O Tempo
Os deuses instilaram ansiedade no primeiro homem que descobriu como distinguir as horas. Produziram, também, ansiedade naquele que neste lugar construiu um relógio de sol, para cortar e picar meus dias tão desgraçadamente em pedacinhos!
Titus Maccius Plautus (254-184 AC)
Titus Maccius Plautus (254-184 AC)
O ano chega ao fim e pensamos: afinal, o que é o tempo?
O senso comum divide o tempo em passado, presente e futuro, associa a realidade ao presente, o passado ao que não mais existe e o futuro ao que está por vir. Nessa perspectiva nossa consciência avança, transformando eventos futuros em realidade concreta, porém fugaz, do presente, e então relega-os ao passado.
A física moderna se opõe a essa visão, sendo famosa a explicação de Einstein: “O passado, o presente e o futuro são apenas ilusões, ainda que tenazes.” A maioria dos físicos coloca a questão de forma menos incisiva explicando que o fluxo do tempo é irreal, mas o tempo em si mesmo é tão real quanto o espaço. E a discussão quanto ao tempo e o fluxo do tempo permanece para os físicos envolta em mistério, não sabendo a que atribuir a impressão vigorosa e universal de que o mundo se encontra num estado de fluxo contínuo. A explicação para essa ilusão é buscada na biologia, na psicologia, na cultura, na filosofia.
O tempo é um fato da vida percebido por todos os organismos de todas as eras. Há flores que se abrem à noite, outras ao meio dia, os gansos voam em direção ao equador no outono.
No corpo humano, os relógios biológicos estão sempre acusando os segundos, minutos, dias e anos. Governam movimentos de fração de segundos, explicam os traumas da mudança de fuso horário, as ondas mensais de hormônios que levam à menstruação e os eventuais acessos de melancolia no inverno.
Os relógios biológicos sazonais fazem com que a maioria dos animais passem por ciclos sazonais dramáticos com migrações, hibernação, acasalamento e troca de pele em determinadas épocas do ano. É a natureza mostrando-nos que para tudo há um tempo.
Além do tempo biológico, a ciência estuda o “tempo mental” que diz respeito a como experimentamos a passagem do tempo e a organizamos cronologicamente. As horas têm invariavelmente a mesma duração, mas as felizes são mentalmente percebidas como rápidas e as não tão felizes ou tediosas são de passagem lenta. Os especialistas em neurociência não sabem explicar como o tempo mental se relaciona com o relógio biológico do tempo corporal. Não sabem também se o tempo mental depende de algum registro temporal ainda desconhecido, ou se a nossa percepção de duração e seqüência dos eventos se baseia principalmente, ou exclusivamente, no processamento de informações. Se esta for a alternativa verdadeira, o tempo mental deve ser determinado pela atenção dispensada aos eventos e às emoções que sentimos quando eles ocorrerem. Outro mistério sobre o tempo é a maneira como nosso cérebro associa um evento a determinado momento específico no tempo e situa esse evento em ordem cronológica.
Mas, desde que o homem exerce um domínio maior sobre o meio ambiente alterando as condições de vida, não são mais os relógios biológicos nossos principais senhores. A maioria das culturas tem relógios externos e calendários, antigas invenções egípcias e babilônicas que datam de mais de 5 mil anos, aperfeiçoadas com o progresso tecnológico, que unificam a maior parte dos habitantes do planeta com o mesmo ritmo geral de tempo. Isso não significa que o tempo corra da mesma forma para todos, que nos faz ver que existe uma concepção social de tempo.
Robert V. Levine, psicólogo social, autor do livro Geografia do Tempo, diz que estudar o tempo é uma janela para uma cultura, através da qual ficamos sabendo o que as culturas valorizam e no que acreditam, formando uma idéia bem clara do que é importante para as pessoas. Ele avaliou o ritmo de vida em 31 países e diz que os organizou usando três tipos de medida: a velocidade com que as pessoas andam nas calçadas urbanas, a velocidade com que os funcionários dos correios atendem um pedido de selo postal e a precisão dos relógios públicos. Com base nessas variáveis concluiu que os países com ritmo de vida mais acelerado são: Suíça, Irlanda, Alemanha, Japão e Itália; os cinco mais lentos são: Síria, El Salvador, Brasil, Indonésia e México.
Outro estudo interessante é do antropólogo Kevin K. Birth, no livro Qualquer hora é hora em Trinidad; Significados Sociais e Consciência Temporal. Analisando o tempo para quem tem poder e para quem não o tem, ele procurou entender como os habitantes de Trinidad o valorizam investigando o quanto associam tempo a dinheiro. Verificou que no meio rural – onde o tempo é assinalado pelos eventos naturais – as pessoas, apesar de familiarizadas com a cultura ocidental pela TV, não atribuíam significado a frases como estas: tempo é dinheiro; fazer um orçamento do tempo ou administrar o tempo. Porém, os trabalhadores assalariados da mesma área compreendiam a associação, levando-o a concluir que o trabalho assalariado alterou a visão do tempo pelas sociedades.
Nas culturas islâmicas há um forte culto ao passado e no Islã, o tempo é visto como um tapete que incorpora o passado, o presente e o futuro, romantizando uma determinada visão do passado que desejam reproduzir.
A filosofia se debruça sobre o tema há séculos. Para Kant, o tempo e o espaço são formas de sensibilidade, que existem em nossa consciência antes de qualquer experiência, sendo qualidade inata dos seres humanos. O que vemos depende de nossa história pessoal, mas todos vemos ou percebemos o mundo como algo no tempo e no espaço. Ele entendia que tempo e espaço pertencem à condição humana: são atributos da nossa consciência, e não do mundo físico.
Santo Agostinho dizia: “O tempo não tem dimensão; quando vamos capturá-lo, dissipa-se. Não vale refugiar-se na idéia de que o tempo é agora, o que agora mesmo passa, o que agora mesmo estou vivendo. Pois como vimos, não há justamente esse agora. Não há presente, já não há passado; ainda não há futuro; portanto não há tempo. Mas essas dificuldades acerca do tempo dissipam-se, ou atenuam-se, quando em vez de nos empenharmos em fazer do tempo algo ‘externo’, que pode estar ‘aí’ como estão as coisas, o radicamos na alma: a alma e não os corpos, é a verdadeira medida do tempo. O futuro é o que se espera; o passado o que se recorda, o presente é aquilo a que se está atento; futuro, passado e presente apresentam-se como espera, memória e atenção.”
Kardec alinhou o pensamento espírita a essa corrente filosófica ao definir: “que o tempo não é senão uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias.”
A compreensão do fluxo temporal como um fenômeno do espírito explica inúmeras situações para as quais a ciência busca a chave do mistério. O fenômeno da fixação mental e as perturbações e alienações decorrentes, tanto entre encarnados como em desencarnados, torna-se compreensível pela análise de nossa relação com o tempo, como o conceituamos, como lidamos com ele nas suas diversas manifestações. A depressão e a ansiedade são as mais conhecidas formas de distúrbios na relação com o tempo: aquela centrada no passado doloroso; esta, o sofrimento e a agonia da incerteza do futuro.
Aproveitar a experiência é o que conta para o ser imortal que somos. Em 2003 lembremos o jargão latino: O tempo passa, aproveite o dia (tempus fugiti, carpe diem).
O senso comum divide o tempo em passado, presente e futuro, associa a realidade ao presente, o passado ao que não mais existe e o futuro ao que está por vir. Nessa perspectiva nossa consciência avança, transformando eventos futuros em realidade concreta, porém fugaz, do presente, e então relega-os ao passado.
A física moderna se opõe a essa visão, sendo famosa a explicação de Einstein: “O passado, o presente e o futuro são apenas ilusões, ainda que tenazes.” A maioria dos físicos coloca a questão de forma menos incisiva explicando que o fluxo do tempo é irreal, mas o tempo em si mesmo é tão real quanto o espaço. E a discussão quanto ao tempo e o fluxo do tempo permanece para os físicos envolta em mistério, não sabendo a que atribuir a impressão vigorosa e universal de que o mundo se encontra num estado de fluxo contínuo. A explicação para essa ilusão é buscada na biologia, na psicologia, na cultura, na filosofia.
O tempo é um fato da vida percebido por todos os organismos de todas as eras. Há flores que se abrem à noite, outras ao meio dia, os gansos voam em direção ao equador no outono.
No corpo humano, os relógios biológicos estão sempre acusando os segundos, minutos, dias e anos. Governam movimentos de fração de segundos, explicam os traumas da mudança de fuso horário, as ondas mensais de hormônios que levam à menstruação e os eventuais acessos de melancolia no inverno.
Os relógios biológicos sazonais fazem com que a maioria dos animais passem por ciclos sazonais dramáticos com migrações, hibernação, acasalamento e troca de pele em determinadas épocas do ano. É a natureza mostrando-nos que para tudo há um tempo.
Além do tempo biológico, a ciência estuda o “tempo mental” que diz respeito a como experimentamos a passagem do tempo e a organizamos cronologicamente. As horas têm invariavelmente a mesma duração, mas as felizes são mentalmente percebidas como rápidas e as não tão felizes ou tediosas são de passagem lenta. Os especialistas em neurociência não sabem explicar como o tempo mental se relaciona com o relógio biológico do tempo corporal. Não sabem também se o tempo mental depende de algum registro temporal ainda desconhecido, ou se a nossa percepção de duração e seqüência dos eventos se baseia principalmente, ou exclusivamente, no processamento de informações. Se esta for a alternativa verdadeira, o tempo mental deve ser determinado pela atenção dispensada aos eventos e às emoções que sentimos quando eles ocorrerem. Outro mistério sobre o tempo é a maneira como nosso cérebro associa um evento a determinado momento específico no tempo e situa esse evento em ordem cronológica.
Mas, desde que o homem exerce um domínio maior sobre o meio ambiente alterando as condições de vida, não são mais os relógios biológicos nossos principais senhores. A maioria das culturas tem relógios externos e calendários, antigas invenções egípcias e babilônicas que datam de mais de 5 mil anos, aperfeiçoadas com o progresso tecnológico, que unificam a maior parte dos habitantes do planeta com o mesmo ritmo geral de tempo. Isso não significa que o tempo corra da mesma forma para todos, que nos faz ver que existe uma concepção social de tempo.
Robert V. Levine, psicólogo social, autor do livro Geografia do Tempo, diz que estudar o tempo é uma janela para uma cultura, através da qual ficamos sabendo o que as culturas valorizam e no que acreditam, formando uma idéia bem clara do que é importante para as pessoas. Ele avaliou o ritmo de vida em 31 países e diz que os organizou usando três tipos de medida: a velocidade com que as pessoas andam nas calçadas urbanas, a velocidade com que os funcionários dos correios atendem um pedido de selo postal e a precisão dos relógios públicos. Com base nessas variáveis concluiu que os países com ritmo de vida mais acelerado são: Suíça, Irlanda, Alemanha, Japão e Itália; os cinco mais lentos são: Síria, El Salvador, Brasil, Indonésia e México.
Outro estudo interessante é do antropólogo Kevin K. Birth, no livro Qualquer hora é hora em Trinidad; Significados Sociais e Consciência Temporal. Analisando o tempo para quem tem poder e para quem não o tem, ele procurou entender como os habitantes de Trinidad o valorizam investigando o quanto associam tempo a dinheiro. Verificou que no meio rural – onde o tempo é assinalado pelos eventos naturais – as pessoas, apesar de familiarizadas com a cultura ocidental pela TV, não atribuíam significado a frases como estas: tempo é dinheiro; fazer um orçamento do tempo ou administrar o tempo. Porém, os trabalhadores assalariados da mesma área compreendiam a associação, levando-o a concluir que o trabalho assalariado alterou a visão do tempo pelas sociedades.
Nas culturas islâmicas há um forte culto ao passado e no Islã, o tempo é visto como um tapete que incorpora o passado, o presente e o futuro, romantizando uma determinada visão do passado que desejam reproduzir.
A filosofia se debruça sobre o tema há séculos. Para Kant, o tempo e o espaço são formas de sensibilidade, que existem em nossa consciência antes de qualquer experiência, sendo qualidade inata dos seres humanos. O que vemos depende de nossa história pessoal, mas todos vemos ou percebemos o mundo como algo no tempo e no espaço. Ele entendia que tempo e espaço pertencem à condição humana: são atributos da nossa consciência, e não do mundo físico.
Santo Agostinho dizia: “O tempo não tem dimensão; quando vamos capturá-lo, dissipa-se. Não vale refugiar-se na idéia de que o tempo é agora, o que agora mesmo passa, o que agora mesmo estou vivendo. Pois como vimos, não há justamente esse agora. Não há presente, já não há passado; ainda não há futuro; portanto não há tempo. Mas essas dificuldades acerca do tempo dissipam-se, ou atenuam-se, quando em vez de nos empenharmos em fazer do tempo algo ‘externo’, que pode estar ‘aí’ como estão as coisas, o radicamos na alma: a alma e não os corpos, é a verdadeira medida do tempo. O futuro é o que se espera; o passado o que se recorda, o presente é aquilo a que se está atento; futuro, passado e presente apresentam-se como espera, memória e atenção.”
Kardec alinhou o pensamento espírita a essa corrente filosófica ao definir: “que o tempo não é senão uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias.”
A compreensão do fluxo temporal como um fenômeno do espírito explica inúmeras situações para as quais a ciência busca a chave do mistério. O fenômeno da fixação mental e as perturbações e alienações decorrentes, tanto entre encarnados como em desencarnados, torna-se compreensível pela análise de nossa relação com o tempo, como o conceituamos, como lidamos com ele nas suas diversas manifestações. A depressão e a ansiedade são as mais conhecidas formas de distúrbios na relação com o tempo: aquela centrada no passado doloroso; esta, o sofrimento e a agonia da incerteza do futuro.
Aproveitar a experiência é o que conta para o ser imortal que somos. Em 2003 lembremos o jargão latino: O tempo passa, aproveite o dia (tempus fugiti, carpe diem).
Ana Cristina Vargas - Delfos
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