OBSERVAÇÃO: Este texto, que está sendo disponibilizado para consulta eletrônica, está publicado na Revista Línguas e Instrumentos Linguísticos 18/ Universidade Estadual de Campinas: Pontes Editores, 2007: Campinas: Unicamp, 1997-2005, pp. 63-85.


IMPRENSA E POLÍTICA NO SUL DE MINAS: A DEFESA DO LIBERALISMO MODERADO. A DEMONIZAÇÃO DO CONTRÁRIO.


Autor: Isaías Pascoal: Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas – UNICAMP, Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Auxiliaram na pesquisa: Lílian da Silva Pascoal: graduada em Jornalismo pela UNIVÁS (Universidade do Vale do Sapucaí), MBA Executivo em Gestão Empresarial pela FGV e Conexão e Desenvolvimento Empresarial; Elaine Cristina de Oliveira (graduada em Jornalismo pela UNIVÁS (Universidade do Vale do Sapucaí).


RESUMO: Este artigo procura investigar de que forma se constituiu a imprensa no sul de Minas no período final do Primeiro Reinado e durante a fase Regencial. Quem são os editores, o que os movia, como procediam e como agiam cotidianamente são as questões que pretende responder. Salienta que o clima político envolvente, marcado por crises e profundas divisões, mais a presença de homens com espírito empreendedor foram os elementos fundamentais para o nascimento da primeira experiência jornalística da região.

ABSTRACT: This article aims at investigating the way that the Minas southern press was constituted in the final period of the Primeiro Reinado and during the Regencial period. It searches for answers to questions such as who the editors are, what their objectives and procedures were, and how they did behave. It also emphasizes the fact that the involving political atmosphere, wich was marked by crisis and deep divisions, added to the presence of men with a enterprising spirit were the essencial elements to the rising of the first journalistic experience in the region.

INTRODUÇÃO

O período imediatamente anterior à independência do Brasil, e os 25 anos subseqüentes, viram surgir um grande número de jornais em todas as províncias que constituíam o Império. Nada de excepcional. Situações de grande agitação política são pródigas para o aparecimento de jornais. Durante a Revolução Francesa o fenômeno havia sido observado.
A situação social do Brasil era de intensa agitação política. Começavam os embates que conduziram o país a um longo período de incertezas e graves conflitos internos.
No clima político que então se criou, a imprensa se transformou no mais importante canal de defesa, divulgação de opiniões e ataques aos adversários. Não era raro que um político famoso, ou um grupo que circulava em seu redor, criasse um jornal como instrumento de luta e difusão de idéias.
Neste momento, o sul de Minas começava a exibir sua influência na Corte, tanto economicamente, por meio do comércio de produtos alimentícios oriundos da agropecuária, fumo, algodão, produtos acabados, quanto politicamente, por meio de importantes personalidades da região que tiveram forte atuação no cenário nacional, como o padre e senador José Custódio Dias, Honório Hermeto Carneiro Leão, o Barão de Alfenas, o padre e senador José Bento e Bernardo Jacintho da Veiga, entre outros. Os dois últimos, além de políticos, tiveram grande atuação na imprensa regional, marcada por uma constante preocupação com as lides políticas.
Em 7 de setembro de 1830 surgiu, na freguesia de Pouso Alegre, o primeiro jornal do sul de Minas, e um dos primeiros da província de Minas. Tratava-se do Pregoeiro Constitucional, que foi criado pelo padre e deputado geral José Bento. Sua duração não passou de um ano. O Pregoeiro era editado em sua própria tipografia, que serviu, posteriormente, para imprimir as edições do Recopilador Mineiro, o segundo jornal que apareceu na Vila de Pouso Alegre, então já emancipada da Vila de Campanha. Durou de fevereiro de 1833 a agosto de 1837.
De setembro de 1832 a agosto de 1837, foi editado na Vila de Campanha o Opinião Campanhense, por Bernardo Jacintho da Veiga. Juntamente com O Pregoeiro Constitucional e com o Recopilador Mineiro, difundiram o ideário político do liberalismo na região, então, a grande bandeira de luta da oposição brasileira a D. Pedro I.
Não era fácil produzir um jornal na época. Os três, no entanto, circulavam duas vezes por semana e foram editados em tipografia própria, o que era mais surpreendente ainda.
O que eles pretendiam, qual era a motivação que levou seus proprietários a montar uma estrutura complexa para publicá-los e como era o trabalho dos que a eles se dedicavam são as questões investigadas neste artigo.

1 - O SURGIMENTO DOS JORNAIS



O início:

A história da imprensa no sul de Minas, no período em questão, foi escrita por políticos que mantinham relações com personalidades influentes no cenário político do país.
O padre, deputado, depois senador José Bento e Bernardo Jacintho da Veiga, deputado e presidente da Província de Minas, auxiliados por Quadros Aranha e Lourenço Xavier da Veiga, criaram no sul de Minas três importantes jornais que contribuíram para a região ser conhecida e se tornar um reduto fiel ao grupo político que reunia os Liberais Moderados, hegemônicos no cenário político nacional marcado por graves dissensões internas.
Desde que eclodiram os conflitos que opuseram o grupo político do imperador D. Pedro I ao dos brasileiros, no período que ficou conhecido historicamente como Primeiro Reinado, por todo país muitos jornais foram aparecendo e se transformaram num importante instrumento de luta política. Minas não constituiu exceção.
 Entre 1824 e 1830 surgiram: em Ouro Preto, o Abelha de Itacolomi e O Universal; em São João Del-Rei, o Astro de Minas; em Diamantina, o Eco da Serra; em Mariana, o Estrela Marianense; em 7 de setembro surgiu o Pregoeiro Constitucional em Pouso Alegre e, no fim deste ano, no Serro, começou a ser  publicado o Sentinela do Serro.

Os jornais:

Em 1830, a dissensão entre D. Pedro I e os Liberais brasileiros chegou ao auge. Como em todo país, a freguesia de Pouso Alegre se agitou com os conflitos que indicavam a chegada a um ponto de ruptura entre os dois grupos. O Imperador era acusado de autoritário e absolutista. A Câmara dos Deputados e inúmeros jornais espalhados por todo país manifestavam a sua oposição ao que consideravam desmando irresponsável do Imperador. Foi neste cenário que surgiu O Pregoeiro Constitucional. Criado pelo padre José Bento, na época deputado geral, teve seu primeiro número publicado em 7 de setembro de 1830. Era um jornal de pequena tiragem e saía todas as quartas e sábados. Sua pauta principal se constituía na oposição ao governo imperial, sob a inspiração do Liberalismo, ideologia que serviu de bandeira de luta contra D. Pedro I, considerado autoritário e absolutista. Após a abdicação de D. Pedro, em abril de 1831, o jornal perdeu o sentido da sua luta e desapareceu. O nome do jornal expressava o motivo que o fez aparecer: em nome da constituição do Brasil, lutar para garantir a liberdade e a atuação da Câmara frente ao absolutismo imperial. A última publicação de que se tem notícia data de 4 de junho de 1831.
Dois anos depois, no dia 7 de setembro, surgiu em Campanha, editado por Bernardo Jacintho da Veiga, irmão de Evaristo da Veiga (figura proeminente na política e no jornalismo da época) o Opinião Campanhense, jornal que durou até 5 de agosto de 1837. O periódico de Bernardo Jacintho da Veiga defendeu o governo regencial e procurou, como então faziam os Liberais Moderados no poder, frear o carro revolucionário que ameaçava a ordem interna, a integridade do país e a hierarquia social. Seu ideal era contribuir para a construção da ordem social e política, e institucionalizar a revolução de 7 de abril, data da abdicação de D. Pedro I, que deu lugar à ascensão do grupo moderado ao poder. Era o início da fase que ficou conhecida como Período Regencial.
 Em 06 de fevereiro de 1833, o padre e deputado José Bento passou a editar outro jornal, o Recopilador Mineiro, que durou até 1837. O Recopilador relatava importantes momentos do cenário político brasileiro e exerceu um significativo papel ideológico na articulação da população, nas regiões circunvizinhas às Vilas de Pouso Alegre e Campanha, em apoio ao governo regencial. A sua atuação mais virulenta se deu no episódio conhecido como Sedição Militar de Ouro Preto, em 1833, quando o governo legal da província de Minas, que era apoiado pelo governo regencial, foi derrubado por um grupo de rebeldes. Todo o sul de Minas a ele se opôs. Sem tergiversações, participou da luta para que  a ordem e a legalidade fossem restauradas.
Os jornais de Pouso Alegre e Campanha, além de difundir opiniões, articularam bases de apoio ao governo regencial e seus aliados na província de Minas. Exerceram um papel de educação (doutrinação) política dos mais significativos. O seu prestígio não estava circunscrito ao sul de Minas. Alfredo Valladão, historiador da Vila de Campanha, menciona o prestígio desses jornais fora do sul de Minas e da própria província. Assinaturas eram recebidas nas cidades vizinhas, São João Del Rei, Ouro Preto, São Paulo, Guaratinguetá e Rio de Janeiro. (VALLADÃO, 1945: 215)
 A Aurora Fluminense, jornal editado por Evaristo da Veiga, teve grande influência na linguagem e na visão política dos três jornais. Servia de modelo. Além dos ideais compartilhados pelos autores, os textos do Aurora eram publicados e analisados nas páginas do Pregoeiro Constitucional, do Opinião Campanhense e do Recopilador Mineiro.
Foi neste período de formação do Estado Nacional, mergulhado em conflitos, em revoltas separatistas, que a imprensa brasileira emergiu. O sul de Minas exercia, então, um papel significativo na política nacional. Possuía uma estreita relação política e econômica com a Corte e com ela se alinhou na defesa dos ideais do Liberalismo, praticamente, unânime na região. A imprensa regional, representada pelo Pregoeiro Constitucional, pelo Recopilador Mineiro e pelo Opinião Campanhense, em parceria com A Aurora Fluminense no Rio de Janeiro, brandiram o ideário liberal em sua versão moderada. O conservadorismo dos Restauradores e o irredentismo dos Exaltados eram vistos como elementos impeditivos para a constituição da ordem social e política, num momento turvado por toda sorte de conflitos. Na ótica do Liberalismo moderado, nada era mais urgente que a “pacificação” da nação e a consolidação do Estado.
O que subjaz a todo esse processo é a profunda integração das forças sociais e políticas dominantes no sul de Minas com as forças políticas hegemônicas na Corte. Primeiro no apoio aos moderados, na primeira fase regencial e depois, aos conservadores. Ambos, cada qual em sua época, procuravam cumprir o papel histórico que se propuseram: a construção e institucionalização do Estado como instrumento garantidor e fomentador das relações econômicas e progresso material, baseado no trabalho escravo e na supremacia dos proprietários de terra, grandes comerciantes e magistrados. No processo de construção da sua identidade política, ligada aos ideais do grupo liberal, a figura de D. Pedro I se prestou exemplarmente a servir como o outro que é combatido e demonizado, para realçar o essencial que precisava ser preservado. De grande líder da emancipação política do Brasil, aureolado de herói nacional, aos poucos D. Pedro foi se transformando no “tirano”, “duque de Bragança”, por sua intransigência em não compactuar com a elite brasileira representada no parlamento.

Foi o temor da restauração de D. Pedro ao trono uma das maiores forças da união para os liberais moderados entre 1831-1834. Nesta fase, a resistência à mera cogitação da possibilidade do retorno do ex-imperador se tornou obsessiva. A rejeição ao imperador era automática para grande parte da sociedade brasileira, o mal maior a ser evitado. Era uma forma de manter unida a nação diante das forças dispersivas, da contestação à ordem, e dos graves perigos que a ameaçavam. A rejeição e os estereótipos aplicados a D. Pedro I simbolizavam a resolução dos brasileiros em não infletir. Com a sua pessoa estava sepultado o seu esquema político de não abrir espaço ao exercício do poder pela elite brasileira. A longa transição política, vinda desde 1822, terminou com a abdicação, quando o exercício da política foi nacionalizado e os brasileiros se tornaram senhores dos destinos políticos do seu país. Estava em suas mãos a oportunidade de construir o arranjo interno da forma como sonharam. A rejeição ao ex-imperador, o temor da sua volta, a obsessão em barrar qualquer aceno nesse sentido, foram transferidos aos restauradores, ou caramurus. Foram vistos como inimigos da pátria, perigosos, sediciosos, a ser combatidos sem trégua. Foi o temor da sua força que ajudou na coesão do grupo moderado. Ser tachado de restaurador, ou caramuru, era o mesmo que inimigo da nação e dos autênticos brasileiros, como os moderados e seus seguidores então se consideravam. Os restauradores foram demonizados também. Era uma forma de construir a própria identidade: não-caramuru, portanto, autêntico patriota, a serviço da causa brasileira. Os jornais, os documentos das câmaras, estão repletos de palavras duras, ofensivas em relação aos que eram adeptos da volta de D. Pedro, ou simplesmente, um clichê aplicado aos adversários.


Contra as ações dos restauradores no Rio de Janeiro, pouco depois da abdicação de D. Pedro, num momento de grave crise política, os mineiros extravasaram seus sentimentos:


“Amigos sinceros da liberdade, não podem os abaixo-assinados observar sem a maior indignação que monstros incapazes de viver no meio dos brasileiros promovam a anarquia...” (Idem, p. 109)

 

A Câmara de Mariana se refere aos sediciosos de 1833, que tentaram derrubar o governo legal em Ouro Preto, aliado à Regência, assim:

 

“Ao flagelo da mais aviltante ignominiosa restauração, que nos bate à porta ... pelas ameaças dos facínoras cúmplices, ou cabeças da sedição de março (...) Essa câmara vos assegura toda a cooperação em tudo, quanto for de fazer guerra à Restauração e seus propugnadores (...) Ódio eterno à restauração; derramar o sangue se necessário for ... contra os inimigos do sempre memorável dia 7 de abril.” (Idem, pp. 246-247) 

A Câmara de Pouso Alegre tacha os sediciosos de “governo intruso e usurpador, organizado por loucos e sediciosos, desordeiros e entusiastas do absolutismo;” (Apud Queirós, 1933: 52-53) “atrabiliários, loucos, desordeiros, ambiciosos de mando, colaboradores da restauração do Duque de Bragança”. (Idem, p. 62)

Esses exemplos ilustram de que forma era possível construir a própria identidade com características positivas opondo-se ao inimigo caracterizado como destruidor, desordeiro, subserviente aos interesses não-nacionais.

Mas a construção da identidade patriótica não era apenas uma obra de destruição. Para completar o quadro era necessário erigir o pólo oposto, positivo, identificado como patriota, brasileiro, a quem todos serviam com gratidão e desinteresse, fautor dos mais caros objetivos da sociedade brasileira. Se o inimigo era o ex-imperador, o anelo dos brasileiros seria o seu filho, a quem a regência servia e com ela, todos os “bons brasileiros”, dispostos a dar o próprio sangue para garantir-lhe o trono. Pedro de Alcântara foi reconhecido e celebrado como o que nasceu no Brasil. Os moderados e, mais tarde, os regressistas, não se cansavam de alardear a fidelidade insofismável que os ligava ao futuro imperador. Mesmo quando estourou a rebelião liberal de 1842 em Minas, todas as lideranças fizeram questão de enfatizar que não era contra ele e sim contra o seu ministério. A pessoa do imperador era intocável. Ao menos ideologicamente, o vácuo aberto pela queda de Pedro I foi imediatamente preenchido por Pedro II, a quem os moderados e boa parte dos brasileiros juraram amor eterno (Idem, p. 53).

O quadro está completo: para a elite sul mineira, D. Pedro II faz um contraponto a seu pai e a seus seguidores. Esses são execráveis. Aquele indica o patriotismo, objeto do desvelo e da dedicação de quem não quer a desordem, a anarquia e se dá à nação: os liberais moderados e a “boa sociedade” que os segue e lhes garante base de apoio.

O ritual político de celebração de datas e fatos importantes, relacionados aos valores que formatam os ideais do grupo moderado, enraíza e fortalece os sentimentos e crenças que vão construindo a cultura política da sociedade sul mineira, ao mesmo tempo em que direciona as suas ações práticas para a realização dos objetivos, conscientes ou não, que caracterizam o grupo que chegou ao poder com a abdicação de D. Pedro, ao qual a sociedade sul mineira aderiu resolutamente. Este processo se completa com a sua oposição incisiva ao grupo dos liberais exaltados.

Os moderados representarão os exaltados de forma pejorativa. Serão tachados de anarquistas, incendiários, que colocam em risco a constituição, a estabilidade social, o Estado Nacional e a unidade do império, todos valores consensuais da elite brasileira. Por isso, serão considerados inimigos da liberdade, que para os moderados era inseparável da ordem. Evaristo da Veiga expressou bem esse ponto, ele que não se cansava de dizer que sem ordem não era possível gozar a liberdade: “Nada de jacobinismo de qualquer cor que ele seja. Nada de excessos. A linha está traçada: é a da Constituição.” (Aurora Fluminense, 1829: nº 13)

Os exaltados aparecem como inimigos da liberdade, principais responsáveis pelo “vulcão da anarquia” que punha em risco a sociedade, como dizia Feijó. Quando era regente único, na Fala do Trono de 1836, expressou a instabilidade que divisava, usando cores fortes e ao mesmo tempo expressando os valores que contrapunha os moderados aos exaltados, a quem prometia combater sem tréguas:



“... para sujeitá-los à obediência, não romper-se a integridade do Império ... A falta de respeito e obediência às autoridades, a impunidade excitam universal clamor em todo o império. É a gangrena, que atualmente ataca o corpo social ... O vulcão da anarquia ameaça devorar o Império.” (Fala do Trono, 1993: 173)



A visão negativa sobre os exaltados é expressa na sua própria denominação. Exaltado é o que não é moderado. Se o moderado buscava a paz social, a estabilidade das instituições, a manutenção das relações sociais, a integridade do império, o exaltado punha em risco todo esse projeto.

O quadro é bem completo: inimigos da liberdade, anarquistas, contra a ordem: monstros. Também se pode notar a força dessa imagem na transcrição que Alfredo Valladão faz da representação  que a Câmara da Vila de Campanha dirigiu ao Imperador e às Câmaras Legislativas, contra a agitação exaltada na Corte, no dia 15 de junho de 1831:



“... Esta câmara, Senhor, os habitantes de seu Município ... estão prontos a voar em socorro da Representação Nacional, do Governo e de todas as Autoridades constituídas, que se acharem coactas da Anarquia ... sustentadas como exige o bem da Nação Brasileira, cujos destinos felizes não hão de ser de certo entregues a um punhado de anarquistas, que insultam a lei, e tudo que há de mais sagrado sobre a terra.” (Apud Valladão, 1945: 84)



 As forças dominantes política, social e economicamente no Brasil e no sul de Minas não podiam comungar os objetivos dos exaltados. Eles punham em risco o consenso longamente acalentado pelas forças denominadas de moderadas, que se achavam possuidoras da racionalidade política, com um destino histórico a cumprir, qual seja, o de forjar a nação e o estado brasileiros, num momento tão crítico da vida nacional. As forças exaltadas apontavam para uma outra forma de organização política do espaço interno, que não transmitia segurança para as elites. Assim como os caramurus tiveram a sua imagem construída de forma negativa, os exaltados foram associados a valores destruidores das bases que os moderados vinham procurando firmar. Ao estereotipar de forma negativa os inimigos, os moderados construíram de forma positiva a própria imagem. Apareciam como os homens da ordem, nem por isso contrários à liberdade. Essa era a conseqüência daquela. Homens da constituição, do governo representativo e parlamentar, que assim se prestavam a realizar o destino que a história lhes colocara desde a independência e tornado premente pela abdicação. Só assim o futuro da nação estaria garantido, a prosperidade material assegurada, mesmo que ao preço da escravidão, uma instituição centenária que não podia ser tocada de uma hora para outra. Mas a civilização estaria garantida e com ela o futuro da pátria (Mattos, 1990: 281-283). E José Bento, certamente, não correria o risco de ter de colocar o Brasil entre os países que não haviam alçado à condição de livres politicamente, ao lado dos turcos, como fez no seu jornal, dividindo os países em livres e escravos em nível político. (O Pregoeiro Constitucional, 1830: nº 11)

As discussões:

Quando surgiu, o Pregoeiro Constitucional, sob a ótica do Liberalismo, se opôs a D. Pedro I de forma resoluta e agressiva. Suas matérias eram mais doutrinárias e filosóficas, com pouca preocupação em descrever fatos. Os textos eram extensos, faziam comparações entre governos tirânicos (Turquia) e os democráticos (Inglaterra), e exaltava a ideologia Liberal, na realidade, a grande bandeira de luta dos que se opunham ao imperador.
 Já o Opinião Campanhense e o Recopilador Mineiro pertenceram à fase regencial, quando D. Pedro I já havia renunciado ao poder. Na época, o interesse primordial era garantir a ordem política e social e o governo dos Liberais Moderados que passaram a dirigir o país. Nestes dois periódicos há mais relatos de acontecimentos. São menos filosóficos e doutrinários. Abrem-se a anúncios que no Pregoeiro Constitucional sequer existiam.
O mote principal são os fatos políticos. Afinal, os leitores estavam interessados em acompanhar o rumo da política no país, de longe, a maior preocupação.
Os acontecimentos do exterior também eram assuntos de interesse dos leitores. Os jornais reservavam um espaço para o noticiário internacional, sobretudo se relevante para a situação interna crítica. Tomar conhecimento do que se passava fora do país, principalmente na Europa, servia como norte para as lideranças políticas brasileiras.
Na edição do Recopilador Mineiro, datada de 22 de abril de 1835, um artigo trata da Santa Aliança (organização militar conservadora que reunia os países que haviam derrotado Napoleão Bonaparte):

“Os movimentos desta tenebrosa e admirável combinação de soberanos despóticos tantas vezes hão sido objecto de consideração nestes ultimos tempos que algumas palavras sobre sua formação original, e sobre a repulsa do nosso defunto Rei a tomar parte della, podem ser de alguma utilidade nesse critico momento. Quando a brilhante estrela de Napoleão desse arbitro dos reis, cessou de resplandecer, quando os imperadores da Áustria e Rússia e o rei da Prussia  se juntaram em Paris no ano de 1815, organizou-se esse projeto jesuitico.”

As notícias internacionais chegavam com muito atraso ao sul de Minas, cerca de três meses após o seu acontecimento. A imprensa não conseguia nem mesmo publicar notícias de uma outra província sem que isso levasse ao menos um mês.
O Pregoeiro Constitucional, de 20 de outubro de 1830, nº 13, fala sobre a revolução que explodiu em Paris no mês de julho. A carta vinda de Londres, com data de 31 de julho, fazia parte do suplemento do Diário Mercantil, “contendo as últimas interessantes notícias á cêrca do Estado Político da França”:

 “Londres 31 de Julho – Uma carta de Pariz de 28 recebida por um expresso diz o seguinte. Pariz está em uma completa revolução. Esta manhãa as armas Reaes forão arrancadaas do palácio, e queimadas na praça pública. A população correndo em desordem pelas ruas desarmava toda a tropa, que encontrava. Ao meio dia apparecerão alguns Guardas Nacionae (em uniforme) que havia sido extinctos há poucos anos, e algumas patrulhas dos mesmos rondavam em diversos bairros da Capital. E hora e meia, e agora secrevo ao extrondo da mosquetaria da Guarda Real, e fogo d’Artilharia, que se dirigem para a rua de S. Diniz. Dizem que esta praça foi declarada  em estado de sitio, e o comando das tropas confiado ao Duque de Raguse: feixou-se a praça do Commercio (Bourse)...”

As matérias do exterior publicadas também se pautavam em política em conflitos. O Recopilador Mineiro, de 19 de dezembro de 1833, nº 89, trazia uma transcrição do Jornal do Commercio que fazia análise sobre a invasão da Ilha das Malvinas pela Inglaterra, explicitando o apoio dos brasileiros aos argentinos:

“Invadidas as Ilhas Malvina pela Corveta de S. M.Britaneia (...) Entretanto a Regencia do Imperio  do Brazil, (...), tem sido um dos primeiros que de modo mais franco e nobre deu uma prova inequivoca de que olha para a Causa da America, como propria, e que em qualquer tempo se collocará á frente dos Estados Americanos para resistir ao poder Europêo. Estamos autorisados a publicar que a Regencia  do Brazil, sem outra iniciativa além de circular nosso Governo, ordenou seu Ministério Plenipotenciário em Londres o Cavallheiro Mello Mattos, coopere por todos os modos possiveis  a sustentar as reclamações do Ministro da Republica Argentina a respeito da usurpação das Malvinas por parte da Inglaterra”.

Outros comentários:

Além do dia-a-dia da política nacional e internacional, os jornais faziam comentários sobre o comportamento feminino. A chegada dos correios divertia seus leitores com anedotas. Os jornais até noticiavam o falecimento de seus desafetos.
Em 16 de outubro de 1830, na edição de nº 12 do Pregoeiro Constitucional, é noticiada a morte do presidente de Sergipe:

“Consta-nos que morreu o Presidente de Sergipe; muitas vezes a morte de um mau empregado, é origem de paz, e tranqüilidade!”

O Recopilador Mineiro de 9 de novembro de 1833 trazia ao fim de sua edição uma anedota:.
“Anedocta
Aconselhava-se a um velho que cazesse: elle respondeu, que não gostava de mulheres velhas: Disserão-lhe que tomasse uma moça: oh! Replicou elle, eu sou velho, e não posso supportar as velhas, como uma moça me ha-de supportar?”
Este era o cotidiano retratado pelos jornais. Os acontecimentos políticos eram esperados e lidos com interesse. A sociedade sul-mineira se desenvolvia e procurava se espelhar na Corte em sua maneira de ser, de vestir e viver.  Os homens liam e discutiam as notícias em rodas de amigos, enquanto as mulheres faziam suas visitas.

2 – FUNDADORES

2.1. - José Bento Leite Ferreira de Melo: Padre, político e jornalista:
O fundador do Pregoeiro Constitucional e do Recopilador Mineiro nasceu em Campanha em 6 de janeiro 1785. Em 1807, foi para São Paulo onde fez seus estudos teológicos e foi ordenado sacerdote em 1809. Em 1810, usando do prestígio que possuía com D. Mateus, bispo de São Paulo, conseguiu que se elevasse o povoado e arraial do Mandu, onde tomaria posse como reverendo em 1811, à freguesia. 
A partir de então, a vida religiosa de José Bento se confunde com sua vida política e jornalística, tornando-se um político com influência em âmbito nacional. José Bento viajava constantemente. Criava contatos, estabelecia vínculos políticos e amizades em Pouso Alegre, Campanha, Ouro Preto, Rio de Janeiro e São Paulo.
Foi vereador por mais de um período em Campanha. Em 1821, tornou-se membro do colégio eleitoral de Minas Gerais. Foi eleito para ocupar um lugar na primeira Junta Administrativa da província. Em 1826, foi eleito deputado à Assembléia Geral do Império, a primeira legislatura do Brasil. Deixando em segundo plano sua vocação sacerdotal, José Bento reelegeu-se em 1830 para segunda legislatura. Em 1834, finalmente, foi indicado e escolhido pela Regência para ocupar uma vaga no senado.  Ciente da posição que ocupava no cenário nacional, José Bento estabeleceu, em 1830, uma tipografia em Pouso Alegre, onde foram publicados os seus jornais. José Bento foi também o criador do partido Liberal em Pouso Alegre. Utilizando-se da imprensa, difundiu o ideário liberal na sua versão moderada, opôs-se ao autoritarismo de D. Pedro I, apoiou e integrou o grupo dos moderados que chegou ao poder em 1831, em sua luta para conter a grave crise social e política.
Participou ativamente da tentativa de golpe de estado em 1832. Na tipografia do O Pregoeiro Constitucional foi editada a Constituição de Pouso Alegre, que seria implantada se o golpe tivesse sido vitorioso.
Em 22 de março de 1833, José Bento foi vítima da Sedição Militar de Ouro Preto. Participava do Conselho do Governo Provincial. Foi preso ao lado do vice-presidente da província de Minas, deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos. Seu jornal, na época o Recopilador Mineiro, foi o veículo de informação, doutrinação e crítica  à quebra da legalidade pelos insurretos. A Sedição foi derrotada e os seus mentores, presos. São inúmeras as páginas do Recopilador sobre a revolta e a defesa da legalidade.
O senador também é lembrado no golpe da Maioridade. Em parceria com Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio, José Bento é considerado um dos principais mentores e executores do Golpe.
Sua projeção política o ligou a várias figuras importantes no cenário nacional. José Bento conheceu Evaristo da Veiga, proprietário da Aurora Fluminense. Tornou-se amigo íntimo do padre Feijó, ministro da justiça em 1831 e regente único em 1835. Defendeu com veemência as qualidades de Feijó. Os textos do Recopilador se referem ao regente como um homem sóbrio, honesto, trabalhador, enérgico, ligado à vida agrícola, qualidades tão idiossincráticas dos mineiros. Foi com o apoio maciço dos mineiros que se elegeu regente único em 1835.

2.2Os irmãos Veiga de Campanha:
Bernardo:
Era irmão de Evaristo da Veiga. Morava em Campanha, no sul de Minas. Criou o jornal Opinião Campanhense. Era auxiliado pelo irmão, Lourenço Xavier da Veiga.
Bernardo teve importante atuação política na região. Conquistou sucessivamente a cadeira de deputado da Assembléia Provincial, a de presidente de Minas em 1838 e 1842 e, finalmente, a cadeira de deputado da Assembléia Geral. Ao lado de José Bento, disseminou o ideário liberal no sul de Minas e trabalhou para dar sustentação social aos governos regenciais. 
A influência de Evaristo da Veiga era imensa. Evaristo se tornou uma das personalidades mais influentes do Brasil entre fim do Primeiro Reinado e a sua morte em 1837. Foi eleito deputado por três legislaturas consecutivas representando Minas Gerais.
Atuou no parlamento como deputado por Minas Gerais; na imprensa, através da Aurora Fluminense; e, finalmente, na Sociedade Defensora. Empenhado na defesa das liberdades constitucionais como condição de prosperidade para o Brasil, Evaristo criou um estilo e uma conduta de moderação que conciliava o apego à ordem e ao decoro com as reivindicações liberais.
Em 1827 apareceu o jornal A Aurora Fluminense. Em pouco tempo, Evaristo passou de colaborador a proprietário do jornal. E se empenhou na defesa dos ideais do liberalismo político. Em sua época, o jornalismo se caracterizava pela ausência de objetividade. Os autores tomavam partido de idéias, causas, grupos políticos e pessoas. A linguagem utilizada era marcada pela verborragia e ausência de moderação. O tom era incisivo e desafiador. Evaristo tentou criar um outro padrão de fazer jornal.
Seus editores almejavam uma “linguagem imparcial”, guiada pela “razão” e pela “virtude”, buscavam “clareza, moderação”. Inspirados pelo Aurora Fluminense, José Bento e Bernardo Jacintho fundaram a imprensa no sul de Minas. Semelhantes eram o padrão de linguagem utilizada e os objetivos que procuravam atingir.


3 - AS MÁQUINAS

As impressões do século XIX:
Atualmente, qualquer máquina de off-set imprime, em média, 20 mil páginas por hora. Porém, os recursos existentes em 1830 permitiam a impressão de apenas 200 folhas por dia. Essa era a realidade de tipografias como a do Pregoeiro Constitucional, que publicou inúmeros jornais além de outros documentos de igual importância, utilizando o Prelo como ferramenta de impressão.
Os jornais eram impressos em um sistema manual que exigia do operador habilidade e paciência para dispor os caracteres um a um na caixa de impressão; e força física para suportar o peso das enormes gavetas que guardavam os caracteres.

 Montando os jornais:
Quando um serviço era encomendado, o tipógrafo tinha de ter em mente as medidas de páginas, o tipo e corpo de . Definidas as medidas, era preciso encontrar as letras nos cavaletes, que eram uma espécie de gaveta onde os tipos ficavam guardados. Os tipos usados nas décadas de 20 e 30 do século XIX eram formados através da união e fundição de 75% de chumbo, 25% de ferro e 5% de antimônio.
Cada tamanho e tipo de letra ficavam reservados em uma gaveta. A gaveta continha repartições, ou quadrinhos de madeira, que eram ocupados pelas letras do alfabeto. Os tipos eram dispostos em locais específicos para facilitar o trabalho de impressão. Em cima e a esquerda da gaveta ficavam os tipos que representavam as letras maiúsculas. À direita, e também na parte superior, ficavam as letras seguidas pelos acentos e sinais de pontuação.
É por causa da disposição dos tipos nas gavetas que as letras maiúsculas são chamadas de Caixa Alta e as minúsculas de Caixa Baixa. No centro da bandeja que ficavam as vogais minúsculas, que eram as letras mais usadas. Logo após vinham as demais letras minúsculas. Por fim, os numerais ficavam na parte inferior da bandeja junto com os tipos que faziam o papel de espaço na hora da impressão.
O tamanho dos tipos variavam desde o corpo 6 até  96 cíceros, que era a unidade de medir usada pelos tipógrafos. Um cícero corresponde a quase ½ centímetro.

Ossos do ofício:
Para a formação das palavras, os tipos eram agrupados manualmente como peças de um quebra cabeça, e dispostos um a um, numa espécie de régua, chamada de componedor. Formadas as palavras, os tipos eram ajustados com o auxílio de um barbante amarrado dos lados para impedir que algum deles se soltasse.
Depois das palavras, era preciso montar as páginas. Os tipos reunidos iam sendo colocados na ordem em que formavam as frases dando origem às páginas que eram sobrepostas em chapas de aço chamadas de bolandeira ou rama. A bolandeira segurava os tipos todo enfileirado e na hora da impressão, a tinta era passada sobre os tipos que depois eram pressionados sobre uma folha em branco, ou papel jornal.
Só, então, estavam prontos os jornais. É importante ressaltar que todo o trabalho de unir os tipos era ainda mais complicado se se considerar que todos os tipos eram colocados de maneira invertida para que saíssem de forma correta na hora da impressão.

4 - PROJETO GRÁFICO E OUTROS ARRANJOS:

O Pregoeiro Constitucional tinha quatro páginas de texto na maioria de suas publicações, e era impresso em duas colunas, no formato de 20 cm x 30 cm in-folio. O Recopilador Mineiro também utilizou a mesma disposição tipográfica e dimensões.
A diagramação e formato do Opinião Campanhense é, aparentemente, a mesma utilizada pelo Pregoeiro Constitucional e pelo Recopilador Mineiro.
As normas da diagramação que buscavam a utilização racional e estética do espaço gráfico, em função de uma melhor comunicação, ainda não existiam. O que importava era o conteúdo do jornal, sua mensagem e seu texto.
Sem um padrão rígido a ser seguido, algumas edições traziam um número maior ou menor de páginas. As edições eram concluídas conforme fosse necessário um volume maior ou menor de páginas, porém em sua maioria, eram preenchidas quatro páginas de texto.
Outra característica desses jornais era a de não haver títulos que nomeassem as matérias. Os títulos eram substituídos por palavras que nomeavam as sessões dos jornais, como interior, correspondência, exterior, ofícios, anúncios.
Entre as colunas onde os textos ficavam dispostos só havia uma separação por espaços em branco. O fim dos textos era sinalizado com um traço horizontal no centro da coluna e um espaço em branco entre o fim deste texto e o início do próximo.
Na maioria das vezes não havia o nome das pessoas que escreviam os textos. Quando os artigos eram escritos pelos auxiliares ou pelo proprietário, o texto terminava assinado O Redactor. Nos textos transcritos de outros jornais vinha a especificação de qual veículo, seu número e data. Já nas correspondências, os artigos ou eram assinados pelo nome do autor ou por um pseudônimo.
O Recopilador inovou ao estabelecer linhas delimitando as colunas do jornal e traços do início ao fim da coluna que sinalizavam o fim dos textos. Tornou-se mais agradável sob o ponto de vista estético, e bem mais fácil de ser lido.

Pontos de venda:

Embora o meio principal de acesso aos jornais fosse por assinaturas, eles podiam ser comprados: no Rio de Janeiro, na loja de João Pedro da Veiga e C.; em Ouro Preto, na loja de Manoel Soares do Couto; em São João Del Rei, com Martiniano Severo de Barros e C.; na Vila de Campanha, com Bernardo Jacintho da Veiga; em São Paulo, aos cuidados de Joaquim Antônio Alves Alvim; em Guaratinguetá, na loja de Antonio Clemente dos Santos e, em Pouso Alegre.

A pauta:

A imprensa sul-mineira surgiu e se desenvolveu em meio aos tumultos políticos e sociais característicos do período. Nas décadas de 30 e 40 do século XIX, a política foi o assunto principal de todos os jornais, não só da região. Foi assim que o jornalismo se fez.  Os jornais tinham uma razão ideológica em sua essência. A política era a pauta, a informação, a notícia e o foco analítico.
Informação se confundia com doutrinação. As razões políticas dos proprietários eram a condição suficiente para a criação de um jornal. Os leitores sabiam qual o tipo de ideologia de cada veículo, o que defendia, que causa abraçava. Era um jornalismo feito por homens engajados politicamente.

Os anúncios, ofícios e correspondências:

Apesar de a política ser o alvo central dos periódicos do século XIX, os jornais impressos também reservavam parte de seu espaço para a prestação de serviços. Eram publicados editais da Câmara Municipal, suas principais decisões, seus ofícios e realizações de leilões.
Havia também anúncios. Geralmente eram notícias de escravos fugidos, mudanças de estabelecimentos, avisos ou horário de atendimento de pessoas públicas. Publicavam cartas de leitores com reclamações, reivindicações e sugestões, que, posteriormente, eram comentadas pelos redatores.
 Na edição de sábado do Pregoeiro Constitucional, de 11 de dezembro de 1830, nº 27, um autor que se intitulava O Impertinente, escreveu um artigo elogiando a condução do jornal, dando sugestões de matérias a serem abordadas:
“... Quando li os primeiros números do seu excellente periodico enchi-me de contentamentos, e concebi as mais lisongeiras esperanças a prol dos nossos Aldeões, não só por ser muito bem escrito, mas muito principalmente por serem utilíssimas as matérias, de que v.m prometteu tratar no prospecto, e disse commigo mesmo: agora sim é que saberemos melhor zelar nossos direitos, e respeitar os alheios; o Pregoeiro Constitucional escrito em Pouso Alegre espalhará em torno de nós salutares principios da bem entendida liberdade porque livre dos excessivos portes do correio girará por toda parte produsindo geral utilidade. Os sabios o apreciarão pela belleza de seus discurso, e boa escolha das materias; os liberaes por suas doutrinas, e pela energia com que são apresentadas; os rusticos pela legibilidade de seus caracteres; e todos em geral por ser mais um defensor de nossos sagrados direitos (...) Não quero que o Pregoeiro refira todos os actos do governo, pois não é folha official; quero porém que d’entre elles escolha alguns, que por sua celebridade mereção ser de todos conhecidos, taes são o decreto da demissão do marquez de Barbacena, (com sabias reflexões da Aurora) o da prorogação da sessão extraordinaria &c.)”
O redator do Pregoeiro Constitucional, além de publicar essa carta crítica ao jornal, que ocupou as duas colunas da primeira página do jornal, ainda respondeu a ela, agradecendo pela contribuição opinativa do tal Impertinente:

       “Resta-nos agora severar-lhe, que muito grata nos será a continuação de suas judiciosas advertencias, certo de que jámais nos pejaremos de confessarmos o erro, em que tivemos cahido.
                                                       O Redactor”      
                         
Em outra edição do Recopilador Mineiro há mais uma destas correspondências. Um leitor que assina como Seu constante leitor, pede ao redator que publique o seu texto que comenta uma matéria anterior sobre a inviabilidade de algumas medidas tomadas por um fiscal. As medidas diziam respeito à conservação de estradas e limpeza de casas e ruas. O leitor tem a sua carta publicada na edição de 5 de fevereiro de 1834, nº 101.
O número 85 do Recopilador Mineiro traz a correspondência de um assinante sobre seu descontentamento com o tratamento que os redatores deram a um texto da edição número 83. A carta, possivelmente, tenha sido publicada na íntegra:

“Lendo no seu número 83 respeito os donativos de um Sr. Fazendeiro, que muita promessa  para a despeza do atterrado do Servo, e depois, nem dinheiro, e nem serviço, que não tem nome, e para o Leitor advinhar. Srs Redactores é coiza que se nunca soube e nem saberei advinhar, e nem tão pouco sei donde há Mestre, que me ensine essa arte, por tanto é justo que os Srs. Redactores, não deixem os seus Leitores em confuzão, a ponto de fazer mil juízos temerarios sobre quem serà esse nobre Fazendeiro tão honrado, e tão boas palavras, e poucas obras. Quem pergunta, quer saber, e é do seu dever ensinar seus Leitores, e não mandá-los advinhar. Um seu assignante”
A participação desse leitor anônimo obrigou os redatores a se retratarem no próximo número. Era a demonstração de que os leitores estavam atentos ao que se publicava.  Não eram apáticos aos artigos.
Também é possível perceber que a publicação de anúncios demonstrava o tipo de comércio e relacionamento entre os moradores das cidades e vilas. Geralmente eram pessoas querendo vender seus préstimos e reclamar escravos. Alguns anúncios são curtos, outros são notas que ocupam praticamente meia coluna.
O Recopilador Mineiro, nº 85, publica um aviso da abertura de uma clínica médica nas redondezas:
“Existe um novo estabelecimento Médico Cirúrgico, e um Laboratório Químico e Farmacêutico, o qual oferece ao País vantajosos resultados, debaixo de qualquer ponto, que seja considerado. Ali os socorros Médicos e Cirúrgicos são atendidos por um Doutor em Medicina, da Faculdade de Londres, e Paris ...”
Ainda nesta mesma edição se encontram anúncios de um escravo fugido, com recompensa para quem encontrá-lo, e a venda de uma coleção das “Leis Novíssimas até 1831”, na própria tipografia onde se publica o jornal.

As :

Os primeiros jornais de Pouso Alegre e Campanha tinham suas principais ção dentro do próprio veículo. Os responsáveis pela elaboração dos jornais eram os políticos e personalidades que atuavam no contexto político nacional e da região.
Os jornais também aproveitavam as correspondências vindas da Cortes e até seus de leitores, que, ao escreverem seus artigos, comentavam a situação política do momento. Gonsallense foi um desses leitores que participaram como . Ele que pede para o redator do Pregoeiro Constitucional publicar em seu periódico a correspondência que elogia o jornalista João Batista Badaró (Líbero Badaró), assassinado em 20 de novembro daquele ano. E o pedido é atendido na edição de nº 22, de dezembro de 1830:

 “...a narração que lhe peço transcreva no seu Periódico (se julgar digna) não para glória do mártyr da liberdade do Brasil, o Doutor João Batista Badaró, porque são muitos os seus títulos, e entre estes o de ser assassinado pelo Japi-Assú, mas sim para desafogo de corações Mineiros; que só sabem incensar as aras da virtude, único  idolo que adorão, e para que o Brasil saiba as ultimas honras aqui feitas ao seu defensor de seus direitos ...”

Outros colaboradores dos jornais foram os periódicos de outras cidades e regiões do país. Constantemente eram encontradas nas páginas destes jornais notícias do Jornal do Commercio, Aurora Fluminense, Diário de Pernambuco, Correio Mercantil, dentre outros.

A linguagem:
Não era moderada. Era incisiva, apaixonada e parcial, muitas vezes, agressiva e não poupavam os desafetos dos insultos. Logo que D. Pedro I deixou o Brasil, Jose Bonifácio ficou como tutor do príncipe Pedro, futuro imperador. Bonifácio era tido como inimigo pelos Liberais Moderados, e a ele eram tecidos todos os tipos de adjetivos. O Recopilador Mineiro, nº 92, contesta a tutoria de Jose Bonifácio e escreve:

“Até quando a inocência puerícia de V.M.I. será deixada nas frias e paralisadas mãos de um velho estulto, decrépito, petulante e resinguento! Faltará meio de provar-se o que é notório, o que toda a Nação repete, as crianças cantam e os velhos mofam: que Jose Bonifácio d’Andrade e Silva precisa Tutor, e não pode mais sê-lo de V.M.I e de suas Augustas Irmãs? (…) Pode e deve qualquer Juiz de Órfãos, remover um Tutor, que mal administre os bens, e as pessoas de seus Pupillos.”

O mesmo texto que tece insultos a Bonifácio, mostra a força de Minas no cenário político do país, reforçando a imagem do jornal como um meio de contestação política e mobilização da sociedade:

“A Sociedade Defensora em Pouso Alegre, reunida em Assembléia Geral de seus sócios, não quer passar por arrogante. Ela denuncia a V.M.I que, vista a apatia do Governo Geral, vai usar das faculdades cívicas e promover o processo de incapacidade física e moral do Tutor Imperial. (…) Seja dito de uma vez, já não temos paciência: a sociedade acusará os Ministros, que podendo não curam seu dever. Não ameaçamos: falamos sem rebuço: já não e tempo de cortejar o crime: Acordai varões ilustres, que seraes o Trono, salvais o Império!”

As transcrições

Na época era comum os jornais transcreverem matérias uns dos outros, pois as ção eram os próprios jornais. Muitas matérias do Pregoeiro Constitucional, do Opinião Campanhense e do Recopilador Mineiro tinham origem nas transcrições de textos de outros periódicos. A Aurora Fluminense era um dos veículos prediletos para a reprodução de textos. Um exemplo é o trecho do Aurora que foi publicado na edição de 19 de fevereiro de 1834 pelo Recopilador Mineiro:

“Sem dúvida, o golpe mestre, dado pelo Governo no dia 15 de dezembro de 1833, precedido, como foi pela explosão de colera que desconcertou gravemente a função retrograda, fez-lhe deixar as suas mais bellas posições, e metteo o desalento nas fileiras da Restauração que parecia avançar triumphante, ganhando todos os dias algumas polegadas de terreno na importante Capital do Imperio.”

Peculiaridades

Apesar de a pauta principal ser a política, é possível encontrar outras discussões, como a pena-de-morte. O Pregoeiro Constitucional, número 13, de 20 de outubro de 1830, trata com indignação o assunto:
“Passou em fim na Câmara dos Senhores Deputados a pena de morte sendo vencida por 47 votos contra 21. É este um dos factos, de que não sabemos dar a razão, por isso antes d´elle nem mesmo o podíamos conceber como possível hoje que não se acredita n´esse absurdo escandaloso antigo principio_ de que  o Rei era o senhor de nossa cabeça. Em que direito se fundarão os Senhores Deputados para decretar a pena de morte? seria no Direito Natural? Não de certo, pois que este ignora semelhante pena (...) Seria no Direito Público? Muito menos, pois que sendo este um apêndice d´aquelle, não pode haver no primeiro uma disposição, cuja razão sufficiente n´este segundo. A pena de morte não tem caráter de pena, mas de barbaridade, e tyrania; a pena de morte  é a arma do terror, e o instrumento do despotismo; a pena de morte não suavisa os costumes; a pena de morte não previne os delictos; a pena de morte acanha e oprime a educação; a pena de morte não é popular; a pena de morte em fim não é remissível..... Desaventurada Innocencia!!! Ainda um dia podeis no Brasil morrer aos pés da ignorância, da perversidade, e do servilhismo, e lisonja vil!!!”A indignação do autor é tamanha, que fica visível na pontuação do texto e na agressividade das palavras.”

 

6 - O DESAPARECIMENTO DOS JORNAIS



Passados os anos de efervescência política, acalmados os ânimos e definido o perfil político e institucional do Brasil, tem fim a causa pela qual lutavam os jornais do sul de Minas. As edições semanais vão se distanciando até se encerrarem por completo. E, por quase duas décadas, nenhum jornal apareceu na região. O silêncio só foi quebrado a partir de 1854, quando surgiram em Campanha o jornal A Nova Província e, mais tardiamente, em Pouso Alegre, em 1873, o jornal O Mineiro.
O que aconteceu? Desapareceu o principal móvel que impulsionou o aparecimento dos jornais no Brasil nas décadas de 20 e 30 do século XIX. Num primeiro momento, a indisposição dos brasileiros com D. Pedro I e, posteriormente, na Regência, a luta para definir a organização do Estado Nacional e garantir a ordem social e política.
Enquanto o clima sócio-político foi propício, apareceram pessoas com recursos econômicos suficientes, com cultura e vontade de fazer jornal. José Bento, Bernardo Jacintho, Lourenço Xavier da Veiga, Pe. Quadros Aranha (auxiliar de José Bento) eram empreendedores o suficiente para produzi-los.
A partir da segunda metade da década de 30, porém, os misteres políticos destes homens ocupam-lhes quase todo o tempo. A vida política do senador José Bento o absorve. Em 1837, ele fica, praticamente, seis meses na Corte, em função de suas atividades. Seu auxiliar, Quadros Aranha, se torna vereador de Pouso Alegre e, posteriormente, deputado estadual e geral. Com Bernardo Jacintho da Veiga não é diferente. Em 1838, ele deixou Campanha para ocupar o cargo de presidente da província de Minas. Os fundadores da imprensa no sul de Minas já não dispõem de tempo para tocar seus jornais. Estão profundamente envolvidos com a vida política da região e do país. As suas atividades jornalísticas ficam relegadas a segundo plano.
A partir de 1840, a situação política começa a tomar outro rumo. As revoluções se tornam cada vez mais esparsas e as instituições e a legislação do país se definem. O Brasil se estabiliza. O problema político que instigou o nascimento da imprensa se dissipa.
Sem o clima político dos anos anteriores, e sem a disposição pessoal dos seus criadores, a imprensa desapareceu. Um clima de quietismo político deu a impressão de uma ressaca pelos tempos agitados dos anos anteriores. Foi necessário que uma nova conjuntura propiciasse o surgimento de novos veículos de comunicação não mais dependentes dos fatores políticos intensos e dramáticos, como os da fase final do Primeiro Reinado e do Período Regencial.
É só a partir da década de 50 e 60 do século XIX que estes fatores emergiram. As cidades haviam crescido um pouco mais. A vida econômica alcançou estabilidade e maturidade. Pessoas interessadas, com recursos financeiros e bagagem cultural, apareceram.   Era um novo momento e é nele que elas fizeram ressurgir o jornalismo, não mais sob o clima passional dos períodos anteriores, agora espectro de tempos passados, mas, sem dúvida, com a mesma paixão dos pioneiros.
O Pregoeiro Constitucional, o Recopilador Mineiro, o Opinião Campanhense são a expressão de um momento trágico de conflitos políticos e desavenças sociais agudas. Daí a sua postura exacerbada em relação aos adversários e à forma como analisavam os fatos. O seu discurso era parcial, feito a partir de uma perspectiva tomada como absoluta e, por isso mesmo, incapaz de perceber o outro como interlocutor portador de uma visão diferente sobre a forma de organizar o Estado-Nação e sua institucionalidade. Mais que qualquer outro fator, os homens que orbitaram em torno do consenso liberal moderado, quiseram definir a cidadania como um projeto de construção de uma ordem social e política nacionalista sem os exageros da visão dos grupos exaltados, e sem o conservadorismo dos restauradores.
Para este projeto todos os meios foram envidados. Desde a militância política no parlamento, assembléias e câmaras municipais, à participação em organizações civis e, sobretudo, à difusão e defesa de idéias e ações por meio de jornais. Por sua estreita ligação com a Corte, o sul de Minas não ficou de fora do processo. A ele se entregou com a fúria e a consciência de ser portador de uma missão: a construção da nacionalidade brasileira.
O conceito nacionalismo foi talvez o mais poderoso, o mais capaz de articular idéias e direcionar à ação os sujeitos que à época estavam no centro do palco. Palco que estava se definindo em todos os seus suportes, sejam políticos, institucionais, culturais ou lingüísticos. Daí a explicação para os radicalismos e do tom salvacionista tão visíveis na época.


8 – BIBLIOGRAFIA:

Livros:
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: Introdução ao estudo da cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UNB e Editora URRJ, 1996.

QUEIROZ, Amadeu de. A história de Pouso Alegre e sua imprensa. Pouso Alegre: [s.l.], reedição em maio de 1998.

REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas recordações. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1988.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa Nacional. 4.ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.

SOUZA, Octávio Tarquínio de. Evaristo da Veiga: História dos fundadores do império no Brasil. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1988.

VALLADÃO, Alfredo. Vultos nacionais. Rio de Janeiro: ed. José Olímpio, 1955.
_________. CAMPANHA DA PRINCEZA. Vol. III. São Paulo: Empresa Graphica da Revista dos Tribunais LTDA, 1942.

PASCOAL, Isaías. Economia agrária e poder político no sul de Minas: Formação de uma identidade política, construída na primeira metade do século XIX. (Dissertação apresentada no Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP)- abril de 2000.

Jornais:
Opinião campanhense, nº 1, de 7/04/1832; nº 39, de 29/12/1832.

Pregoeiro Constitucional, nº 1, de 7/04/1830; nº 10, de 9/10/1830; nº 11, de 13 /10/1830; nº 12, de 16/10/1830; nº 13, de 20/10/1830; nº 15, de 27/10/1830; nº 16, de 30/10/1830; nº 19, de 10/11/1830; nº 21, de 17/11/1830; 11/12/1830; nº 22, de 12/1830.

O Recopilador Mineiro, de 09/11/1833; nº 82, de 23/11/1833; nº 85, de 12/1833; nº 87, de 11/12/1833; nº 89, de 19/12/1833; nº 91, de 28/12/1833; nº 92, de 01/01/1834; nº 101, 05/02/1834; nº 105, de 19/02/1834; nº109, de 05/03/1834; nº 219, de 11/04/1835; nº 220, de 15/04/1835; nº 222, de 22/04/1835; nº223, de 25/04/1835; nº 224, de 29/04/1835;  nº 232, de 27/05/1835; nº 233; de 30/05/1835; nº 235, de 06/06/1835.