domingo, 28 de agosto de 2016

SABER SOFRER.

SABER SOFRER




“Porque melhor é que padeçais fazendo o bem (se a vontade de Deus assim o quer) do que fazendo o mal.” – Pedro (I Pedro, 3:17.)

Saber Sofrer
Clara Lila Gonzalez de Araújo
claralilaez@gmail.com


Em sua primeira epístola, o apóstolo Pedro ensina que devemos aceitar as provações e ir ao encontro do sentido verdadeiro do pensamento de Jesus sobre as dores terrenas. As provações não são nada diante das bênçãos que conquistamos, ao vencermos com coragem e abnegação as provas que amealhamos, seguros de que a Terra é apenas um repositório de experiências necessárias para a evolução do Espírito.
Nossa passagem pela vida corporal é extremamente importante para que possamos cumprir os desígnios de Deus, por meio de ações materiais que nos auxiliam no desenvolvimento da inteligência e da moral. No entanto, em todos os atos que realizamos, precisamos considerar que não pertencemos a este mundo e que, algum dia, retornaremos à verdadeira pátria espiritual.

Certas pessoas, que não conhecem os princípios básicos do Espiritismo, não conseguiriam entender ou aceitar os objetivos abençoados que nos movem na busca de melhoria espiritual. Porém, falar do sofrimento como instrumento providencial para edificação e amadurecimento moral do Espírito é tarefa difícil, mesmo para nós espíritas que, apesar de termos a compreensão exata dessa definição, ainda não a aceitamos, como grave desafio a superar em nossa existência.
Para a mentora espiritual Joanna de Ângelis, o sofrimento se apresenta como uma enfermidade, e ela aconselha que se faça um “tratamento conveniente, em que se invistam todos os valores ao alcance, pela primazia de lograr-se o bem-estar e o equilíbrio fisiopsíquico”.1 Entretanto, para alguns, o sofrimento não acaba facilmente. Soror Joanna de Ângelis alertando-nos para a necessidade de buscarmos a sua cessação afirma: Encontrado o sofrimento, o homem tem o dever de idenidentificar as suas causas, que procedem dos atos degenerativos, próximos ou remotos, referente às suas reencarnações. Ao lado daqueles que ressumam das dívidas cármicas, estão os decorrentes das suas emoções desequilibradas, que têm nascentes no egoísmo, no apego, na imaturidade psicológica. Dentre outros, apresentam-se em plano de destaque o medo, o ciúme, a ira, que explodem facilmente engendrando o sofrimento.1
No uso de nossa relativa liberdade, podemos fazer coisas que afrontam as leis divinas. Agimos em oposição ao Criador, sem nos preocuparmos com as consequências. Daí resulta o afastamento das boas ações cujo efeito é a dor, e ela só cessará quando chegarmos à conclusão de que precisamos mudar, principalmente quanto à nossa vontade personalista, que insiste em prevalecer em muitas ocasiões, mesmo sem ter razão. Allan Kardec, em nota à questão 933, de O Livro dos Espíritos, reflete sobre as diferenças existentes entre as criaturas e os resultados obtidos por elas de felicidade e de infelicidade:
De ordinário, o homem só é infeliz pela importância que liga às coisas deste mundo. Fazemlhe a infelicidade a vaidade, a ambição e a cobiça desiludidas. Se se colocar fora do círculo acanhado da vida material, se elevar seus pensamentos para o infinito, que é seu destino, mesquinhas e pueris lhe parecerão as vicissitudes da humanidade, como o são as tristezas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo, que resumia a sua felicidade suprema. Aquele que só vê felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é infeliz, desde que não os pode satisfazer, ao passo que aquele que nada pede ao supérfluo é feliz com os que outros consideram calamidades.
[…] Como civilizado, o homem raciocina sobre a sua infelicidade e a analisa. Por isso é que esta mais o fere, mas, também, lhe é facultado raciocinar sobre os meios de obter consolação e de analisá-los. Essa consolação ele a encontra no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de melhor futuro, e no Espiritismo, que lhe dá a certeza desse futuro.2

Assim, os sofrimentos existem, em forma de tormento material, para os que não acreditam em Deus, deixando-se transtornar pelas agonias das vicissitudes, sem suportar as misérias da existência. Alguns desses infelizes indivíduos procuram, no suicídio, a pretensa solução para seus males. Igualmente, o sofrimento cresce para aqueles em que “o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme, todas as paixões […] são torturas da alma.[…] O invejoso e o ciumento vivem ardendo em contínua febre […]”.2 São os que criam suplícios voluntários para si.
Por outro lado, os sofrimentos surgem também para aqueles que se tornam verdadeiramente fortes e resolutos para enfrentá-los, com a crença a sustentá-los na dolorosa caminhada terrena. Testemunhos acerbos são vividos por essas almas bondosas e humildes, que aceitam com paciência e abnegação suas penas temporárias. São Espíritos que reencarnam em condições de vencer suas mazelas morais, sem se deixarem abater pela excessiva tristeza, convictos de que, em pouco tempo, haverão de se libertar dos problemas materiais e morais que os atingem, continuando seu itinerário de luz em benefício dos homens. É difícil imaginar como essas pessoas conseguem suplantar suas desmedidas dores, construindo um clima de paz e benemerência à sua volta, tornando-se modelos singulares para nós.
O Dr. Viktor Emil Frankl (1905-1997) – M. D. ph.D., professor de Neurologia e Psiquiatria da Universidade de Viena e da Universidade Internacional da Califórnia, criador da Logoterapia, autor de dezenas de livros e reconhecido mundialmente – legou à Humanidade exemplos edificantes sobre a sua vida. Foi prisioneiro dos nazistas em campos de concentração – entre eles o de Auschwitz – sendo reduzido a uma vida extremamente dolorosa e miserável, até ser libertado. Seus pais, seu irmão e sua esposa foram mortos em outros campos de extermínio. Ele resistiu bravamente a essa desafiadora prova, que lhe fazia sentir, diariamente, as angústias de esperar a cada momento por sua exterminação, além da saudade pungente que guardava de seus afetos. Em seus trabalhos terapêuticos, um dos argumentos essenciais defendidos por ele é descobrir o sentido da vida e do sofrimento:
[…] Um dos principais fundamentos da logoterapia está em que a principal preocupação da pessoa não consiste em obter prazer ou evitar a dor, mas antes em ver um sentido em sua vida. Essa a razão por que o ser humano está pronto até a sofrer, sob a condição, é claro, de que seu sofrimento tenha um sentido. É preciso deixar perfeitamente claro […], que o sofrimento não é de modo algum necessário para encontrar sentido. Insisto apenas que o sentido é possível mesmo a despeito do sofrimento – desde que, naturalmente, o sofrimento seja inevitável. Se ele fosse evitável, no entanto, a coisa significativa a fazer seria eliminar sua causa, fosse ela psicológica, biológica ou política. Sofrer desnecessariamente é ser masoquista, e não heroico.
[…] Ao aceitar esse desafio de sofrer com bravura, a vida recebe um sentido até seu derradeiro instante, mantendo esse sentido literalmente até o fim. Em outras palavras, o sentido da vida é um sentido incondicional, por incluir até o sentido potencial do sofrimento inevitável.3

A fé em Deus permitiu que esse homem extraordinário ajudasse outras pessoas sofridas, após as experiências trágicas, ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial. Soube tirar proveito das lições que recebeu, sem se sentir completamente derrotado nas lutas enfrentadas pela sua sobrevivência. Aceitou o desafio de sofrer corajosamente e encontrou um verdadeiro sentido em sua vida ao tentar compreender, profundamente, as razões do sofrimento para si e para milhares de seres humanos. Para determinados espíritas, como já vimos anteriormente, o sofrimento surge, muitas vezes, pela incúria e pela imperfeição, resultando em experiências dolorosas a exprimir os erros do passado e do presente. Porém, os resgates, promulgados pelas leis divinas, conferem-nos inúmeras oportunidades espirituais que conquistamos, obtendo a cura de nossas doenças morais. Em página psicografada por Francisco Cândido Xavier, o Espírito Emmanuel pergunta a respeito de como tem sido nosso empenho no serviço a executar em benefício daqueles que sofrem:
Como recear o cansaço e o esgotamento, as complicações e incompreensões, os conflitos e os desgostos decorrentes da abençoada luta pela suprema vitória do bem, se o combate pelo triunfo provisório do mal conduz os batalhadores a tributos aflitivos de sofrimento? Gastemos nossas melhores possibilidades a serviço do Cristo, empenhando-lhe nossas vidas.
A arma criminosa que se quebra e a medida repugnante consumada provocam sempre maldição e sombra, mas para o servo dilacerado no dever e para a lâmpada que se apaga no serviço iluminativo reserva-se destino diferente.4
Desse modo, é preciso amadurecer emocionalmente, admitir que o sofrimento nos depura todas as vezes que procurarmos, no trabalho de Jesus, olvidar os dramas vividos em nossas existências. A dor amiga nos convida a servir ao próximo, e o ato de doação se transforma no melhor remédio para os que sofrem. Na Terra, sofrem todos, quer sejam ricos ou pobres. No entanto, poucos sofrem bem e aceitam suas provas com compreensão e paciência. Deus não coloca fardos pesados em ombros fracos e se torna primordial acreditar na bondade divina:
[…] O fardo é proporcionado às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e é para isso que a vida se apresenta cheia de tribulações.5

REFERÊNCIAS:
1 FRANCO, Divaldo Pereira. O homem integral. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador (BA): Leal Editora, 1990. cap. Os sofrimentos humanos, p. 127, 128, respectivamente.

2 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 93. ed. 1. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. Comentário de Kardec à questão 933.
3 FRANKL, Viktor. Em busca do sentido: um psicólogo no campo de concentração. Trad. Walter O. Schlupp e Carlos
C. Aveline. 32. ed. revisada. São Leopoldo: Editora Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 2008. “O sentido do sofrimento”, p. 137-138.

4 XAVIER, Francisco C. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 9. imp. Brasília: FEB, 2015. cap. 64.
5 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 6. imp. (Edição Histórica.)
Brasília: FEB, 2015. cap, 5, it. Bem e mal sofrer..


© Revista Reformador - Federação Espírita Brasileira 2014

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