Com
partido, ou sem partido?
Nos idos de maio de 1931, Cecília
Meireles escrevia: Esperávamos uma reforma de ideologia, de democratização da
escola - todas essas coisas que a gente precisa conhecer antes de ser ministro
da educação. Depois, veio o decretozinho do ensino religioso. Um decretozinho
provinciano, para agradar alguns curas, e atrair algumas ovelhas. A corajosa
Cecília desafiava o Vargas e o Campos, denunciando a doutrinação numa escola
supostamente laica. Falava-nos a professora Cecília da democratização ainda hoje
ausente de uma escola sem autonomia, controlada pelos partidos dos secretários
de educação, supervisores e diretores indicados por prefeitos e vereadores. Há
85 anos, a Cecília nos falava da ideologia de uma escola à mercê de políticos do
partido no poder, que roubam a merenda da boca das crianças, e de
decretozinhos, como aquele que propõe uma “escola sem
partido”.
Fui aluno de uma escola sem partido.
Melhor dizendo, de partido único. Por efeito de uma Concordata, a escola era
serva do credo de uma igreja única. Numa escola dita republicana, as aulas
começavam com orações e os filhos de pais ateus, ou de famílias protestantes,
eram obrigados a rezar o credo católico. As professoras que quisessem casar eram
obrigadas a pedir autorização ao Estado. Nas aulas de educação cívica, era feita
a apologia da ditadura. Conheço bem os perversos efeitos dessa escola sem
partido. Seis décadas decorridas, observo-os na sociedade
brasileira.
Aquele encontro tinha por tema: “Educar
para a cidadania” e a inevitável pergunta sobre a sazonal polémica me foi
dirigida: Você é a favor, ou contra a “escola sem partido”?
Respondi ser contra o proselitismo e a
doutrinação na sala de aula, e a favor de uma escola de todos os partidos. Pelas
reações observadas, percebi que não me fizera entender. Os ânimos exaltaram-se
entre adeptos dos candidatos A e B, personagens centrais de um ato eleitoral
recente, num confronto verbal, em que pressenti laivos de fascismo num digladiar
em que ninguém escutava os argumentos do opositor.
Quando o burburinho atingiu o seu
clímax, interrompi a disputa: Meus amigos, não quero saber qual o candidato
da vossa preferência, porque o voto é secreto. Mas, já que estamos num encontro
sobre educação para a cidadania, alguém poderá dizer-nos o que o levou a
escolher entre o candidato A e B? Para ser mais explícito, acrescentei:
Peço-vos que mencioneis uma das propostas do vosso candidato, no campo da
Educação. Nem vos peço que enuncieis propostas da área da Saúde, ou da Economia,
somente da Educação. O que vos fez decidir votar nesse candidato?
Entre as centenas de professores ali
presentes, nenhum deles havia lido sequer uma linha do programa eleitoral do
candidato da sua predileção. Num tom apaziguador, tentei contornar o
constrangedor silêncio, narrando um incidente crítico observado numa escola onde
a palavra democracia não serve apenas para enfeitar currículo. Nela, os jovens
escolhiam os seus representantes para a Mesa da Assembleia. No decurso do ato
eleitoral, vi um professor pedindo aos alunos que citassem três propostas que a
“chapa” da sua preferência havia apresentado. Acaso algum jovem eleitor não
soubesse dar resposta, ficava impedido de votar.
Essa
não é uma escola com partido, nem sem partido. É uma escola que não pretende
educar para a cidadania, mas que educa na cidadania, num um arco-íris
ideológico, onde acontece um saudável confronto de ideias. Exercita-se a
democracia representativa e os jovens aprendem a escutar e a respeitar quem toma
partido.
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