Manoel Bandeira na cidade da Campanha
Os primeiros versos de um poeta Tuberculoso
Transcrito do livro Notícias
Históricas da Cidade da Campanha – Tradição e Cultura – Ed. 1987 - de
Antônio
Casadei
Pernambucano de Recife, nasceu Manuel
Bandeira, ou me1hor Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, a 19 de abril de
1886, filho legítimo do Engenheiro Manuel Carneiro de Souza Bandeira e de
France1ina Ribeiro de Souza Bandeira. Iniciou seus estudos na terra natal,
concluindo-os no Rio de Janeiro, no Colégio Pedro II, onde teve como colegas,
entre outros, Antenor Nascentes e Souza da Si1veira. Terminado o curso de
Humanidades, matriculou-se o jovem Manuel Bandeira na Escola Po1itécnica de
São Paulo, pois desejava seguir a carreira de Arquiteto. Teve, desde logo,
entretanto, de interromper os seus estudos universitários, atacado que foi, em
fins de 1904, de tuberculose pulmonar, quando então regressou ao Rio de Janeiro,
iniciando, desde aí, uma verdadeira maratona por várias localidades, à procura
de bom c1ima, propício ao repouso e cura de sua moléstia. Campanha, no Sul de
Minas, foi a cidade esco1hida para inicio do seu processo de restabe1ecimento,
em virtude do seu afamado c1ima ameno, puro e seco, dos melhores de Minas
Gerais e do Brasil, em tudo semelhante ao da Ilha da Madeira. Ai chegou o jovem
poeta, em meados do ano de 1905, em companhia de seu pai e irmã, em estado de
profunda debilidade, a ponto de ser transportado em uma cadeira até a casa que
lhe fora destinada, na parte nobre da cidade, a mil metros de altitude, na
antiga Praça da Matriz, hoje Dom Ferrão, ao lado do imponente templo de Santo
Antônio, um dos maiores do Brasil e consagrado ao padroeiro da cidade. Ele próprio
assim descreve o estado em que se achava:
"Quando,
aos 18 anos, adoeci de tuberculose pulmonar, não foi a maneira romântica, com
fastio e rosas na face pálida. A moléstia, que não perdoava, caiu sobre mim como
uma machadada de Brucutu. Fiquei, logo, entre a vida e a morte. E fiquei esperando
a morte que não vinha".
Dirigindo-se a João Alphonsus, em carta aberta, de 30
de outubro de 1926, Manuel Bandeira declarara, a certa altura de seus comentários,
"marquei você desde os tempos em que fui a
Campanha, escarrando sangue. Foi quando escrevi versos como quem morre".
De fato, desde que foi adquirindo
forças, graças ao sossego e as excelências climáticas da velha cidade e ao
desvelo da família, encontrou ânimo e inspiração para compor os seus primeiros
versos, publicados em um dos jornais locais, "A Campanha", semanário muito
bem redigido por um seleto corpo de colaboradores e de grande prestígio na
região, entre outros que a cidade possuía, como o velho "Monitor Sul
Mineiro" dos Veigas, e que assim anunciou a sua colaboração, em sua edição
de 19 de agosto de 1905, sob o título "Sonetos".
"No próximo número da nossa folha, deliciaremos
os nossos leitores, publicando sonetos que nos foram gentilmente enviado pelo
simpático e talentoso jovem Manuel Bandeira Filho. Não é a primeira produção
que publicamos desse inspirado e distinto poeta, que tão bons versos sabe
fazer, não obstante contar 19 anos de idade. Desejamos que o talentoso poeta
continue a nos honrar com os seus atraentes versos, os quais esta folha, com
grande prazer publicará. Nossos agradecimentos".
Com efeito, assim aconteceu, pois "A
Campanha", em seus números dos meses de julho,agosto e setembro de 1905, publicava os
sonetos intitulados "Teu
Olhar", "Renúncia", "A Concha" e "Versos de
doente" ,este último oferecido a nossa ilustre e amiga, recentemente falecida,
Donana Brandão, ou melhor, D.Ana Isabel de Salles Brandão, de elevada, e
tradicional estirpe campanhense. Na época, era solteira e devia, com a graça de
sua beleza e de seu sorriso encantador, ter impressionado bastante o jovem e
sonhador poeta. Eis a graciosa produção poética, sob título:
"Sonetos
- A Dona Ana de Salles - Versos de Doente"
Risos (e então num rosto lindo)
Não são sinal
de pouco siso.
Pode levar a
vida sorrindo
Tendo muitíssimo juízo.
Sempre possais viver sorrindo
E em vossos lábios, indeciso
Como um botão que vai abrindo
Floresça sempre um bom sorriso...
E que Deus guarde essa alegria,
Sorriso bom, riso inocente
Vão bem em filha de Maria...
Pois, só não riem os descrentes...
Rir é tão bom! Principalmente
Quando se tem tão lindos dentes...
Esses versos
os li no original, escritos com a caligrafia do poeta em uma folha de papel
amarelecido pelo tempo e que me foram mostrados pela minha saudosa e querida
amiga "Donana de Salles Brandão," no decorrer de uma das nossas frequentes
conversas recordando coisas e fatos de épocas distantes.
Conhecera ela
o poeta Manuel Bandeira na fase aguda de sua doença e frequentemente visitava,
pois eram vizinhos, nascendo daí uma afetuosa amizade fortalecida por admiração
mútua. Levava-lhe o lenitivo de sua solidariedade e de sua companhia de moça
bonita e inteligente.
Alguns anos
antes do seu falecimento, estive com Manuel Bandeira na Academia Brasileira de
Letras, em uma tarde antes do chá tradicional, para entregar-lhe um ofício convite,
acompanhados de fotografias recente da Campanha, por delegação do então
Prefeito Francisco Fonseca Filho, convidando-o a visitar e rever a cidade, como
seu hóspede oficial. Entreguei-lhe,também um cartão de Donana de Salles
Brandão, no qual expressava o seu desejo de tomar um chá em sua companhia, para
relembrarem juntos os distantes tempos idos e vividos.
Notei a sua emoção ao ler o cartão de
sua amiga, pelas seguintes palavras que proferiu:
"Ah! a Donana. Conservo-a no lenitivo
doce da minha saudade”.
Conversamos muito
sobre aqueles tempos de sua estada em minha terra natal, prometendo visitá-la,
com imenso prazer,em propícia oportunidade. Devia muito à vetusta e
tradicional cidade, que tão carinhosamente o acolhera, pois foi graças ao seu magnífico
e salubérrimo clima que, adquirindo forças. Conseguiu internar-se mais tarde,
no Sanatório de Clavadel, na Suíça, onde encontrou, clinicamente, cura para a
sua moléstia. Ao ter alta nessa casa de saúde especializada e de grande
renome, Manuel Bandeira fez a seguinte declaração:
Ao deixar o
sanatório suíço, onde passei um ano,quis saber do médico-chefe que, pela última
vez me examinava, quanto tempo de vida poderia eu ainda esperar. O homem ergueu
os braços um tanto perplexo e explicou, em seguida, a sua perplexidade:
"É difícil dizer. O senhor tem lesões teoricamente incompatíveis com a
vida e,no entanto, está passando muito bem. Há doentes aqui portadores de pequenas infiltrações e não sei se
estarão vivos o ano que vem. O senhor pode viver cinco, dez,quinze anos".
Esse diálogo
passou-se em 1914, e, depois disso, Manuel Bandeira viveu mais de 50 anos. A
propósito disso, o sarcástico e impiedoso Agripino Grieco, afirmou, em uma de
suas conferências:
"Os poetas
de antigamente, como Casimiro de Abreu, diziam que iam morrer logo e morriam,
enquanto Manuel Bandeira, há mais de 50 anos, vive dizendo que vai morrer e não
morre nunca. Está enganando ao púbico e faltando com a palavra..."
Felizmente, o
grande poeta viveu muito, laureado pela Academia Brasileira de Letras, como um
dos seus mais ilustres e destacados membros, enriquecendo com a sua privilegiada
inteligência a fina sensibilidade, através de sua opulenta e variada obra, o
patrimônio cultural do país.
Por gentileza, estou acompanhando as publicações sobre Manoel Bandeira, seria apossível publicar os poemas: "Teu Olhar", "Renúncia", "A Concha" ?
ResponderExcluirGrato, Marcelo-SP