A história de quem conta os contos
Lucas Meloni - O Diário de Mogi - 07/02/2016
Das páginas dos livros surgem histórias que prendem a atenção de crianças de diversas idades. Pode ser num parque, centro cultural, biblioteca ou aeroporto, o lugar não importa. O que interessa é o espírito e a vontade de contar boas histórias. A tarefa não é simples como imaginam e requer amplo conhecimento em histórias, noção de teatro e até mesmo um pouco de psicologia para entender a vontade dos pequenos. Em Mogi das Cruzes, alguns deles pararam alguns minutos de suas vidas para nos contar as suas próprias histórias, detalhes das carreiras e planos para o futuro. Já que a vida é feita de enredos, aqui deixaremos que eles nos digam alguns.
Boas histórias sempre têm espaço, resume Sueli
Dentro da biblioteca da Escola Estadual Professora Maria Rodrigues Gonçalves, no Jardim Rodeio, em Mogi das Cruzes, começou, há nove anos, a carreira de contadora da professora aposentada Sueli Cânfora, 58. A vontade de mergulhar nos livros e tentar passar às crianças as histórias neles escritas surgiu após uma licença médica por problemas de saúde. “Eu não quis me afastar da escola porque aquilo era a minha vida. Decidi, então, partir para a contação. Me encontrei nisso”, comentou a docente que, por 27 anos, deu aula de Língua Portuguesa. No final da semana passada ela apresentou o seu projeto de conclusão da pós-graduação em contação de história e teatro infantil, na Capital.
A vida dela tem um pouco de superação. De família humilde de São Paulo, Sueli conta que precisou superar as adversidades financeiras e as palavras negativas impostas pela mãe. “Cresci dentro do estigma de que era inferior às outras pessoas. Superei a timidez e a ‘incapacidade’ que me impunham”, disse.
Para ela, boas histórias sempre têm espaço. E, às vezes, espaço de destaque. Ela foi a primeira contadora na história do Centro Cultural de Mogi das Cruzes, entregue no segundo semestre do ano passado. Para ela não há lugar próprio para contação, ela pode ocorrer na praça, num espaço de cultura ou no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, onde Sueli já deixou um pouquinho de sua narrativa.
Walter Aguiar adapta fatos da vida à narrativa infantil
De boa prosa, Walter Aguiar, de 74 anos, quis há cinco contar histórias. A paixão pelas letras e pela escrita é bem anterior a isso, já que formou-se professor de Língua Portuguesa em sua juventude. A vontade de partir para a contação se deu durante aulas de literatura. Aguiar trabalhava com os seus alunos o ato de declamar poesias. Para atrair a atenção deles, muitos pequenos, decidiu começar a contar histórias. A ideia deu certo.
“Deu tão certo na escola em que estava (Escola Municipal Professor Mário Portes, em Jundiapeba) que cheguei, posteriormente, a contar histórias a mais de 250 crianças. Elas são curiosas, se prendem aos fatos, mas você precisa saber contar, saber contextualizar para que os pequenos entendam. É preciso também saber dizer o que interessa a eles em suas respectivas faixas etárias”, afirmou.
A última escola em que Aguiar lecionou foi a Washington Luís, um dos colégios mais tradicionais da Cidade. Ele conta que além da bagagem, muitas situações ele adapta da vida.
“Muito do que eu conto eu adapto do que vivi com os meus filhos no passado, como fatos engraçados. Me perguntam como consigo guardar tanta coisa, eu respondo que é simples: eu vivi parte delas. Quando se tem coisas assim, vivenciadas, fica mais fácil adaptar e usar como forma de entretenimento. É preciso dizer que contar histórias vale a pena”, destacou o professor aposentado.
Idalina usa itens como um secador para atrair atenção
Há 10 anos, Idalina Nepomuceno, 49, vive de contar histórias. Pedagoga e professora, ela passou boa parte da vida na sala de aula e sentiu vontade de embarcar no universo das contações. A função, reconhece, requer atenção e trabalho planejado para poder estimular o lado lúdico das crianças, porém, segundo ela, a satisfação faz tudo valer a pena.
Na visão de Idalina, tudo pode se transformar em fantoche e ser parte das histórias. Secador de cabelo, garrafa de água ou um guarda-chuva. A imaginação é que norteia o enredo. Ela também quis seguir um caminho bem específico na contação de histórias. “Acho que a temática ambiental precisava ser mais bem representada. Decidi, então, falar sobre a preservação de ruas, sobre a importância de não jogar lixo no chão e de não maltratar animais. Os pequenos entendem bem”, afirmou.
A professora diz que as histórias não precisam ser apenas para as crianças. “É restringir demais algo que pode ser mais amplo. Quem disse que a contação é apenas para as crianças? Os adultos também podem se encantar com as histórias, ficarem presos a elas. O poder de entretenimento vai além da idade, por isso, além dos itens para ilustração, o conteúdo deve ser muito bem contextualizado. A história é pensada para encantar, para tocar quem ouve. Se a pessoa for adulta ou criança e estiver aberta a isso, a missão estará cumprida”, concluiu.
“Era uma vez” ocorre em 3 locais
A Biblioteca Municipal de Mogi das Cruzes já formou turmas de contadores num passado não tão distante. Os últimos concluíram em meados de 2007. A Secretaria Municipal de Cultura informou que não há previsão de formação de oficinas do gênero neste ano no espaço, transferido para o Centro Cultural de Mogi das Cruzes.
“No entanto, a Secretaria continua trabalhando nesta atividade por meio do projeto Era Uma Vez, que agora acontece no prédio do Centro Cultural de Mogi das Cruzes, na Biblioteca Municipal Benedicto Sérvulo de Sant´Anna e também na Sala Multiuso Wilma Ramos. Sessões de contação de história também estiveram presentes na programação do Festival de Verão Mogi das Cruzes 2016 e em outros grandes eventos da agenda cultural do município e são um dos grandes motes da programação infantil da Secretaria”, trouxe nota.
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