Tenho o privilégio de ter uma amiga, Angélica Andrés que, considero uma verdadeira enciclopédia ambulante. Ela me enviou duas matérias a respeito da relação de Manoel Bandeira com Campanha. Logo abaixo, postei também algumas fotos da época em que ele viveu e depois passou por Campanha.
Na primeira metade do seculo passado, Campanha tinha este lago lindo nas proximidades da estação ferroviária. ao fundo o hotel mencionado por Bandeira.A Rua Direita da época em que Manoel Bandeira veio para Campanha para se tratar
Quando ele voltou em meados do século, já tinha os citados passeios.
A Rua Direita chegando na Praça Dom Ferrão.
A Praça Dom Ferrão, muito frequentada por ele.
Manoel Bandeira achava este prédio execrável mas, eu o achava um charme e todos que, o conheceram tem muita saudade...
assim como da nossa Catedral de Santo Antônio que é o nosso cartão postal.
Na primeira casa com duas postas, morava a Donana citada por Bandeira. Na casa ao lado, nasceu Maria Martins.
O FANTASMA
Manuel Bandeira
(Extraído do livro
Poesia e Prosa / Volume II – Ed. Nova Aguilar)
Acervo: Biblioteca
Pública Municipal Cônego Victor - Campanha - MG)
Quando tomei o trem para
Campanha, pensei comigo que se encontrasse por lá alguém conhecido, ele havia
de me tomar por um fantasma. Na verdade, ao chegar à velha cidade da Princesa
da Beira, eu mesmo tive a impressão de ser um fantasma. Desde a estação
encontrei mudanças. Em 1905 havia a estação e, separando esta da cidade, que
fica num morro, um descampado barrento, ande o sal jaisait rage. Construíram
uma dupla calçada da estação ao morro, à direita plantaram uma matinha de
eucaliptos e à esquerda cavaram um lagozinho, onde a garotada toma banho.
Marchei para o hotel ao pé do morro e quando me vi no quartinho meio sujo,
fiquei meio que arrependido de ter deixado as comodidades do Hotel Silva, em Cambuquira. Descansei
umas duas horas e então subi, muito curioso, a Rua Direita, que vai dar no
Largo da Matriz, hoje Praça D. Ferrão. Verifiquei que eu era um camelo em 1905.
Pois não senti então o que sentia agora: um prazer delicioso diante das velhas
casas coloniais autênticas, quadradas, as quinas dos telhados com telha em
forma de asa de pombo. O Largo também encontrei melhorado. No meu tempo não havia
nada; era um declive nu, com capim junto às calçadas.
Fizeram um passeio de cimento no
centro, ladeado de cedros. As casas todas no mesmo, salvo a novidade de um
Teatro Municipal, edifício execrável. Ele e a matriz reformada estragaram
bastante o aspecto genuíno do Largo. A igreja velha era esse barroquinho pobre
e tão simpático que há em toda velha cidade do Brasil. Reformaram-na,
abrindo-lhe janelas em
ogivas. Quando me vi em frente da casa onde vivi e passei por
tantos sofrimentos, senti um nó na garganta. A casa está igual. Junto, a mesma
farmácia. E junto da farmácia, a casa de Donana. Não quis logo procurar Donana,
deixei para depois do jantar. Fui dar os passeinhos que fazia em 1905. Passei
pelos fundos da matriz, desci a Rua do Fogo, onde fica a segunda casa onde
morei. A primeira era térrea, esta era um sobradão colonial com cinco janelas
de frente e nove de lado! Com grande quintal atrás e mangueiras e outras
árvores. Está muito estragada e soube que foi vendida por 12 contos. De novo
senti o nó na garganta. Me lembrei de uma porção de coisas, inclusive de
Violinha, uma nossa cachorrinha amarela, que uma manhã amanheceu morta na escadinha
da entrada. Voltei para o hotel, jantei meio horrorizado com a cara do garçom,
que parecia leproso, e logo depois do jantar subi ao Largo. Havia Via Sacra na
matriz, entrei um pouco. Pensei: quantas vezes minha mãe e minha irmã deviam
ter rezado por mim ali! Saí, dei umas voltas pelo Largo e me dirigi à casa de
Donana. Em 1905 Donana era um brotinho, de carinha muito fresca, muito cor de rosa,
e uma dentadura perfeita. Donana mudou bastante, não tanto, porém, quanto eu
temia. Ficou com o teint tanné heróico das mães de família do interior. A
dentadura resistiu bravamente, como um reduto. Via-se que ela se tinha defendido
ali. Indaguei de todo o mundo e ela me contou coisas de minha mãe e de minha irmã,
coisas que eu não sabia e que me fizeram bem, como certos retratos que a gente
não conhecia. Quando saí de lá, a cidade estava deserta e silenciosa, fazia um
luar estupendo. Vocês sabem o que é um luar estupendo no Largo da Matriz de uma
cidade do interior? A tal Rua Direita estava um encanto. Custei a me decidir a
entrar no hotel.
A saída, às 5 da manhã, é que foi
uma delícia para o fantasma. A lua ainda ia alta no céu. O lagozinho artificial
com a saparia coaxando, umas neblinas se rasgando, os eucaliptos, tudo isso no
crepúsculo da madrugada formava um quadro inesquecível. Às 6:35 o fantasma
reencarnou no dia já claro na estação de Cambuquira e foi diretamente lavar o
fígado na fonte magnesiana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário