quinta-feira, 17 de outubro de 2013

MANOEL BANDEIRA, POR ANTONIO CASADEI.

Manoel Bandeira na cidade da Campanha
Os primeiros versos de um poeta Tuberculoso

Transcrito do livro Notícias Históricas da Cidade da Campanha – Tradição e Cultura – Ed. 1987 - de
 Antônio Casadei


Pernambucano de Recife, nasceu Manuel Bandeira, ou me1hor Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho, a 19 de abril de 1886, filho legítimo do Engenheiro Manuel Carneiro de Souza Bandeira e de France1ina Ribeiro de Souza Bandeira. Iniciou seus estudos na terra natal, concluindo-os no Rio de Janeiro, no Colégio Pe­dro II, onde teve como colegas, entre outros, Antenor Nascen­tes e Souza da Si1veira. Terminado o curso de Humanidades, ma­triculou-se o jovem Manuel Bandeira na Escola Po1itécnica de São Paulo, pois desejava seguir a carreira de Arquiteto. Teve, desde logo, entretanto, de interromper os seus estudos univer­sitários, atacado que foi, em fins de 1904, de tuberculose pul­monar, quando então regressou ao Rio de Janeiro, iniciando, des­de aí, uma verdadeira maratona por várias localidades, à procu­ra de bom c1ima, propício ao repouso e cura de sua moléstia. Campanha, no Sul de Minas, foi a cidade esco1hida para inicio do seu processo de restabe1ecimento, em virtude do seu afamado c1ima ameno, puro e seco, dos melhores de Minas Gerais e do Brasil, em tudo semelhante ao da Ilha da Madeira. Ai chegou o jo­vem poeta, em meados do ano de 1905, em companhia de seu pai e irmã, em estado de profunda debilidade, a ponto de ser trans­portado em uma cadeira até a casa que lhe fora destinada, na parte nobre da cidade, a mil metros de altitude, na antiga Pra­ça da Matriz, hoje Dom Ferrão, ao lado do imponente templo de Santo Antônio, um dos maiores do Brasil e consagrado ao padro­eiro da cidade. Ele próprio assim descreve o estado em que se achava:
"Quando, aos 18 anos, adoeci de tuberculose pulmonar, não foi a maneira romântica, com fastio e rosas na face pá­lida. A moléstia, que não perdoava, caiu sobre mim como uma machadada de Brucutu. Fiquei, logo, entre a vida e a morte. E fiquei esperando a morte que não vinha".
Dirigindo-se a João Alphonsus, em carta aberta, de 30 de outubro de 1926, Manuel Bandeira declarara, a certa altura de seus comentários,
"marquei você desde os tempos em que fui a Campanha, es­carrando sangue. Foi quando escrevi versos como quem mor­re".
De fato, desde que foi adquirindo forças, graças ao so­ssego e as excelências climáticas da velha cidade e ao desvelo da família, encontrou ânimo e inspiração para compor os seus primeiros versos, publicados em um dos jornais locais, "A Cam­panha", semanário muito bem redigido por um seleto corpo de co­laboradores e de grande prestígio na região, entre outros que a cidade possuía, como o velho "Monitor Sul Mineiro" dos Veigas, e que assim anunciou a sua colaboração, em sua edição de 19 de agosto de 1905, sob o título "Sonetos".
"No próximo número da nossa folha, deliciaremos os nossos leitores, publicando sonetos que nos foram gentilmen­te enviado pelo simpático e talentoso jovem Manuel Ban­deira Filho. Não é a primeira produção que publicamos desse inspirado e distinto poeta, que tão bons versos sabe fazer, não obstante contar 19 anos de idade. Desejamos que o talentoso poeta continue a nos honrar com os seus atraentes versos, os quais esta folha, com grande prazer publicará. Nossos agradecimentos".
Com efeito, assim aconteceu, pois "A Campanha", em seus números dos meses de julho,agosto e setembro de 1905, publica­va os sonetos intitulados  "Teu Olhar", "Renúncia", "A Concha" e "Versos de doente" ,este último oferecido a nossa ilustre e amiga, recentemente falecida, Donana Brandão, ou melhor, D.Ana Isabel de Salles Brandão, de elevada, e tradicional estirpe camp­anhense. Na época, era solteira e devia, com a graça de sua beleza e de seu sorriso encantador, ter impressionado bastante o jovem e sonhador poeta. Eis a graciosa produção poética, sob título:

"Sonetos - A Dona Ana de Salles - Versos de Doente"
Risos (e então num rosto lindo)
Não são sinal de pouco siso.
Pode levar a vida sorrindo
Tendo muitíssimo juízo.

Sempre possais viver sorrindo
E em vossos lábios, indeciso
Como um botão que vai abrindo
Floresça sempre um bom sorriso...

E que Deus guarde essa alegria,
Sorriso bom, riso inocente
Vão bem em filha de Maria...

Pois, só não riem os descrentes...
Rir é tão bom! Principalmente
Quando se tem tão lindos dentes...

Esses versos os li no original, escritos com a caligrafia do poeta em uma folha de papel amarelecido pelo tem­po e que me foram mostrados pela minha saudosa e querida amiga "Donana de Salles Brandão," no decorrer de uma das nossas frequentes conversas recordando coisas e fatos de épocas distantes.
Conhecera ela o poeta Manuel Bandeira na fase aguda de sua doença e frequentemente visitava, pois eram vizinhos, nas­cendo daí uma afetuosa amizade fortalecida por admiração mútua. Levava-lhe o lenitivo de sua solidariedade e de sua com­panhia de moça bonita e inteligente.
Alguns anos antes do seu falecimento, estive com Manuel Bandeira na Academia Brasileira de Letras, em uma tarde antes do chá tradicional, para entregar-lhe um ofício convite, acompanhados de fotografias recente da Campanha, por delegação do então Prefeito Francisco Fonseca Filho, convidando-o a visitar e rever a cidade, como seu hóspede oficial. Entreguei-lhe,também um cartão de Donana de Salles Brandão, no qual expressava o seu desejo de tomar um chá em sua companhia, para relembrarem juntos os distantes tempos idos e vividos.
Notei a sua emoção ao ler o cartão de sua amiga, pelas seguintes palavras que proferiu:

"Ah! a Donana. Conservo-a no lenitivo doce da minha saudade”.

Conversamos muito sobre aqueles tempos de sua estada em minha terra natal, prometendo visitá-la, com imenso prazer,em propí­cia oportunidade. Devia muito à vetusta e tradicional cidade, que tão carinhosamente o acolhera, pois foi graças ao seu mag­nífico e salubérrimo clima que, adquirindo forças. Conseguiu internar-se mais tarde, no Sanatório de Clavadel, na Suíça, onde encontrou, clinicamente, cura para a sua moléstia. Ao ter al­ta nessa casa de saúde especializada e de grande renome, Manu­el Bandeira fez a seguinte declaração:

Ao deixar o sanatório suíço, onde passei um ano,quis sa­ber do médico-chefe que, pela última vez me examinava, quanto tempo de vida poderia eu ainda esperar. O homem ergueu os braços um tanto perplexo e explicou, em segui­da, a sua perplexidade: "É difícil dizer. O senhor tem lesões teoricamente incompatíveis com a vida e,no entan­to, está passando muito bem. Há doentes aqui portadores de pequenas infiltrações e não sei se estarão vivos o ano que vem. O senhor pode viver cinco, dez,quinze anos".

Esse diálogo passou-se em 1914, e, depois disso, Manuel Bandeira viveu mais de 50 anos. A propósito disso, o sarcástico e impiedoso Agripino Grieco, afirmou, em uma de suas conferên­cias:

"Os poetas de antigamente, como Casimiro de Abreu, diziam que iam morrer logo e morriam, enquanto Manuel Bandeira, há mais de 50 anos, vive dizendo que vai morrer e não morre nunca. Está enganando ao púbico e faltando com a palavra..."

Felizmente, o grande poeta viveu muito, laureado pela A­cademia Brasileira de Letras, como um dos seus mais ilustres e destacados membros, enriquecendo com a sua privilegiada inte­ligência a fina sensibilidade, através de sua opulenta e varia­da obra, o patrimônio cultural do país.




Um comentário:

  1. Por gentileza, estou acompanhando as publicações sobre Manoel Bandeira, seria apossível publicar os poemas: "Teu Olhar", "Renúncia", "A Concha" ?
    Grato, Marcelo-SP

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