domingo, 12 de fevereiro de 2017

BRASIL INSPIRA ROMANCE.

Viagem inédita de Herman Melville ao Brasil inspira romance

Alessandro Gianini - O Globo - 04/02/2017

SÃO PAULO — Em agosto de 1843, Herman Melville, então com 24 anos, embarcou em Honolulu na fragata da Marinha americana USS United States rumo a Boston. Na viagem que se seguiu, com duração de 14 meses, até outubro de 1844, o marujo Melville passou, entre outras paragens, pela costa brasileira, onde a embarcação que tripulava se deteve próxima do Rio de Janeiro e até foi visitada pelo imperador Dom Pedro II. Todo o périplo do serviu como inspiração para o romance “Jaqueta Branca ou O mundo em um navio de guerra”, que a editora Carambaia publica pela primeira vez no Brasil.

O romance traz no título o apelido do personagem principal e narrador, um marujo identificado pela jaqueta branca que confeccionou para se proteger do frio e que também simboliza a relação ambígua de Melville com relação às condições de vida e trabalho dos marinheiros à época. O escritor, que lançaria “Moby Dick” alguns anos depois, escrevera o livro em apenas dois meses para tentar fazer algum dinheiro, motivado pela experiência em alto mar e também para denunciar o que considerava um ambiente desumano.

— “Jaqueta Branca” foi um livro que teve pouca atenção quando lançado, e foi devidamente valorizado depois da morte de Melville. Pensei muito no que pode ter contribuído para o ineditismo da obra em língua portuguesa, dada a beleza literária com que Melville relata sua passagem pelo Rio e paragem na Guanabara, e o valor histórico e cultural do livro — diz o tradutor Rogério Bettoni, que assina também a nota introdutória da edição.

No capítulo 50, intitulado “A baía de todas as belezas” Melville faz uma ode às belezas naturais do Rio: “Eu disse que deveria passar pelo Rio sem maiores descrições, mas neste instante sou invadido por uma torrente de lembranças tão aromáticas que só posso ceder e me retratar enquanto inalo essa atmosfera almiscarada. Um cinturão de mais de 150 milhas de montanhas verdejantes cinge uma vastidão translúcida, tão cravejado de serras de relva que entre as tribos indígenas o lugar era conhecido como ‘A água oculta’”.

Um dos primeiros livros a ser escolhido pelos editores Graziella Beting e Fabiano Curi para ser traduzido e editado na origem da Carambaia, “Jaqueta branca” foi o que mais deu trabalho se comparado aos outros títulos do catálogo. Para além dos termos náuticos e gírias da marujada, Bettoni destaca uma dificuldade estilística:

— É nítido que se trata de um livro autobiográfico, que relata um episódio específico da vida de Melville: o momento em que entra no navio para iniciar o longo trajeto de volta para casa, a torna-viagem, como ele diz algumas vezes. E a gente nunca sabe quem ele foi, de onde veio, qual sua existência fora do navio. Então é autobiografia? É relato de viagem? É romance? É um diário sem entrada de datas? É tudo isso ao mesmo tempo. Não deixar a tradução com cara de uma coisa só é um desafio, bem como não escrever um texto que soe moderno demais, muito menos uma tradução que pareça escrita por algum escritor da época, tarefa impossível ou por demais anacrônica — completou.

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