Wendel viu na educação uma maneira de mudar de vida
Gabriela Martins - Araraquara.com - 28/02/2016Quanto a educação pode modificar uma vida? No caso de Wendel Mataruco de Araújo, o estudo fez com que ele saísse do Centro de Ressocialização (CR) Masculino de Araraquara com destino à sala de aula do curso de Engenharia Civil.
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Preso pela primeira vez aos 20 anos, pelo crime de tráfico de drogas, Wendel buscou nos livros um recomeço e hoje, aos 37 anos, e prestes a ganhar a liberdade, o reeducando entrará pela primeira vez em uma faculdade.
Com notas altas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Wendel foi aprovado em 6º lugar no curso de Direito e 11º em Engenharia Civil, e conseguiu bolsa integral pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni). “Eu sei que fiz muita coisa errada por pura imaturidade. Mas foi vendo minha mãe chorar e o sofrimento da minha família que optei por me afastar da criminalidade e me aproximar dos estudos, ainda dentro da cadeia. Agora só quero que minha mãe e minha noiva se orgulhem do Wendel engenheiro”, ressalta.
Nascido em Ribeirão Preto, Wendel viveu em um dos bairros mais violentos da cidade, onde acabou se envolvendo com a criminalidade. “Eu tive problemas na infância com meu pai, que era alcoólatra, e fui cuidado pela minha mãe. Meus amigos da rua eram envolvidos com o crime. Fui imaturo e também acabei me envolvendo, até ser preso por tráfico de drogas aos 20 anos”, explica.
Pela segunda vez - Três anos depois o jovem acabou voltando para as ruas, as mesmas que o levaram para a cadeia, e retornou ao crime. Em São Paulo, decidiu roubar um carro para conseguir dinheiro. Porém, durante a fuga, ele acabou atropelando dois policiais civis. “Passados seis meses acabei sendo acusado de latrocínio em Minas Gerais, crime que negarei até o fim da minha vida, e fui condenado a 25 anos de prisão. Foi vendo minha mãe chorar que me arrependi de tudo que tinha feito e decidi ficar longe daquele ‘poço sem fundo’. Então comecei a estudar de madrugada para não me envolver com as conversas dos presos que estavam comigo na penitenciária”.
Wendel cumpriu oito anos de sua pena e nesse período prestou três vezes o Enem. “Eu fiz o Ensino Fundamental enquanto estava preso em Serra Azul, onde me incentivaram muito a estudar. Eu mal sabia ler e escrever. Como tinha tempo na cadeia, comecei a pegar gosto pela leitura. Uma coisa foi puxando a outra. Hoje sou autodidata e recebi o certificado do Ensino Médio pelo Enem, devido à minha pontuação”.
Ainda neste mês ganhará a liberdade e a chance de ter um diploma. “Eu sei que vou enfrentar muito preconceito, pois as pessoas acreditam que uma vez errado, sempre errado. Eu vou provar o contrário, vou ser o melhor aluno, e dar muito orgulho para minha mãe e minha noiva quando for um engenheiro formado”, finaliza Wendel que, mesmo em liberdade, continuará se apresentando ao juiz a cada 30 dias.
Reeducação - Para Valdete Gomes Ribeiro, uma das agentes responsáveis pela educação no CR, incentivar a leitura onde ocorre a ressocialização é algo primordial. “A educação muda trajetórias, muda caminhos. Você precisa se esforçar muito, mas ela mostra muitas boas possibilidades. Nós acreditamos na ressocialização e por isso nos esforçamos, educando e ensinando novos trabalhos, voltando recuperado para a sociedade”, destaca.
O CR Masculino de Araraquara conta hoje com alfabetização, Ensino Fundamental e Médio, além de dois cursos profissionalizantes.
Internos visitam o Senai Araraquara - É também em busca da recuperação de jovens por meio da educação que a unidade da semiliberdade de Araraquara levou sete de seus internos para conhecer o Senai na semana passada, visando as bolsas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que serão abertas em março.
“Essa é uma maneira de eles garantirem espaço no mercado de trabalho. Hoje, mais de 70% dos 14 adolescentes estão detidos por tráfico de drogas. Muitos desses se envolveram com o crime por sobrevivência. O objetivo aqui é mostrar que com o estudo eles não precisarão depender do tráfico”, conta o diretor da unidade, Benjamim Campos.
E foi por conta do consumismo que Henrique (nome fictício), de 17 anos, acabou se envolvendo com o tráfico e foi encaminhado para a Fundação Casa. “Eu chegava na escola e sempre via os meninos da minha sala com roupas ou tênis bons. Minha família não tinha condições de me dar nada daquilo, então decidi traficar para ter dinheiro e comprar aquilo que tinha vontade. Mas depois de entrar aqui, minha vontade é de fazer diferente. Fiquei com muita vontade de fazer o curso de torneiro mecânico”, conta.
Também foi por tráfico que Marcos (nome fictício), 17, foi apreendido. “Eu nunca tinha entrado aqui e me interessei pelo curso de marceneiro. Daqui cinco meses estou livre e quero estudar e trabalhar. Não entrei no mundo do crime por opção, quero um futuro melhor para mim”, destaca.
Os adolescentes da semiliberdade estudam e participam de programas esportivos e culturais fora da unidade, monitorados por agentes. “Eles saem sozinhos para ter uma autonomia, mas estão sempre sendo monitorados. Aqui, o que estamos fazendo é mostrar um novo caminho que pode ser trilhado por eles”, ressalta o agente de apoio socioeducativo, Reginaldo Camassuti.
Análise
A educação que transforma
A notícia de que jovens presos ou submetidos a medidas socioeducativas de restrição de liberdade conseguiram sucesso em seus estudos renova as esperanças e a certeza de que o futuro da humanidade reside na igualdade real de oportunidades para todos, diferente do que vemos hoje.
Nós, humanos, somos capazes dos feitos mais incríveis. Somos dotados de talentos, de inteligência, de capacidades que nos diferenciam de qualquer outro ser vivo do planeta. O que determina nosso sucesso não é somente nossa capacidade individual, mas a oportunidade de desenvolvê-la. Por conta das diferenças econômicas, poucos têm acesso aos mecanismos que permitem que nossos talentos se desenvolvam, e é este o ponto que devemos cuidar.
A vitória destes jovens é a prova de que quanto menos prisão e mais oportunidades oferecermos aos jovens - mas de verdade, não da boca para fora - maiores são as chances de os afastarmos da violência, de os incluirmos na sociedade. O que estes jovens nos mostraram é que, presentes as condições, todos, inclusive os envolvidos pela criminalidade, possuem condições de crescer. Este é nosso desafio: permitir aos jovens desenvolver seus talentos e capacidades. Mãos à obra!
Em um mundo onde a educação é um privilégio, ter acesso a ela de forma séria, ela pode mudar a vida de um jovem para sempre.
Moacir de Freitas Junior
Sociólogo
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