Tributo a um campanhense
Edição FC - nº 178 - Fevereiro 2012
A cidade ele concedeu muito mais que seu amor incondicional. Doou aos conterrâneos o bem mais precioso que todos devem almejar: cultura e saber. Bens permanentes que disponibilizou a qualquer cidadão através da transferência de toda sua valiosa coleção particular de livros à biblioteca pública.
Era assim o Senhor Wilson Lion de Araújo! Empolgado, apaixonado pela História, cultura e tradições da Campanha. Seus olhos transmitiam não só bondade e simpatia, mas também vivacidade e alegria, principalmente quando o assunto versava sobre Campanha.
É esse cidadão de espírito humanitário e realizador, de aprimorada educação e cultura, homem de bem, digno da nossa admiração e estima que desejamos homenagear nesse momento solene e expressivo da passagem do seu Centenário de Nascimento, transcorrido em 24 de janeiro.
Artigos de autoria de Almir Reis Ferreira Lopes e Roberto Jefferson de Oliveira realçam a vida e os valores desse grande campanhense, um dos mais expressivos filhos da Campanha. Página......................
Centenário de Nascimento de Wilson Lion De Araújo
Campanha perde um grande filho
Almir Reis Ferreira Lopes
Homem de grande caráter, católico fervoroso, pessoa sempre interessada nas nobres causas, detentor de um sentimento de amor pela Campanha e pelas coisas campanhenses (suas festas, tradições e instituições), que somente pelo atavismo, se pode explicar.
Este foi Wilson Lion de Araújo, o nosso saudoso Wilson.
Nasceu na mesma casa em que morou Euclides da Cunha, à época residência de seu tio e padrinho, o farmacêutico Olympio César de Araújo, hoje demolida. Da escolha do nome, um fato pitoresco: seu pai Álvaro de Araújo era grande amigo do Pe. Pedro Macário de Almeida, companheiro de longas conversas e nas partidas de gamão. Padre Macário, porém, recusava-se a batizar um menino com aquele “exótico nome estrangeiro”. Insistia que o recém-nascido deveria se chamar José; chegou mesmo a mandar confeccionar cartões de participação com esse nome gravado. Seu pai afirmava que Wilson seria o nome do menino. Por fim, chegou-se a um consenso; o próximo filho homem teria o nome de José e, de fato, assim foi. Após dois meses, Wilson recebeu o batismo na Igreja de Nossa Senhora das Dores, contígua à casa de sua avó materna: “... aquela igreja afigurava-se uma dependência do casarão, simples exagero dos oratórios nas residências antigas. As sacadas do sobrado desdobravam para a rua, ombro a ombro com o gradil do coro da igreja. Para esse coro, abria familiarmente uma das portas do solar, e, como as minhas primas eram as “meninas” que cantavam nos atos religiosos e tocavam o órgão, mais se tornava aquele recinto um território comum, um aposento quase da intimidade doméstica”. (Veiga Miranda em "Maria Cecília e outras histórias" – pág. 13 e 14)
Foi nesse ambiente que Wilson viveu, a partir dos quatro anos, em companhia da avó Da. Jesuína da Veiga Ferreira Lion, de sua madrinha e tia-avó Da. Mariana da Veiga Ferreira Lopes, da tia materna Da. Maria Umbelina F. Lion, da empregada Maria Francisca e da ex-escrava Bragança. O sobrado era o ponto para onde convergia toda a família, nas reuniões, praticamente diárias, em torno da mesa de café e quitandas, reuniões essas que se encerravam pontualmente ao soar 22 horas. Ficaram-lhe na mente as mais vivas lembranças dessa vida familiar e dessas pessoas extraordinárias.
Na última década do século XIX, os Veiga constituíram a Empresa de Águas de São Lourenço. Pioneiros, transformaram em um próspero lugar o que antes era apenas uma fazenda. Após um grande surto de desenvolvimento, São Lourenço caiu numa fase de desânimo. Por volta dos anos vinte deste século, surge uma nova onda de progresso para São Lourenço.
Uma derrota nas eleições de 1918, fez com que várias famílias deixassem Campanha nos anos subseqüentes, inclusive a de Wilson. Transferem-se para São Lourenço que era então um distrito de Silvestre Ferraz (atual Carmo de Minas). Sua avó funda o primeiro hotel da localidade. Tudo isso o garoto Wilson vivenciou.
Age a mão do destino, um acidente em São Paulo , vitimou o Dr. Júlio Brandão (cunhado de sua avó). Faz-se necessário um acompanhamento constante e para aquela capital, vão tia Marianinha e Wilson, posteriormente seguem-lhe todos os demais; vão para não mais voltar.
Assim se vivia e entendia a família, em um sentido amplo e fraterno, sensibilidade essa que Wilson jamais perdeu.
Vivendo sempre em São Paulo , não se desvinculou da sua terra natal, a terra de seus antepassados, a Campanha de que tanto gostava. Toda vez que era possível, aqui estava ele para “respirar o ar da Campanha”, rever a casa em que nasceu, o casarão da Rua Direita; a Catedral, onde recebeu a primeira Eucaristia das mãos de D. Ferrão; para auxiliar no desenvolvimento da Biblioteca Cônego Víctor, pela qual tinha particular carinho. Enfim para estar com os amigos e conosco, seus parentes.
Por ocasião do Natal, vinha pessoalmente desejar Boas Festas.
Fazia questão de reunir em um jantar de confraternização todos os familiares. Rememorando, quem sabe, aquelas reuniões de outros tempos.
Wilson nos deixou. Ficou, no entanto, para nós, a lembrança e o verdadeiro exemplo de vida desse campanhense ilustre”.
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Nasceu Wilson Lion de Araújo em 24 de janeiro de 1912, filho do cirurgião dentista Álvaro Ernesto de Araújo e da professora Regina Veiga Ferreira Lion de Araújo. Descendente pois, das tradicionais famílias campanhenses Araújo, Veiga, Ferreira Lopes e Lion. Era bisneto de Lourenço Xavier da Veiga, de Cândido Inácio Ferreira Lopes e de Adolpho Lion, que implantou na Campanha o cultivo de uva e a fábrica de vinhos de tão boa qualidade, que recebeu uma medalha de ouro na Exposição Universal de Paris em 1900.
Em 1918 os Veiga e seguidores se organizaram para enfrentar o Partido Republicano e foram derrotados. Desgostosos, mudaram-se da Campanha 20 famílias, o que, sem dúvida, foi uma pena, pois se tratavam de pessoas de muito valor. A radicalização da política muito prejudicou a comunidade. Os avós e pais de Wilson foram uns dos que nos deixaram e ele, menino ainda, foi para São Paulo, onde traçou a importante trajetória de sua vida (veja parte de sua cronologia no quadro).
Formado contador pela Escola de Comércio Coração de Jesus, é nomeado fiscal junto a estabelecimentos comerciais. Ingressa na iniciativa privada, presta serviços à Casa Cássio Muniz e a muitas organizações do ramo imobiliário. Escreve o livro MERCEOLOGIA E TECNOLOGIA MERCEOLÓGICA (12 edições).
Casa-se duas vezes, a primeira com a contadora Clarice Rebello da Cunha, tendo os filhos Aluízio e Marília e, em segundas núpcias, com a educadora sanitária Olga Valim Mamede, advindo-lhe os filhos Heloísa e Maurício.
Passa a interessar-se pela Genealogia e publica um estudo sério e completo sobre as famílias VEIGA e ARAÚJO, que lhe valeu a oportunidade de ingressar como membro efetivo do INSTITUTO GENEALÓGICO BRASILEIRO.
Fez também uma incursão no ramo da comunicação como redator da Rádio Difusora de São Paulo e publicou a obra intitulada PROCESSO DE PROPAGANDA.
Foi sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico da Campanha, ocupando a cadeira nº 13, cujo patrono é o Cônego Antônio Felipe Lopes Araújo.
Faleceu em São Paulo , a 25 de maio, aos 82 anos.
Roberto Jefferson de Oliveira
CRONOLOGIA
1955 - Recebeu do Instituto Histórico e Geográfico a Medalha Imperatriz Leopoldina, por serviços prestados quando da trasladação dos despojos da Imperatriz para o Monumento do Ipiranga.
1965 - Recebeu do Governo de São Paulo, Medalha concedida por ocasião do centenário do Cientista Vital Brazil.
- Recebe da Sociedade Geográfica Brasileira a Medalha Cândido Mariano da Silva Rondon.
1968 - Recebe da Sociedade Geográfica Brasileira a Medalha Descobridor do Brasil Pedro Álvares Cabral.
1972 - Recebe do Instituto Genealógico Brasileiro a Cruz João Ramalho.
1977 - Recebe do Instituto Genealógico Brasileiro a Medalha Cultural Silva Leme.
Matéria publicada no Folha Campanhense em fevereiro, por ocasião do centenário de nascimento de Wilson Lion de Araújo em 24 de janeiro de 2012.
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