou a Tipografia Patrícia de Barbosa & Cia.5 em 1822. Um ano mais tarde, saiu a lume nessa mesma tipografia o Compilador Mineiro, primeiro jornal de que se tem notícia em Minas Gerais6. A ele sucedeu o Abelha do Itacolomy7 folha de cunho liberal publicada pela primeira vez a 14 de janeiro de 1824. 49
Cabe observar que, no ínterim entre a fundação da Tipografia Patrícia e o surgimento do seu primeiro jornal, houve a tentativa de instalação de uma tipografia oficial em Vila Rica por parte do então secretário do Governo de Minas Gerais, Luiz Maria da Silva Pinto. Este empreendimento, todavia, não logrou êxito, sinalizando que a força motriz da imprensa mineira foi, com efeito, a iniciativa privada.
Nas décadas de 1820 a 1840, de vez que as discussões políticas em torno de questões como a Independência, a aprovação da Constituição e a Maioridade do Imperador se acirravam, a imprensa encheu-se de fôlego e expandiu-se pelos principais centros urbanos de Minas Gerais. Entre 1823 e 1897, considerando-se o arrolamento de Xavier da Veiga, foram publicados 861 jornais em 117 localidades mineiras (VEIGA, 1897: 240).
Foi a Campanha a oitava localidade a receber um jornal, como informa Bernardo Saturnino da Veiga em seu Almanach Sul Mineiro (VEIGA, 1874: 34). Cumpre destacar que a imprensa campanhense foi o principal agente divulgador da causa do separatismo sul-mineiro: naquela cidade foram impressos os principais jornais separatistas da região, como o Opinião Campanhense (1832), o A Nova Província (1854) e o Sul de Minas (1859) 8, todos de propriedade de Bernardo Jacinto Veiga e Lourenço Xavier da Veiga. Esses dois irmãos, egressos do Rio de Janeiro à cidade da Campanha em 1818, ali se estabeleceram como livreiros e jornalistas.
8 Sobre a história da imprensa na cidade da Campanha, Xavier da Veiga informa: “Aparece na Campanha o primeiro número da primeira folha da localidade, a Opinião Campanhense, fundada e dirigida pelo conselheiro Bernardo Jacinto da Veiga e que durou até 5 de agosto de 1837. Só a 3 de maio de 1854 surgiu na Campanha o segundo periódico, A Nova Província, que cessou no 1º de junho de 1855. Seguiu-se a este o Sul de Minas (23 de julho de 1859), fundado pelo cidadão João Pedro da Veiga e que cessou a 18 de novembro de 1863, logo após o falecimento de seu diretor e redator, o tenente-coronel Lourenço Xavier da Veiga. Vieram depois, em ordem cronológica, os seguintes periódicos: O Sapucaí (4 de setembro de 1864); O Planeta do Sul (23 de julho de 1865), fundado pelo Dr. Fráucio Honório Ferreira Brandão; O Radical Sul-Mineiro (1868); Conservador (19 de setembro de 1869); Liberal Campanhense (1º de janeiro de 1871); O Monarquista (1º de janeiro de 1872) e, nesta mesma data, o Monitor Sul-Mineiro, propriedade e direção do tenente-coronel Bernardo Saturnino da Veiga e redigido por ele e seus irmãos” (VEIGA, 1998, p.363).
Em trabalho acerca dos grupos familiares que compunham a elite sul-mineira, Marcos Ferreira de Andrade afirma que os homens da família Veiga foram figuras públicas e políticas que souberam se servir muito bem da palavra impressa para enaltecer as qualidades do Sul de Minas Gerais de maneira a justificar a independência administrativa dessa região (ANDRADE, 2005: 82). De fato, as idéias separatistas aparecem com freqüência nas páginas dos jornais e almanaques publicados pelos irmãos Veiga e seus descendentes na cidade da Campanha ao longo do século XIX. 50
Para se compreender a história das idéias separatistas que figuravam na imprensa sul-mineira, é necessário que se defina o conceito de separatismo que é, grosso modo, a “tendência de um grupo social ou nacional, englobado numa estrutura estatal mais ampla, a separar-se, reivindicando a sua completa independência política e econômica” (OTTINO, 2004: 1145).
Em se tratando do separatismo no Brasil, alguns teóricos analisaram as condições sociais, políticas e econômicas de seu surgimento. A exemplo disso, Sérgio Buarque de Holanda compreende os movimentos separatistas ocorridos no século XIX como resultantes da excessiva centralização promovida pela administração imperial e da dificuldade encontrada pelas regiões economicamente mais dinâmicas em prevalecerem, no âmbito político, sobre as áreas de poder tradicionais (HOLANDA, 1972: 268).
Em Da Monarquia à República (1999), Emília Viotti da Costa elabora uma revisão historiográfica acerca das forças conjunturais que confluíram no episódio da Proclamação da República no Brasil. Segundo a autora, o ocaso do Império se deu, entre outros fatores, pelo profundo desnível entre os poderes político e econômico regionais. Essa e outras contradições da ordem imperial teriam dado ensejo às idéias de federação e, entre os federalistas mais exaltados, ao separatismo político administrativo (COSTA, 1999: 311).
Ao discorrer sobre os meios de comunicação e o problema do separatismo na atualidade, Manoel Correia de Andrade atenta para outras possibilidades de surgimento de idéias separatistas. Em sua opinião, a distribuição desigual de recursos e verbas públicas é uma prática prejudicial à unidade nacional e favorável ao espírito de separatismo e às rivalidades inter-regionais (ANDRADE, 1993: 311).
Se relacionadas à realidade histórica do Sul de Minas Gerais, essas explicações se permitem algumas inferências quanto ao surgimento e desenvolvimento das idéias separatistas naquela região: durante a primeira metade do século XIX, o sul mineiro foi, com a Zona da Mata, a principal região cafeeira e agroexportadora de Minas Gerais. Sua prosperidade econômica, todavia, não coincidia com sua pequena expressividade política nos níveis provincial e nacional. Ademais, os recursos e verbas públicas destinados ao Sul de Minas Gerais estavam aquém da contribuição dessa região para a receita provincial.
Outro fator que não pode ser negligenciado na compreensão do separatismo sul-mineiro é o da condição geográfica. Por ser região limítrofe entre Minas Gerais e São 51
Paulo, o Sul foi área de intenso trânsito comercial e alvo de várias disputas inter-regionais desde o século XVIII. Com o advento do século XIX, o interesse paulista pela porção austral do território mineiro não se arrefeceu; pelo contrário, ganhou força com a situação política desencadeada pelo Movimento Liberal de 18429.
9 A respeito desta questão, ver trabalho de Augusto de Lima, Limites entre Minas Gerais e São Paulo, publicado em 1920 e citado por VALLADÃO, 1937, p. 77.
Segunda-feira tem mais
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