Biografia revela lado amargo do criador de Snoopy
Luciano Trigo - G1 - 10/01/2016
Na próxima quinta-feira estreia nos cinemas o longa-metragem de animação de animação “Snoopy & Charlie Brown” com direção de Steve Martino. Não sei se os personagens de Charles M.Schulz terão para as crianças e adolescentes de hoje a importância que tiveram no passado. Para várias gerações, as tirinhas de Peanuts traduziram nas entrelinhas o sentimento de deslocamento e melancolia que acompanha o processo da descoberta do mundo: espero que esse subtexto não se perca na estética excessivamente fofinha presente no trailer do filme. A graça de Charlie Brown e Snoopy (que já foram conhecidos no Brasil como Minduim e Xereta) está na expressão de emoções adultas: desilusão, ansiedade e frustração.
Aproveitando o gancho do lançamento do filme, chega finalmente ao Brasil a controversa biografia de Charles M.Schulz, “Schulz e Peanuts: A biografia do criador do Snoopy”, de David Michaelis (Seoman, 592 pgs. R$ 55). Lançado em 2007 nos Estados Unidos, o livro faz um inventário das mágoas e ressentimentos que marcaram a vida de Schulz – e que transparecem nos seus quadrinhos, criados no começo da década de 50. No seu apogeu, a tirinha era lida diariamente por 300 milhões de pessoas em 75 países e 21 idiomas. Michaelis se baseou em anos de pesquisa e entrevistas exclusivas com parentes e amigos de Schulz, além de ter tido acesso aos arquivos do cartunista, encontrando cartas pessoais e desenhos até então desconhecidos.
Capa da biografia de Charles M.Schulz, “Schulz e Peanuts: A biografia do criador do Snoopy”, de David Michaelis (Seoman, 592 pgs. R$ 55). Michaelis retrata Schulz como um homem amargo, solitário e infeliz e apresenta as tirinhas de Peanuts como uma espécie de autobiografia mal disfarçada. Como Charlie Brown, ele foi rejeitado por uma garota ruiva de verdade, na juventude. Outros personagens, como Linus e Schroeder, eram basicamente projeções de uma vida emocional conturbada. Outros, ainda, foram inspirados em pessoas do convívio cotidiano de Schulz: Patty Pimenta, por exemplo, foi inspirada na sua prima Patricia, que se comportava como um garoto e gostava de jogar bola.
Leia aqui o primeiro capítulo de “Schulz e Peanuts”
Lucy, por sua vez, representava as mulheres de sua vida, mandonas, controladoras e repressivas, começando pela sua mãe e por sua primeira esposa, Joyce. Não por acaso, Schulz foi um dos primeiros artistas gráficos a introduzir temas psicológicos nos quadrinhos, com Lucy e seu quiosque de plantão psiquiátrico: a ideia nasceu quando Joyce o aconselhou a fazer terapia para cuidar de sua ansiedade. Nessa época ele vivia irritadiço, deprimido e sujeito a ataques de pânico: “Eu tenho um sentimento horrível de desgraça iminente”, declarou numa entrevista.
Criado em um bairro operário de Mineápolis, Schulz era filho do dono de uma barbearia e de uma dona de casa descendente de imigrantes noruegueses, que Michaelis descreve como sendo fria, distante, cínica e insolente. Crescendo em um ambiente sufocante e extremamente religioso, onde a leitura de livros era vista como algo estranho, ele desde cedo teve problemas de autoestima, reforçados pelo fato de ser franzino, pouco dotado para os esportes e patologicamente inseguro. O que o salvou foi um curso por correspondência da Art Instruction Inc. Foi lá que começou a trabalhar, como professor de arte, depois de lutar na Segunda Guerra. Quando finalmente começou a sair com garotas, levava para ela uma Bíblia de presente.
Como marido e pai de quatro filhos, Schultz, afirma Michaelis, foi desatento e indiferente, sempre absorvido em si mesmo e alimentando secretamente grandes ambições – e buscando evasão para suas frustrações na vida surreal e fantasiosa de Snoopy. Curiosamente, quando o primeiro casamento acabou, ele se tornou um “flertador” compulsivo, hábito que continuou mesmo após se casar pela segunda vez, com Jeannie, 16 anos mais jovem.
Schulz desenhou e publicou as tirinhas de Peanuts por mais de 50 anos, até se aposentar em dezembro de 1999, por questões de saúde. Morreu dois meses depois, aos 77 anos. Sua vida, de certa forma, repetiu um roteiro americano bem conhecido: a do gênio incompreendido e solitário que luta pelo reconhecimento e consegue alcançar a fama, para descobrir no fim das contas que ela não o faz feliz.
Aproveitando o gancho do lançamento do filme, chega finalmente ao Brasil a controversa biografia de Charles M.Schulz, “Schulz e Peanuts: A biografia do criador do Snoopy”, de David Michaelis (Seoman, 592 pgs. R$ 55). Lançado em 2007 nos Estados Unidos, o livro faz um inventário das mágoas e ressentimentos que marcaram a vida de Schulz – e que transparecem nos seus quadrinhos, criados no começo da década de 50. No seu apogeu, a tirinha era lida diariamente por 300 milhões de pessoas em 75 países e 21 idiomas. Michaelis se baseou em anos de pesquisa e entrevistas exclusivas com parentes e amigos de Schulz, além de ter tido acesso aos arquivos do cartunista, encontrando cartas pessoais e desenhos até então desconhecidos.
Capa da biografia de Charles M.Schulz, “Schulz e Peanuts: A biografia do criador do Snoopy”, de David Michaelis (Seoman, 592 pgs. R$ 55). Michaelis retrata Schulz como um homem amargo, solitário e infeliz e apresenta as tirinhas de Peanuts como uma espécie de autobiografia mal disfarçada. Como Charlie Brown, ele foi rejeitado por uma garota ruiva de verdade, na juventude. Outros personagens, como Linus e Schroeder, eram basicamente projeções de uma vida emocional conturbada. Outros, ainda, foram inspirados em pessoas do convívio cotidiano de Schulz: Patty Pimenta, por exemplo, foi inspirada na sua prima Patricia, que se comportava como um garoto e gostava de jogar bola.
Leia aqui o primeiro capítulo de “Schulz e Peanuts”
Lucy, por sua vez, representava as mulheres de sua vida, mandonas, controladoras e repressivas, começando pela sua mãe e por sua primeira esposa, Joyce. Não por acaso, Schulz foi um dos primeiros artistas gráficos a introduzir temas psicológicos nos quadrinhos, com Lucy e seu quiosque de plantão psiquiátrico: a ideia nasceu quando Joyce o aconselhou a fazer terapia para cuidar de sua ansiedade. Nessa época ele vivia irritadiço, deprimido e sujeito a ataques de pânico: “Eu tenho um sentimento horrível de desgraça iminente”, declarou numa entrevista.
Criado em um bairro operário de Mineápolis, Schulz era filho do dono de uma barbearia e de uma dona de casa descendente de imigrantes noruegueses, que Michaelis descreve como sendo fria, distante, cínica e insolente. Crescendo em um ambiente sufocante e extremamente religioso, onde a leitura de livros era vista como algo estranho, ele desde cedo teve problemas de autoestima, reforçados pelo fato de ser franzino, pouco dotado para os esportes e patologicamente inseguro. O que o salvou foi um curso por correspondência da Art Instruction Inc. Foi lá que começou a trabalhar, como professor de arte, depois de lutar na Segunda Guerra. Quando finalmente começou a sair com garotas, levava para ela uma Bíblia de presente.
Como marido e pai de quatro filhos, Schultz, afirma Michaelis, foi desatento e indiferente, sempre absorvido em si mesmo e alimentando secretamente grandes ambições – e buscando evasão para suas frustrações na vida surreal e fantasiosa de Snoopy. Curiosamente, quando o primeiro casamento acabou, ele se tornou um “flertador” compulsivo, hábito que continuou mesmo após se casar pela segunda vez, com Jeannie, 16 anos mais jovem.
Schulz desenhou e publicou as tirinhas de Peanuts por mais de 50 anos, até se aposentar em dezembro de 1999, por questões de saúde. Morreu dois meses depois, aos 77 anos. Sua vida, de certa forma, repetiu um roteiro americano bem conhecido: a do gênio incompreendido e solitário que luta pelo reconhecimento e consegue alcançar a fama, para descobrir no fim das contas que ela não o faz feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário