sábado, 15 de dezembro de 2018

A HÓSPEDE - Leonardo Lima


                        A hóspede
                                            Leonardo Lima
             
Aconteceu no mês chuvoso de janeiro. Juro que é pura verdade!...
              Abri a porta e preparava o guarda-chuva quando notei algo na soleira da porta. Era uma coisinha pequenina e tive de fixar bem os olhos para tentar descobrir o que era aquilo. Fiquei perplexo ao notar que se tratava de um sapinho, que trazia em uma de suas patas dianteiras algo que eu, com a minha miopia, não consegui distinguir o que era.
              Corri a procurar minha lupa que usava no meu tempo de filatelista. Coloquei aquela figurinha no vidro possante e pude ver que se tratava de uma lousa. O sapinho escrevia rapidamente naquela pedra e eu levei um susto maior ainda ao ler o que estava escrito:
             “_ Por favor, não me pise e nem me chute, deixa-me explicar!”
               _ Estou muito surpreso, nunca vi um sapo escrevendo!
             “_ Sapo não! Perereca! Sou muito feminina!”
               _ Oh, peço desculpas! Mas já entendi que estou falando com uma sapinha moça.
             “_ Isso mesmo.”
               _ Hum... Você já namora?
            “ _ Sou uma perereca virgem... Nunca tive namorado.
               _ Diga-me... O que você quer, afinal?
            “ _ Está chovendo tanto, que eu estou recorrendo à sua bondade, no sentido de me acolher aí até passar a chuvarada. Olha... Tem sapo morrendo afogado! Já perdi minha mãe e meu pai nessa aguaceira!
               _ Hummm... Se eu entrar com você, as mulheres vão fazer um banzé tremendo! Elas tem medo de sapo!
             “_ O senhor me desculpe, mas eu não entendo esse medo! A minha raça acha a sua muito feia... Horrorosa mesmo! Vocês já se olharam no espelho? O nariz, por exemplo, é uma protuberância que causa medo, com esses dois buracos cheios de cabelinhos por onde vocês respiram... Oh, que horror! E as orelhas? Pelo menos, se fossem embutidas...!”
Via sua patinha escrevendo numa rapidez e, logo em seguida apagando, para continuar a frase.
                    _ Como aprendeu a escrever? Perguntei eu, ainda esfregando os olhos para acreditar no que via e lia.
                  “_ No grupo Dom Inocêncio. Tinha um menino que todo dia me levava no bolso do uniforme e, lá chegando, me punha no vaso de flor, escondida de todos. Assim, eu fui aprendendo. Quando terminou a quarta série, eu me preparava para ir ao Vital Brazil e aconteceu um sério problema: a família dele mudou para o Paraná!”
                   _ Que tristeza, hein? Teve que parar com o estudo...
                 “_ Nem tanto! Continuei! Esperava um aluno passar de bicicleta, pulava no pára-lama e, assim, continuei com os estudos, pois sempre gostei de ler e escrever. Lá eu ficava no canto da janela e ia anotando tudo na lousa que tenho. As minhas professoras foram donas Cidinha, Márcia, Margarida, Sandra e muitas outras.”
                  _ Fantástico! Vou fazer uma reportagem na Folha Campanhense, vou levá-la ao Tribuninha e telefonarei para o EPTV!
                 “_ Pelo amor de Deus, não faça isso! Aí vai acabar o meu sossego! Vão me chamar de ET de Campanha! Nada disso! Eu quero sossego. Quero é me abrigar da chuva. Só isso! Antes de vir aqui, tentei viver numa poça d’água de um buraco da COPASA, mas o barro era tanto, que tive que abandoná-lo...”
                   _ Está bem, está bem! Vou arranjar um meio de colocá-la lá na garagem. Pode deixar que você ficará bem resguardada. Serei o protetor da perereca desprotegida!
                 “_ Obrigada! Ufa... Finalmente irei descansar dessa chuva! Gosto muito de ler, quando der uma estiada, irei até a biblioteca.”
                   _ Iiiiii... Não sei não! Lá é cheio de mulheres e se elas encontrarem-na, vai haver vassouradas... Isso, se não acontecer o pior!
                 “_ Será?! Olha, uma vez eu fui, por curiosidade, assistir a uma reunião da Câmara. Levei um susto danado!”
                    _ O que aconteceu? Descobriram você lá?!
                  “_ Nada disso! Fiquei horrorizada quando começaram a chamar um deles por um nome de cobra! E você sabe... Cobra gosta de comer perereca! Não voltei mais lá!”
                   _ Pelo jeito, você adora andar!
                 “_ Já pulei por todo lado! Já estive na torre da igreja, na festa do Rosário, na Santa Casa, no Bairro Canadá, na Santa Cruz, no Palmela.”
                  _ Poxa! Você é uma perereca viajada!
                “_ Também gosto muito de dançar e cantar. Não perco um forró!”
                 _ Essa não! Você dança?! Onde aprendeu?!
               “_ Lá na Sapoteca!”
                 _ Que é isso?!
               “_ A nossa discoteca lá na Sapolândia!”
                _ Não acredito no que estou lendo!...
              “_ Uma vez, um camarada me prendeu numa gaiolinha e ia me espetar um ferro e me jogar na barragem para servir de isca! A sorte minha é que ele esqueceu a portinhola aberta e eu consegui fugir!”
               _ Já vi que vida de perereca não é fácil! Você é muito perseguida! Mas tenho que lhe confessar um pecado meu... Já comi perereca!
             “_ Gostou?”
              _ Para ser sincero, adorei!
            “_ Tem restaurante cujo prato principal é rã! É muito triste para minha raça ser dizimada desse modo... E outra coisa... Nunca diga que comeu perereca. Pega mal! Fale que “saboreou”!”
              A perereca ficou lá na garagem por um mês, e eu tratando dela. Um dia, quando o sol esquentou, ela me informou que ia embora. Pegou a lousa, o paninho e um resto de giz. Pediu-me que a levasse até o ponto de ônibus.
E eu fui lá... Levando a perereca.
                 Quando passou o circular, ela esperou calmamente que o último passageiro subisse e aí pulou na traseira do veículo, lá onde está escrito Vital Brazil Circular, e lá ficou grudada.
                Cheguei próximo antes do veículo partir e ela escreveu a última frase:
              “_ Qualquer dia eu volto! Tchau!”


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