Fabiana
Lemes Zamalloa do Prado, Promotora de Justiça em Goiânia/GO, Mestre em
Ciências Penais pela Universidade Federal de Goiás.
PEC 37 – UM ATAQUE À DEMOCRACIA
Arnaldo
Machado do Prado, Promotor de Justiça em Goiânia/GO
Fabiana
Lemes Zamalloa do Prado, Promotora de Justiça em Goiânia/GO, Mestre em
Ciências Penais pela Universidade Federal de Goiás.
Há algumas semanas,
a sociedade brasileira vem assistindo, com passividade, àquilo que se
constituirá em um dos mais graves ataques à democracia desde a promulgação da
Constituição de 1988: a aprovação pelo Congresso Nacional da PEC 37, que retira
o poder de investigação do Ministério Público na esfera criminal.
Muito se tem discutido sobre
ao poder de investigação do MP na esfera penal. Os que se posicionam
contrariamente ancoram-se em um discurso facioso de que não pode o MP acusar
com isenção se se incumbir da colheita das provas que produzirá em juízo. Lado
outro, os que se colocam favoravelmente ao poder de investigação do MP
fundamentam-no no seu irrecusável entrelaçamento com as suas funções
institucionais previstas na CF/88.
De fato. Como atribuir a uma
Instituição a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis sem lhe
conferir instrumentos para tal? Como atribuir ao MP o exercício da ação penal
pública sem lhe conferir o controle da prova que deverá produzir em juízo ou o
poder de produzi-la diretamente, quando necessário, seja pela falta estrutural
da polícia ou mesmo pela sua proposital inércia?
Talvez pela obviedade, deixou
o Constituinte de 1988 de explicitar a questão. E isso foi suficiente para que
oportunistas de plantão deflagrassem um verdadeiro complô contra o que foi uma
das maiores conquistas democráticas de 88: o MP com sua conformação
constitucional.
É notória a atuação do MP na
defesa dos bens e valores que lhe foram confiados pela CF/88. Essa defesa
intransigente, por uma Instituição dotada de garantias constitucionais que lhe
permitem atuar com total independência, tem atingido pessoas que, até então,
ficavam à margem da aplicação das leis, não obstante constituíssem seus maiores
infratores.
E isso ficou evidente com o
julgamento do Mensalão. Não fosse pela atuação investigatória do MP a apuração
de tão graves crimes, que levaram à condenação da cúpula do poder político hoje
dominante, não teria se tornado realidade.
Alternativa não restou senão
retirar das mãos do MP o controle e a realização direta daquilo que constitui o
momento mais importante da persecução penal: a investigação criminal.
Sem dúvida é a investigação
criminal a base de toda a persecução penal. É durante a investigação criminal,
quando os fatos muitas vezes estão acontecendo, que é possível coligir elementos mais robustos
acerca de sua ocorrência, enfim, é o momento único de produção de provas que, em
regra, não poderão ser repetidas.
Como poderá o MP exercitar a
ação penal pública com a eficiência necessária à efetiva defesa dos direitos
que o Constituinte lhe confiou, sem dispor de instrumentos para produzir as
provas que deverá levar ao juiz para a condenação dos infratores? Poderá o MP
exercer suas funções constitucionais na esfera criminal sem poder, quando
entender necessário, seja pela deficiência estrutural da polícia ou pela sua
inércia, produzir no momento certo as provas indispensáveis a uma condenação
penal? Poderá o MP ficar refém de um órgão – a Polícia - que, no sistema
constitucional brasileiro, está vinculada ao Executivo e não detém garantias
para o enfrentamento de situações em que sua atuação atinja aqueles aos quais
se encontra subordinada?
Ninguém recusa a importância
da Polícia no sistema constitucional brasileiro e, tampouco, o seu papel
precípuo de órgão investigador penal. Mas essa função é coadjuvante e está
vinculada à defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis que ao
Ministério Público compete, com primazia, exercer. A função investigatória
da Polícia não existe como um fim, mas como meio para que o MP possa exercer as
suas funções constitucionais.
Um modelo de cooperação e não
de exclusão numa seara que muito tem comprometido a democracia brasileira – a
aplicação da lei penal a todos os seus violadores e não apenas a um grupo de
selecionados - deveria encontrar
acolhida naqueles que se intitulam representantes da sociedade. Mas,
infelizmente, não são os interesses da sociedade que estão na base da PEC 37,
mas os interesses escusos de uma maioria política que pretende se manter a todo
custo no poder.
Necessário é o fortalecimento
da Polícia para maior eficácia da persecução penal estatal. Entretanto, não é
com o enfraquecimento do MP que isso se dará. Hoje o MP tornou-se o inimigo nº
1, amanhã, fortalecida, será a Polícia e assim será sucessivamente, enquanto
Instituições existirem que ameacem o projeto despótico de poder dos grupos
dominantes. Somente com Instituições fortes será possível a resistência contra
os inevitáveis ataques de maiorias conjunturais do poder, tão presentes na
história constitucional brasileira.
Retirar o poder de
investigação criminal do MP significa negar à Instituição o exercício de suas
funções constitucionais, com a amplitude necessária à efetiva defesa dos
direitos que o Constituinte lhe confiou.
Enfraquecer o MP significa
enfraquecer a própria democracia. Relembre-se que as funções institucionais do
MP, por constituírem garantias da sociedade e instrumentos de efetivação do
Estado Democrático de Direito, são cláusulas pétreas e não podem ser
suprimidas ou mitigadas nem mesmo por emenda constitucional.
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