www.amodireito.com.br - 12/02/2016
Ele tinha tudo para dar errado. Mas decidiu contrariar os paradigmas de um garoto pobre,
negro e criado em meio à violência, drogas e alcoolismo. Cícero Pereira Batista tem 33 anos
que podem ser triplicados pelas experiências que viveu. Após tirar literalmente do lixo sua
esperança de uma vida melhor, hoje comemora a conquista do diploma de médico
conquistado graças à obstinação, como ele mesmo define.
Foi na quadra 20 da QNL, mais conhecida como Chaparral e pelos altos índices de violência,
que o então menino Cícero cresceu. Na época ainda era chamado de Juca pelos sete dos 20
irmão que conseguiram sobreviver à pobreza.
Quando tinha apenas três anos, o pai morreu e o futuro que já seria difícil se tornou pior.
A mãe
de Cícero encontrou no álcool a fuga para as mazelas da periferia que tomaram conta de
sua casa. O irmão mais velho passou a traficar e usar drogas. Momentos que marcaram
a mente de Juca.
— Meu pai, antes de morrer, pediu ao meu irmão mais velho que cuidasse de nossa
família, mas ele não suportou. Ele se envolveu com as drogas e passou a usá-las
dentro de casa. Isso aqui era cheio de gente drogada. Eu via meu irmão cheirando
cocaína ao meu lado.
Em meio ao caos, Cícero buscou meios para sua própria subsistência. E o foi
buscar no lixo o que comer. Entre lágrimas, ele lembra o que precisava fazer para
comer e ajudar a irmã mais nova.
— Eu tinha que chafurdar no lixo para encontrar comida. E muitas vezes encontrava
pedaço de carne podre, iogurte vencido, resto de comida que ninguém queria.
Era aquilo que me alimentava.
E no meio do lixo surgiu a minha oportunidade de uma vida melhor.
No meio aos restos, Cícero encontrava livros e discos de vinis velhos. Os livros
passaram a ser o refúgio de tanta desgraça. Os vinis, a trilha de uma trajetória
que ele jamais imaginava percorrer.
— Eu lia tudo que encontrava pela frente. Eram livros velhos manchados pelo
chorume de lixeiras de supermercados, mas era a única coisa que eu tinha.
Os vinis eu escutava na casa de um vizinho. Beethoven e Bach foram minhas inspirações.
A irmã de Cícero o matriculou na escola pública próxima a sua casa. Só conseguiu
chegar ao ensino técnico graças à ajuda de professores e amigos. Decidiu fazer o
curso de técnico em enfermagem que passou em segundo lugar na seleção feita pelo Cespe,
banca que integra a UnB (Universidade de Brasília).
Ao concluir o curso logo veio a primeira vitória. Foi aprovado no concurso da Secretaria
de Saúde para técnico em enfermagem e passou a trabalhar no HRT (Hospital Regional
de Taguatinga). Mas ainda era pouco para quem estava acostumado com tanta dificuldade.
Então ele buscou o que já procurava desde a infância. Passou para o vestibular de
medicina em uma faculdade particular de Araguari.
Cícero estudava de segunda a sexta-feira e aos fins de semana tirava plantão de 40 horas
no HRT. O salário que recebia ia todo para o pagamento da mensalidade. Sobrevivia
de doação e da própria determinação.
Como a rotina estava muito difícil, Cícero decidiu fazer o Enem e tirou nota suficiente
para lhe garantir uma bolsa de estudos em uma faculdade particular do DF. Passou a
estudar medicina no Gama onde enfrentou o preconceito racial e a rotina de estudos.
— Eu nunca pensei em desistir. Meus companheiros sempre foram os livros e a música
clássica me dava leveza de espírito para seguir em frente. Eu pensava que se Beethoven
se tornou um dos grandes compositores da história eu também poderia me tornar
um bom médico.
E deu certo. No dia 6 de junho deste ano, o menino Juca se tornou o Dr. Cícero Batista.
Na formatura foi ovacionado por professores, colegas e os pais daqueles que
costumavam discriminá-lo por ser negro e pobre.
Hoje faz questão de contar a própria história no lugar onde tudo começou. A casa ainda
sem nenhum conforto na QNL 20 é o lugar que abriga a mãe e os livros achados no
lixo e nas paradas de ônibus. Os planos agora são outros, mas sempre focados em
dias melhores.
— Eu quero justificar a confiança que meus professores e meus amigos depositaram
em mim. Por isso estou focado em me tornar um bom médico, dar uma vida melhor para
minha mãe e depois me especializar em psiquiatria ou pediatria. Mas ainda penso estudar Direito,
quem sabe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário