17 de Junho de 2013•07h38
Educadora de 83 anos defende mudança radical no ensino
Com quase 60 anos dedicados ao magistério, Léa Fagundes é requisitada em todo o território brasileiro para conferências e formações de docentes
Léa Fagundes é pedagoga e psicóloga voltada à área
de informática educacionalFoto:
Flávio Dutra, UFRGS / Divulgação
Dos
seus 83 anos de vida, Léa Fagundes já dedicou quase 60 ao magistério e mais de
20 ao estudo da informática na educação. Inovadora desde sempre, a coordenadora
do Laboratório de Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) defende um modelo de inclusão digital nas escolas em que o aluno
seja protagonista do aprendizado. "É uma mudança total de paradigma. O estudante
deve programar o computador, se apropriar da linguagem e se tornar
investigador", afirma a professora, requisitada em todo o território brasileiro
para conferências e formações de docentes.
Assessora
do Ministério da Educação (MEC), pedagoga e psicóloga, Léa aponta que o Brasil
construiu uma história significativa no que diz respeito à inclusão digital nas
escolas - história da qual ela é parte ativa -, mas critica a interrupção de
programas educacionais por questões políticas e estruturais, como ocorre na
transição de governos. A gaúcha indica também que a resistência de educadores à
tecnologia e o medo da quebra de hierarquias em sala de aula é outro entrave
enfrentado. "Na escola, as crianças são tratadas quase ditatorialmente",
argumenta.
Os
alunos vão ao laboratório, depois voltam e o docente manda que eles se sentem um
atrás do outro e abram o caderno, não há integração entre os momentos.
Confira
abaixo a entrevista completa.
Terra
- Em que nível o Brasil está hoje no que diz respeito à inclusão digital e ao
uso de ferramentas computacionais em sala de aula?
Léa
Fagundes - O Brasil é um continente, então não dá para dizer "no País".
No Amapá, é uma realidade, em Curitiba é outra. Mas, apesar de todas as
diferenças, nós temos uma unidade cultural, falamos a mesma língua, e os
programas dos currículos são semelhantes. Os NTEs (Núcleos de Tecnologia
Educacional) e a formação dos professores que veio junto com eles avançaram
muito o Brasil nessa área. Chegou um momento em que a gente teve que criar cada
vez mais núcleos e, com eles, mais laboratórios (de informática). Acontece que
nós não queríamos mais laboratórios, porque isso não resolve a questão da
inclusão.
Terra
- Por que os laboratórios não são uma solução?
Léa - No mundo, e aqui no Brasil inclusive,
quando começou a se falar em inclusão digital nas escolas foram instalados
laboratórios. Por quê? Porque os computadores eram muito caros, então não podia
ter fartura, não era possível um por aluno, e laboratórios eram mais viáveis.
Mas qual o problema deles?
O
currículo, que a gente luta para transformar, tem de ser interdisciplinar e não
precisa ser sequencial.
Na
maior parte das vezes, são formados técnicos para trabalhar no local, mas o
professor de sala de aula não vai ao laboratório e não se especializa. Então os
alunos vão ao laboratório, depois voltam e o docente manda que eles se sentem um
atrás do outro e abram o caderno, não há integração entre os momentos. Por isso
nos encantamos com a ideia do OLPC (One Laptop Per Child, projeto de computador
educacional iniciado no Massachusetts Institute of Technology, hoje desenvolvido
em uma associação de mesmo nome, presidida por Nicholas Negroponte).
Terra
- Quais são as principais diferenças da inclusão digital nas escolas no Brasil
em relação a outros países?
Léa - A principal
diferença entre nós e países da América do Norte e da Europa é que aqui adotamos
um programa em que as crianças podem programar o computador, e não serem
ensinadas por ele. Nós defendemos a linguagem Logo (criada por Seymour Papert,
um dos idealizadores do OLPC) para a informática na educação. Na maior parte do
mundo, são colocados computadores e um sistema para ensinar a criança, como se
fosse o conteúdo passado por um professor para o aluno. Esse é outro paradigma,
é uma mudança completa na escola. O estudante passa a ser investigador e a
programar o computador. Agora tu me perguntas: o Brasil está melhor nessa área?
Sim. Mais do que todos os países? Não. Mas, por exemplo, na França, formaram mil
professores, e o computador era barato porque era nacional. Mas esse modelo
também era tradicional, de professor que tem que saber mais que aluno. Para mim,
não é assim, vejo o aluno como um pesquisador, e o professor, um orientador.
Acredito
que futuros professores vão mudar esse cenário, pois são pessoas novas que
gostam de tecnologia e não têm medo.
Terra
- Como deve ocorrer essa mudança?
Léa - É
importante destacar que a questão não é aprender a mexer no equipamento, nem
aprender conteúdo de sala de aula no computador, é o aluno programando,
pesquisando, isso exige um currículo totalmente novo. O currículo, que a gente
luta para transformar, tem de ser interdisciplinar e não precisa ser sequencial.
Por exemplo, quando o aluno chega para o professor e diz que tem curiosidade de
aprender determinado tema, e o professor responde que não pode, porque o
conteúdo é do próximo ano, isso prejudica o aprendizado. O aluno tem que ter
curiosidade no que é ensinado, por isso o problema apresentado tem de ser
instigante, interessante. Os alunos surpreendem a gente.
Terra
- Quais são os entraves enfrentados na inclusão da tecnologia no ambiente
escolar?
Léa - Nós temos bons programas
nacionais de educação e informática, e nos últimos 30 anos tivemos muitos
projetos de visão nacional. O problema é que, quando mudam os governos, os
projetos sofrem muito, porque as pessoas que entram na nova gestão não têm
conhecimento suficiente ou não querem prestigiar o partido que antecedeu, então
temos tido dificuldade com a continuidade. Por outro lado, o Brasil tem uma
história, e ela, apesar de interrupções, não estacionou, está avançando. E eu
acredito que futuros professores vão mudar esse cenário, pois são pessoas novas
que gostam de tecnologia e não têm medo.
A
cola deveria ser obrigatória. Cola é cooperação. É uma criança colocando a
dúvida, e outras tentando ajudar.
Terra
- A senhora percebe resistência de educadores ou das próprias instituições em
relação às tecnologias? Há medo de romper hierarquias?
Léa - Hierarquia é a palavra-chave. Na escola,
as crianças são tratadas quase ditatorialmente. Sentam-se em fila e, caso se
virem, têm que justificar. Os professores dizem "não olha para o lado, não cola
do colega". A cola deveria ser obrigatória. Cola é cooperação. É uma criança
colocando a dúvida, e outras tentando ajudar. Você tem avaliações em que uma só
resposta é certa, e todos os alunos têm que dizer a mesma coisa. O problema não
é ter apenas uma resposta certa, mas eles (os estudantes) têm que testar essas
respostas e ver qual resolve melhor o problema. Mas o pior são os cursos de
licenciatura, que formam professores, mas não se atualizam.
Terra
- A mudança desse paradigma deve começar na universidade?
Léa - Parece que isso é ilusão, sonho. Os
professores que ensinam nas universidades são doutores, famosos, escrevem teses
científicas e livros. Eles não querem dar o braço a torcer e dizer "nós temos
que aprender de novo". Então o computador não entra nas licenciaturas, que é
onde deve estar. As melhores licenciaturas são aquelas em que os cursos abraçam
a tecnologia. Ser professor é um encantamento, e é um encantamento também em
poder se atualizar.
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