Márcia Kupstas: É uma falácia dizer que o jovem não lê!
Blog do Galeno
Ao completar, em 2016, 30 anos de uma bem sucedida carreira, a escritora Márcia Kupstas se prepara para um ano bastante intenso. A FTD e a Ática, que publicam sua vasta obra, programaram um ano repleto de atividades, com lançamentos especiais e viagens promocionais. Com vários de seus livros - como Crescer é Perigoso, O Primeiro Beijo e É Preciso Lutar!, entre outros - com mais de 300.000 exemplares vendidos e muitos premiados, ela tem muitos motivos para celebrar. "Acredito que é uma falácia dizer ‘o jovem não lê’. Os jovens leem mais do que os adultos supõem, esta é a verdade. Era assim e é assim."
Uma questão inevitável quando se completa 30 anos de uma bem-sucedida carreira como autora de livros infantis e juvenis: porque escrever para crianças e adolescentes?
Hoje acredito que era o meu destino. O desejo de ser escritora vem desde a infância; meu pai contava que eu, aos 5 anos de idade e sem saber escrever, sentava em seu colo e lhe ditava um história. Coitado dele se escrevia algo diferente! Eu lembrava exatamente o que queria contar e reagia com indignação! Dizia pra qualquer um que ia ser escritora “quando crescesse”. Essa vontade prosseguiu vida afora e, quando publiquei meu primeiro livro, CRESCER É PERIGOSO, foi numa editora voltada para o mercado didático e paradidático. Nem sabia que havia uma distinção entre literatura “séria”, digamos assim e “para a escola”. Na época, contudo, a história agradou muitas escolas mais ‘avançadas’ que adotaram CRESCER É PERIGOSO em sala de aula. E o Gustavo fez a cabeça de gerações! O meu “japonesinho” tímido escrevia um diário pra desabafar, registrando palavrões e questionando seus azares adolescentes. O sucesso foi estrondoso, as reimpressões se sucederam, o livro ganhou o Prêmio Revelação Mercedes-Benz de Literatura Juvenil em 1988; por esta ocasião a apresentadora Angélica, que fazia 15 anos, disse em entrevista que CRESCER É PERIGOSO era seu livro de cabeceira. Todo este agito me levou a questionar muita coisa. Afinal, o que havia em comum entre uma garota da TV, loira, linda, famosa e o meu sansei CDF, ansioso e solitário? A resposta talvez seja que todos nos sentimos estranhos na adolescência. E pra compreender as particularidades da alma jovem escrevi histórias que os mostraram em busca de si mesmos. Este virou meu desafio e se tornou meu rumo profissional, em livros como O PRIMEIRO BEIJO, É PRECISO LUTAR, 9 COISAS E-MAIL QUE EU ODEIO EM VOCÊ, REVOLUÇÃO EM MIM, EU TE GOSTO/ VOCÊ ME GOSTA, GUERREIROS DA VIDA, ELES NÃO SÃO ANJOS COMO EU... Também coordenei coleções de sucesso, como SETE FACES, TRÊS POR TRÊS e assim passaram os meus primeiros 30 anos de carreira. Quem sabe nos próximos 30 eu descubra a resposta definitiva a respeito de quem somos e o que pensamos na adolescência?
Os jovens leitores de hoje estão lendo mais ou menos em relação àqueles de três décadas atrás, que, agora, são os pais e tios deles?
Acredito que é uma falácia dizer ‘o jovem não lê’. Os jovens leem mais do que os adultos supõem, esta é a verdade. Era assim e é assim; porém nem sempre aquilo que pais, professores, educadores etc. gostariam que lessem. Quando publiquei meus primeiros livros também colaborava na revista CAPRICHO, na época voltada para adolescentes. Muitos professores se indignavam quando viam meu nome assinando texto de ficção em revista e muitos outros adotaram livros cujos contos eram os mesmos que saíram antes nas bancas, mas “aprovavam” aqueles textos, porque estavam em livro e “o livro é coisa séria”. Acho de um elitismo estranho e quase preconceituoso discriminar os meios de comunicação. Nunca pensei assim, boas histórias merecem ser contadas em qualquer veículo. O jovem de hoje lê blogs, escreve em WhatsUp, curte o que acontece na web, tem muito mais acesso à palavra escrita do que antes da popularização das redes sociais.
Por sua presença em feiras de livros, escolas e livrarias e o retorno dos seus leitores, você diria que, hoje em dia, há mais ou menos crianças e adolescentes lendo livros de literatura?
Acredito que é uma falácia dizer ‘o jovem não lê’. Os jovens leem mais do que os adultos supõem, esta é a verdade. Era assim e é assim; porém nem sempre aquilo que pais, professores, educadores etc. gostariam que lessem. Quando publiquei meus primeiros livros também colaborava na revista CAPRICHO, na época voltada para adolescentes. Muitos professores se indignavam quando viam meu nome assinando texto de ficção em revista e muitos outros adotaram livros cujos contos eram os mesmos que saíram antes nas bancas, mas “aprovavam” aqueles textos, porque estavam em livro e “o livro é coisa séria”. Acho de um elitismo estranho e quase preconceituoso discriminar os meios de comunicação. Nunca pensei assim, boas histórias merecem ser contadas em qualquer veículo. O jovem de hoje lê blogs, escreve em WhatsUp, curte o que acontece na web, tem muito mais acesso à palavra escrita do que antes da popularização das redes sociais.
Por sua presença em feiras de livros, escolas e livrarias e o retorno dos seus leitores, você diria que, hoje em dia, há mais ou menos crianças e adolescentes lendo livros de literatura?
Agora, juntando as questões, se o jovem hoje lê muito mais na web, nem sempre é ficção e menos ainda livro. Percebemos que o objeto livro está morrendo. O que não significa JAMAIS que boas histórias vão morrer. O ser humano precisa de histórias e seus contadores são fundamentais na elaboração artística das emoções humanas. E daí se no futuro, em vez de virar as páginas de um livro um jovem leitor clicar na tela e acompanhar, por exemplo, com paixão ansiosa, as desventuras de amor de Romeu e Julieta? Não é a impressão em papel que torna as histórias de Shakespeare universais; é sua capacidade de registrar as nuances de miséria e glória do ser humano que nos cativaram há 500 anos, nos dias atuais ou nos próximos séculos. É a genialidade do autor que nos toca a alma.
Estudos e mesmo as autoridades reconhecem que a escola vem cumprindo, bem ou mal, seu papel de dar mais acesso aos livros e à leitura, mas não consegue formar leitores que, quando estiverem fora de lá, continuem a gostar de ler. Onde está, na sua opinião, o nó da questão?
Estudos e mesmo as autoridades reconhecem que a escola vem cumprindo, bem ou mal, seu papel de dar mais acesso aos livros e à leitura, mas não consegue formar leitores que, quando estiverem fora de lá, continuem a gostar de ler. Onde está, na sua opinião, o nó da questão?
Acho que as famigeradas “listas de vestibular” fizeram um desserviço na continuidade da expansão do hábito de leitura por estas 3 décadas. Vi muito acontecer isto, bons leitores até a 8ª série que se perderam no Ensino Médio com a leitura meticulosa e exaustiva de autores e livros de época que, se são formadores da Literatura nacional, poderiam ser analisados de maneira menos chata... Mas como tornar este estudo palatável merece muito mais espaço e análise do que tenho aqui, fica só este registro. Outro fator é que a sociedade brasileira como um todo nunca viu o livro como objeto de lazer e/ou prazer. Então pais que não têm hábito de leitura acham que “livro é coisa de escola” e não incentivam os filhos a seguir lendo por gosto, dando livros de presente ou sugerindo que os filhos organizem clubes de troca de literatura de ficção, por exemplo. Quando este jovem tem poder aquisitivo e se libertou do “ensino obrigatório”, já é adulto e muitas vezes assoberbado de trabalho; não lê mais. Porém já vivenciei casos de “o bom filho à casa torna”. Adultos que, depois de profissionais formados, descobrem a biblioteca da empresa, compram livros na Internet ou me enviam e-mail porque souberam que um sobrinho ou filho vai ler um livro da minha autoria que já o seduziu na juventude. Gente que retorna, saudosa, à literatura de ficção e até me pede sugestões de títulos, redescobrindo o prazer de ler.
Além de escrever bons livros, como os escritores podem se engajar e fazer a sua parte para ajudar a fomentar a leitura país afora, uma vez que a maior parte da população com habilidade leitora já não está mais na sala de aula?
Além de escrever bons livros, como os escritores podem se engajar e fazer a sua parte para ajudar a fomentar a leitura país afora, uma vez que a maior parte da população com habilidade leitora já não está mais na sala de aula?
O maior serviço que um escritor pode fazer pela literatura é ESCREVER BONS LIVROS. Escritor não é político, não é divulgador cultural, não é funcionário público. Como cidadão, pode (se quiser) se engajar em quaisquer projetos ou campanhas, como artista da palavra tem a obrigação de ser competente na sua carreira e escrever uma obra significativa para o leitor. O que deve fomentar a leitura não é o escritor, é o LIVRO e este sim deve chegar ao leitor de maneira fácil, acessível, muito além das fronteiras da escola. Por que não colocar livros como itens da cesta básica? Entre o pacote de feijão, arroz, macarrão, pimba!, um livro. Duvido que as famílias não abrissem suas páginas e algumas pessoas até gostariam bastante do “produto”. É preciso que as bibliotecas públicas recebam mais verbas, que as fábricas e clubes tenham incentivo para abrir espaços de leitura para funcionários e sócios, que se diminua a taxa de impostos de editoras ou livrarias, que mais empresas coloquem o livro como produto para venda direta. O sucesso de venda de livros por uma empresa como a Avon, por exemplo, não me deixa mentir. No sul do país existe há décadas uma indústria de venda de livros de porta em porta (ou de porteira em porteira), nas regiões rurais, em que as famílias compram caixas com títulos variados, alguma obra de divulgação científica, biografia, dicas de culinária ou beleza, histórias infantis, romances de aventura ou amor, etc., agradando a pai, mãe, filhos... Tenho vários livros participando deste tipo de comércio e vejo como ele é promissor, todo ano assino novo acordo para inserção de títulos meus nos “pacotes”. O fomento da leitura passa essencialmente na possibilidade do livro chegar às mãos do maior número de brasileiros. As pessoas não podem dizer se gostam ou não de ler se não têm acesso ao produto-livro, seja em papel ou digital.É igual nadar: só se aprender a nadar, nadando; só se ganha autonomia na leitura, lendo.
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