Escrever bem é dedicação
Paulo Tedesco
As facilidades da modernidade, como a rapidez na digitação e revisão em computadores, criaram a esparrela de que para ser um escritor de sucesso não é preciso, necessariamente, ser um bom leitor e nem se dedicar muito ao ofício.
Vejamos, por exemplo, Os miseráveis, de Victor Hugo. Um livro de linguagem direta, mas de uma proposta estrutural ousada a narrar sua história do início do século XIX. Na edição recente da Cosac Naify, tamanho quase bolso, são dois calhamaços de folhas, num total de mais de três mil páginas divididas em dois livros, que são vendidos dentro de uma caixinha.
Como ler tudo isso e ainda deter-se em pontos curiosos e de impressionante beleza literária? Para não falar na questão puramente histórica que a obra, como representante de seu tempo, trata com muita atenção? Como, depois da leitura, retornar a contrapelo e extrair o sumo que Victor Hugo nos proporciona?
Dostoiévski, um dos maiores clássicos da literatura mundial, assim como outros, se embasbacou com Os miseráveis, e a obra até hoje não saiu das televisões e seus modernos seriados. Logo, ler Os miseráveis é um exercício, sobretudo, de carinho e dedicação, de envolvimento com a grandiosidade do humano traduzido em arte.
Chega, então, o que nos traz a este artigo: o que o autor que se propõe a escrever e publicar – mesmo que uma simples compilação de dados e endereços comentada, ou até um livro com meia dúzia de páginas e uma frase em cada – deveria fazer? Sentar-se ao computador e em poucos dias, talvez horas, tirar um livro pronto? Depois sair a bradar que precisa ser lido e que ninguém o lê porque são todos analfabetos e desprezam a boa literatura?
Ernest Hemingway, Moacyr Scliar, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros, eram também jornalistas, e escreviam para jornais respirando as redações e máquinas de datilografia, porém estes grandes viviam e usufruíam diariamente da escrita e se viam obrigados ao estudo e envolvimento crescente com sua matéria de arte: a palavra.
Pois, se essa foi a fórmula do século passado para termos bons escritores, qual a melhor fórmula para hoje? As redações de jornais e revistas, infelizmente, não precisam mais de escritores, não dos bons. E as atividades modernas nos exigem cada vez mais intelectualmente, inclusive de forma remota.
Se quiseres ser escritor, para além do autor, deves, principalmente, ser um grande leitor que não somente possa ler muito, mas possa também discernir com clareza o que lê. E para tudo, não há caminho outro do que a dedicação extrema que ao fim torna-se paixão e quase obsessão, pois a consciência de que sempre pode ser melhor perseguirá o verdadeiro escritor até o último de seus dias. E isso é muito bom.
(Publishnews - 16/02/2016)
*
Paulo Tedesco é escritor de ficção, cronista e ensaísta, e atua como professor e desenvolvedor de cursos em produção editorial e consultoria em projetos editoriais, também como orientador em projetos de inovação em diferentes setores. Trabalhou nos EUA, onde viveu por cinco anos, nas áreas de comunicação impressa, indústria gráfica e propaganda. É autor dos livros Quem tem medo do Tio Sam? (Fumprocultura de Caxias do Sul, 2004); Contos da mais-valia & outras taxas (Dublinense, 2010) e Livros: um guia para autores (Buqui, 2015). Desenvolve e ministra os cursos de Instrução para Produção de Livros na PUCRS, O Livro Passo a Passo e Processos Editoriais, ambos no StudioClio Arte e Humanismo e no Metamorfose Cursos.
Vejamos, por exemplo, Os miseráveis, de Victor Hugo. Um livro de linguagem direta, mas de uma proposta estrutural ousada a narrar sua história do início do século XIX. Na edição recente da Cosac Naify, tamanho quase bolso, são dois calhamaços de folhas, num total de mais de três mil páginas divididas em dois livros, que são vendidos dentro de uma caixinha.
Como ler tudo isso e ainda deter-se em pontos curiosos e de impressionante beleza literária? Para não falar na questão puramente histórica que a obra, como representante de seu tempo, trata com muita atenção? Como, depois da leitura, retornar a contrapelo e extrair o sumo que Victor Hugo nos proporciona?
Dostoiévski, um dos maiores clássicos da literatura mundial, assim como outros, se embasbacou com Os miseráveis, e a obra até hoje não saiu das televisões e seus modernos seriados. Logo, ler Os miseráveis é um exercício, sobretudo, de carinho e dedicação, de envolvimento com a grandiosidade do humano traduzido em arte.
Chega, então, o que nos traz a este artigo: o que o autor que se propõe a escrever e publicar – mesmo que uma simples compilação de dados e endereços comentada, ou até um livro com meia dúzia de páginas e uma frase em cada – deveria fazer? Sentar-se ao computador e em poucos dias, talvez horas, tirar um livro pronto? Depois sair a bradar que precisa ser lido e que ninguém o lê porque são todos analfabetos e desprezam a boa literatura?
Ernest Hemingway, Moacyr Scliar, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros, eram também jornalistas, e escreviam para jornais respirando as redações e máquinas de datilografia, porém estes grandes viviam e usufruíam diariamente da escrita e se viam obrigados ao estudo e envolvimento crescente com sua matéria de arte: a palavra.
Pois, se essa foi a fórmula do século passado para termos bons escritores, qual a melhor fórmula para hoje? As redações de jornais e revistas, infelizmente, não precisam mais de escritores, não dos bons. E as atividades modernas nos exigem cada vez mais intelectualmente, inclusive de forma remota.
Se quiseres ser escritor, para além do autor, deves, principalmente, ser um grande leitor que não somente possa ler muito, mas possa também discernir com clareza o que lê. E para tudo, não há caminho outro do que a dedicação extrema que ao fim torna-se paixão e quase obsessão, pois a consciência de que sempre pode ser melhor perseguirá o verdadeiro escritor até o último de seus dias. E isso é muito bom.
(Publishnews - 16/02/2016)
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Paulo Tedesco é escritor de ficção, cronista e ensaísta, e atua como professor e desenvolvedor de cursos em produção editorial e consultoria em projetos editoriais, também como orientador em projetos de inovação em diferentes setores. Trabalhou nos EUA, onde viveu por cinco anos, nas áreas de comunicação impressa, indústria gráfica e propaganda. É autor dos livros Quem tem medo do Tio Sam? (Fumprocultura de Caxias do Sul, 2004); Contos da mais-valia & outras taxas (Dublinense, 2010) e Livros: um guia para autores (Buqui, 2015). Desenvolve e ministra os cursos de Instrução para Produção de Livros na PUCRS, O Livro Passo a Passo e Processos Editoriais, ambos no StudioClio Arte e Humanismo e no Metamorfose Cursos.
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