Data: 18 de junho de 2013 08:29
Assunto: PARA ONDE VÃO AS MANIFESTAÇÕES
PARA ONDE
VAI A ONDA DAS MANIFESTAÇÕES ?
Hoje
participei da manifestação que ocorreu em Belo Horizonte e sinto-me à vontade
para dizer algo: Geraldo Alckmin conseguiu o que queria e entrou para a História
do Brasil. Não como sonhava entrar, mas seu nome já está garantido ao menos como
nota de rodapé nos livros didáticos.
Explico:
até a noite de quinta-feira, 13 de junho, o movimento que ocorria pontualmente
ao redor do Brasil em protesto ao aumento das passagens de ônibus era algo
relativamente difuso, sem muito potencial para crescimento. Havia duas opções de
desfecho: as passagens seriam reduzidas (como ocorreu em Porto Alegre) e tudo
voltaria ao normal ou eventualmente a negativa das empresas e do governo
deixaria claro que nada poderia ser feito quanto à questão. No entanto, a partir
do instante em que Alckmin agiu como Alckmin (e Serra) e ordenou que a PM
reprimisse a manifestação popular com força desproporcional, catalisou um
processo que talvez levasse um tempo infinitamente maior para se cristalizar.
Ninguém gosta de um bully – e o governo tucano,
como já havia se mostrado em tantas outras ocasiões (com professores da rede
pública, estudantes da USP, habitantes do Pinheirinhos e até mesmo com a Polícia
Civil), não hesita em se entregar ao bullying sempre que
questionado.
Desta vez,
porém, Alckmin errou feio seu cálculo e criou um monstro que se espalhou por
todo o país. A partir de quinta-feira, a questão definitivamente já não girava
mais em torno de 20 centavos ou mesmo do transporte público livre; era uma
questão de cidadania. E, como tal, deixou também de ser algo contra o governo
tucano ou a prefeitura petista, passando a ser um grito de revolta generalizado,
um berro de “chega!”.
Mas
“chega” o quê?
E foi esta
pergunta que vi tantos jovens se fazendo durante o manifesto em BH – mesmo que
não percebessem o questionamento. Assim, voltei para casa feliz por testemunhar
o despertar de uma juventude repleta de potencial, mas também inquieto por
perceber claramente que ela não tem ainda uma ideia muito clara do que está
fazendo ou de como prosseguir.
O que
resulta numa combinação muito, muito perigosa.
(Aqui peço
licença para um breve flashback pessoal para estabelecer por que me julgo
detentor de certa experiência para discutir a questão: em 1992, depois de fundar
e presidir por dois anos o grêmio do colégio no qual estudava – Promove Savassi
-, fui eleito em assembleia estudantil como líder do movimento secundarista no
Fora Collor. Como tal, participei da organização das manifestações em Belo
Horizonte, discursei em carro de som na Praça da Liberdade e na Praça Sete e fui
o rosto de meus colegas sempre que uma entrevista à imprensa era necessária – e
certamente há fitas embaraçosas nas emissoras mineiras que trazem meu rosto
moleque tentando parecer sério enquanto discute os motivos que tornavam
necessária a saída do Presidente. Na época, fui um dos estrategistas do
movimento em Minas, ajudando a decidir datas, locais e focos de protesto – e
mais tarde presidiria o DA da faculdade até abandonar o movimento estudantil ao
perceber que precisava me focar nos estudos. Não sou, portanto, um mero
palpiteiro, creio eu. Fim do flashback.)
Ao
caminhar entre a multidão de milhares de pessoas neste sábado, percebi duas
coisas muito óbvias: uma imensa empolgação e uma preocupante falta de
foco.
A primeira
é fácil compreender: há anos a juventude não ia às ruas – e, como toda geração,
eventualmente era inevitável que ela se questionasse acerca de sua própria
revolução. A geração anterior teve o “Fora Collor!”; antes dessa, houve a luta
contra a Ditadura. O que a geração pós-anos 90 tinha para protestar, porém?
Quando e como poderia extravasar o impulso rebelde que faz parte do DNA jovem e
que é algo tão belo e fundamental para o avanço da Humanidade?
Os últimos
dias trouxeram esta oportunidade – e não é à toa que um jovem amigo pelo qual
tenho imenso carinho me enviou uma mensagem por telefone na qual dizia, em
parte, “estar em êxtase” após a passeata. Como não estaria? Lembro-me de meus
dias de líder estudantil e ainda sinto o calor nostálgico da sensação de dever
cumprido: como tantos antes de mim, eu estava deixando minha marca na
História.
É um
sentimento lindo, único, precioso. E sinto-me privilegiado por ter testemunhado
o brilho que este trouxe aos olhos de tantos jovens hoje em Belo Horizonte. Eu
olhava ao meu redor e via este êxtase em todos os rostos lisos que me cercavam –
e sentia a vontade de abraçá-los com força e dizer: “Eu sei. É lindo, não
é?”.
Sim, é
lindo.
Mas eu
também me sentia inquieto ao observar que, ao lado da euforia, havia uma clara
dispersão de objetivos. Assim, puxei papo com vários jovens e observei
atentamente os cartazes que carregavam.
“Pela
humanização das prostitutas!”
“O corpo é
meu! Legalizem o aborto!”
“Fora,
Lacerda!”
“Viva o
casamento gay!”
“Passe
Livre já!”
“Passagem
a 2,80 é assalto!”
“Pelo fim
da PM no Brasil!”
“Cadê a
Dilma da guerrilha?”
“Fuck you, PSTU!”
“Aécio NEVER!”
“Não à
Copa no Brasil!”
E por aí
afora. Era um festival desconjuntado de causas, ideologias e revoltas. Os
cartazes tratavam dos sintomas, não da doença – e ao berrarem os sintomas pelas
ruas de BH em vez de identificarem a patologia que os provocavam, aqueles jovens
pareciam felizes, sim, mas também um pouco perdidos.
Passei a
caminhar silencioso pela multidão. Sentia a energia gostosa, positiva, da ação
juvenil, mas mergulhava cada vez mais em uma reflexão preocupada sobre o que
via. Seria apenas um sinal dos tempos? Uma revolução do tempo das redes sociais,
nas quais você pode “curtir” uma mensagem, uma causa, a cada segundo? Havia,
sim, um componente de hiperlink até nos bordões
cantados pela massa: um refrão sobre os ônibus levava a outro sobre a PM que
levava a outro sobre a Copa que levava a outro sobre Lacerda que levava a outro
sobre…
… sobre o
quê?
Ao chegar
em casa, manifestei esta dúvida no Twitter e alguns jovens imediatamente
responderam: “Ninguém nos representa!” e “Sim, estamos contra
tudo!”.
Mas “estar
contra tudo” não é ideologia.
E sem
ideologia não há movimento que se sustente. Ou, no mínimo, que se sustente de
maneira consistente – o que abre espaço para a manipulação.
Foi isto,
enfim, que me angustiou profundamente.
Vivemos em
tempos perigosos: a direita religiosa se torna cada vez mais influente e as
grandes empresas da mídia já perceberam que o PSDB não é uma oposição viável –
e, assim, decidiram ser elas mesmas a Oposição. Não é à toa que, contradizendo
todos os índices econômicos divulgados por órgãos independentes, a Globo, a
Foxlha, a Veja e o Estadão vêm pintando um quadro de instabilidade crescente:
inflação alta, dólar alto, PIB decrescente e por aí afora, pintando um país em
crise que, sejamos honestos, não corresponde ao que vemos todos os dias nas
ruas.
Enquanto
isso, o aliado histórico dos movimentos populares, o PT, parece ter se esquecido
de suas origens: tímido em sua resposta à brutalidade da PM, Haddad apenas
embaraçou-se ao relativizar os excessos da polícia – e sua proposta de se reunir
com as lideranças do movimento Passe Livre vem tardio, já que estas já não
representam mais as massas na rua. Enquanto isso, Dilma é vaiada num estádio
lotado por representar o poder – mesmo que, há pouco tempo, tenha oferecido
subsídios justamente para diminuir as passagens de ônibus que, ironicamente,
serviram como estopim da revolta.
Ora, se o
PT não é visto mais como representante popular pelos manifestantes (e nem tem
projeto que o aproxime da juventude) e o PSDB é claramente a mão pesada da
repressão, para onde os jovens podem se voltar? Além disso, como não têm uma
causa específica a defender, estes empolgados rapazes e moças criam um problema
impossível, já que não há solução viável que os acalme. Como resultado, surge
apenas um clima imponderável de insatisfação política generalizada – um clima
complexo, intenso, raivoso e insolúvel.
É deste
tipo de contexto que nascem os golpes.
E esta não
seria uma solução que desagradaria os barões da mídia – lembrem-se das manchetes
dO Globo pós-golpe em 64.
Claro que
esta não é a única resolução possível para o quadro que se desenha. Uma
revolução sem foco é uma revolução em busca de um líder, de um emblema, de uma
figura messiânica. E não há, hoje, uma estrutura política mais equipada para
preencher este vácuo que a direita religiosa.
A guinada
reacionário-fascista, portanto, é uma possibilidade nada absurda para este
movimento que nasce tão bem intencionado.
Isto,
aliás, é que me deixa tão preocupado: os jovens que vi hoje na rua eram… lindos.
Lindos. Felizes em seu papel democrático, acreditavam estar desempenhando uma
função histórica fundamental. E estão. Mas se não surgir um foco para esta
embrionária revolução, o perigo para que ela se desvirtue e seja cooptada pelo
que temos de mais reacionário, conservador, atrasado e estúpido é real e
imediato.
E
veríamos, então, a destruição dos resultados trazidos por dez anos de um projeto
político voltado de forma inédita para o crescimento social dos miseráveis.
Ninguém duvida que, do ponto de vista social, o Brasil de 2013 seja
infinitamente melhor que o de 2003. Mas se esta massa juvenil maravilhosa não
encontrar o foco necessário, corremos um grande risco de regressarmos a
1993.
Foi isto,
afinal, que me deixou tão triste após uma tarde de alegria ao lado daqueles
admiráveis jovens.
Rodrigo
Vianna
Excelente! Textos longos? O brasileiro, os campanhenses precisam aprender a ler, a gostar de ler! Só assim vamos sair das garras dos corrPTos que estão raspando o $$$$ e guardando nos bolsos, cuecas e meias em vez de investir em políticas públicas. Márcia Lima
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