O desafio de formar leitores
Denise Guilherme Viotto - Carta Educação - 24/05/2016Na semana passada saiu o resultado da 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro. Os dados divulgados abrem espaço para muitas reflexões – seja porque nos reconhecemos nas respostas e comportamentos ali expostos, seja porque somos cúmplices de alguns cenários ali apresentados. Cenários já muito familiares a todos aqueles comprometidos com o desafio de formar leitores em nosso país.
Segundo os critérios da pesquisa, 44% da população brasileira não é leitora. E dentre as principais razões apresentadas para a ausência da prática da leitura de livros estão a falta de tempo e paciência, o cansaço, a dificuldade e o não gostar de ler.
Todos sabemos que a leitura, assim como a culinária, a dança, a costura e a natação, por exemplo, é uma habilidade. Como tal, precisa ser adquirida, treinada, aperfeiçoada e refletida para que seja praticada com autonomia e desenvoltura. É possível que, para esse número considerável de brasileiros, a falta de interesse por essa habilidade possa ser explicada pela dificuldade que possuem em praticá-la de modo satisfatório.
Bons leitores, assim como bons cozinheiros, dançarinos, costureiros e nadadores, sentem prazer em realizar suas atividades porque possuem competência para fazê-las.
Geralmente, quando perguntamos a alguém se gosta de cozinhar, dançar, costurar, ou nadar, a resposta é sempre positiva quando o sujeito sabe-se competente para praticar essas habilidades. O gosto costuma derivar do reconhecimento da própria capacidade de realizar algo de modo satisfatório.
E como é possível torna-se capaz de fazer algo que não se conhece?
Primeiro, é preciso que o indivíduo adquira algumas competências básicas que, no caso da leitura, passam necessariamente pelo processo de conquista de uma alfabetização plena – tarefa que deveria ser cumprida pelas instituições educativas, garantindo a todos o direito à educação.
Um indivíduo plenamente alfabetizado é também um leitor competente que compreende e interpreta textos em diferentes situações, estabelecendo relações entre suas partes, comparando e analisando informações, distinguindo fato de opinião, sendo capaz de fazer inferências e sínteses. Só é possível adquirir todas essas competências tendo acesso à palavra escrita e a experiências diversificadas, nas quais as práticas sociais da língua estejam em jogo. Ou seja, pertencendo a um ambiente letrado. E a construção desse ambiente pode ter o seu início muito antes do ingresso à escola.
Segundo a pesquisa mencionada no início desse texto, mães, pais e parentes foram citados como responsáveis por incentivar o gosto pela leitura por cerca de 27% dos entrevistados. São eles, também, um dos principais influenciadores para escolha e compra de livros. Isso demonstra a importância e a responsabilidade da família para despertar o interesse e a valorização do objeto livro, incluindo momentos para a leitura na rotina, dedicando tempo para visitar bibliotecas e livrarias, investindo parte do orçamento na construção de um acervo próprio, comentando e compartilhando as obras lidas, enfim, construindo – dentro de casa – uma comunidade de leitores.
Mas, todos sabemos que, em um país onde mais de 80 milhões de pessoas se declaram não leitoras, apostar todas as fichas para a mudança desse quadro apenas na família pode resultar em poucos e lentos avanços. Pais, mães e demais parentes podem e devem aproximar as crianças da leitura desde cedo, mas para isso é preciso que o livro esteja acessível. Daí a importância dos diferentes equipamentos culturais, especialmente das bibliotecas públicas e privadas, das boas livrarias com acervos diversificados e atualizados e, principalmente, de medidas que garantam o direito à leitura como política pública de Estado e não de governos.
Saber ler e fazer parte de uma comunidade onde a leitura está presente nos mais diferentes suportes é fundamental, mas essas duas condições só se efetivam na prática quando há acesso a livros e outros bens culturais de qualidade. E acesso, aqui, precisa ser entendido como muito mais do que proximidade com os objetos, mas como a criação de condições para que se possa extrair o máximo desse contato. Daí a importância da mediação feita por leitores mais experientes, que sejam capazes de despertar o desejo pela leitura, construindo oportunidades para que se possa praticar essa habilidade nos diferentes espaços – públicos e privados – com competência, segurança e autonomia.
Por fim, é preciso entender que a não familiaridade com a leitura representa uma falta. Falta de oportunidade de contato com a linguagem escrita, com o diálogo com o diferente, com a fantasia, com o conhecimento, com outros mundos e possibilidades. E talvez esse seja o maior desafio que todos nós brasileiros precisamos enfrentar: o de despertar o desejo pela cultura, pela experiência estética, pela transcendência, pela imaginação como algo indispensável à uma vida plena e um direito pelo qual vale a pena lutar. Sempre.
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