Combate à evasão escolar pode evitar homicídio, diz pesquisadora
Fernanda Mena - Folha de S.Paulo - 21/06/2017Com 8% da população mundial, a América Latina concentra 38% dos assassinatos globais. O problema se concentra em sete países: Brasil, Colômbia, El Salvador, Honduras, Guatemala, México e Venezuela. Só o Brasil responde por pouco mais de 10% dos assassinatos do planeta.
Foi a partir da eloquência desses dados que se articulou a campanha Instinto de Vida, que reúne 32 organizações latino-americanas e com um cardápio de políticas públicas baseadas em evidências para se reduzir em 50% os homicídios nos próximos dez anos.
Entre elas está o investimento em famílias vulneráveis e na redução da evasão escolar. “Investir na primeira infância tem relação custo-benefício altíssima, assim como a busca ativa de jovens que abandonaram a escola, porque é ali que começa o problema”, diz Ilona Szabó de Carvalho, 39, que abandonou o mercado financeiro para se especializar em segurança pública e política de drogas.
Ela é diretora do Instituto Igarapé, que lidera a campanha no Brasil ao lado de entidades como Anistia Internacional Brasil, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Instituto Sou da Paz, Nossas e Observatório de Favelas.
Para ela, além das linhas de prevenção e reabilitação, é imprescindível investigar a entrada de armas no país e todo o caminho dos recursos gerados pelo crime organizado.
RAIO-X
NASCIMENTO
Nova Friburgo (RJ), 1978
FORMAÇÃO
Mestre em Estudos de Conflito e Paz pela Universidade de Uppsala (Suécia), especialista em Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Oslo (Noruega)
CARREIRA
Foi secretária-executiva da Comissão Global de Políticas sobre Drogas (2011-16) e pesquisadora e co-roteirista do documentário “Quebrando o Tabu”. É autora do livro “Drogas: As Histórias que Não te Contaram” (ed Zahar)
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Como chegamos até índices recordistas de homicídio?
A América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo. A população jovem é numerosa, desempregada e de baixa escolaridade. Temos baixa regulação de acesso a drogas, armas e álcool. Temos a negligência dos governos. As ditaduras também influíram porque fizemos a transição para a democracia sem discutir o novo papel da polícia.
Quais são os fatores de risco para homicídios?
Homicídios são multicausais e decorrem da acumulação de fatores de risco. Desigualdade social, desemprego e baixa escolaridade são alguns. A escola expulsa o jovem e isso é um divisor de águas: ele vai para o sistema de justiça juvenil e depois para o sistema prisional ou vira estatística de homicídio.
A exposição à violência é outro fator importante. Hoje sabemos que ela promove comportamentos violentos, inclusive a partir de mudanças no cérebro.
Há ainda a urbanização rápida e irregular. Estudos mostram que, em áreas urbanas que crescem acima de 4% ao ano, rompe-se o tecido social.
Por fim, há comportamentos de risco associados a álcool, drogas e armas, que funcionam como gatilhos. Na nossa região, soma-se a isso a questão da impunidade porque a taxa de elucidação de homicídio é muito baixa.
Prendemos muito, mas prendemos mal
Sim! Esse jargão é verdadeiro. A gente não prioriza crimes que de fato ameacem a sociedade. Os crimes contra o patrimônio continuam sendo privilegiados, assim como o tráfico de drogas, na figura, não do traficante homicida, mas do produtor, transportador ou pequeno vendedor.
O Judiciário não revisa suas políticas em termos do efeito da aplicação das leis. O impacto da morosidade da Justiça é brutal para os presos provisórios do país, que somam 40% da massa carcerária. Sabemos que eles não são separados por periculosidade e que, portanto, a pessoa sai do sistema mais perigosa do que entrou. Além disso, temos um Congresso que passa ou tenta passar antimedidas de segurança.
Quais?
O porte de armas para civis, por exemplo. No Brasil, as pessoas podem ter armas, mas não podem andar armadas na rua. E há sempre novas iniciativas para liberar isso.
Em momentos de crise, o discurso do medo atende ao desespero da população. É justamente essa política que nos trouxe onde estamos. Tivemos uma trajetória de achar que algumas vidas valem mais do que outras, dependendo do seu CEP e da sua cor.
No Rio, havia a chamada “gratificação faroeste”, que dava bônus a policiais que matavam supostos bandidos. Como você acha que esse policial era recebido nas comunidades? Se o bandido sabe que o policial vai atirar antes de qualquer coisa, o que ele vai fazer? Atirar antes de qualquer coisa.
Como melhorar a atuação das polícias?
A estratégia número um é o policiamento de manchas criminais. São Paulo tem um sistema de dados, e a polícia militar coloca suas viaturas nas ruas baseada em informação de onde ocorrem mais crimes, de forma preventiva.
No Rio, conseguimos juntar empresários que doaram esse tipo de sistema ao Estado. Mas a maioria absoluta do território nacional não tem isso. Custa muito pouco: menos de R$ 1,5 milhão. Foi assim que Nova York diminuiu a violência.
Além disso, precisamos no Brasil de uma Lava Jato do tráfico de armas e da lavagem de dinheiro. Nunca usamos as técnicas que estão à serviço do combate à corrupção contra o crime organizado.
Quais outras políticas fazem parte da cartilha de redução de homicídios?
Políticas de prevenção e reabilitação, que são de âmbito local. Investimentos extra nas famílias mais vulneráveis. Investir na primeira infância tem relação custo-benefício altíssima, assim como a busca ativa de jovens que abandonaram a escola porque é ali que começa o problema. Criam-se comitês nas escolas para ir atrás deles, um a um.
Terapias cognitivo-comportamentais também têm funcionado nas periferias de grandes cidades norte-americanas tanto com egressos do sistema prisional quanto com jovens mais aguerridos, que são vistos como “problema”, mas que podem ser “solução” porque são líderes. São técnicas de autocontrole e a designação de mentores que podem ser acionados em momentos críticos. O custo disso é mínimo, não tem de criar estrutura, construir presídio…
E do ponto de vista urbano?
Intervenção nos modelos de Medellín e Bogotá são essenciais porque promovem integração física e social de locais mais vulneráveis com o restante da cidade, criando espaços seguros de convivência.
Além disso, tem a regulação do álcool, que é tabu, apesar de sabermos que muitas manchas criminais estão no entorno de bares. Em Diadema, Bogotá e Medellín houve fechamento de bares mais cedo. À medida que os índices melhoraram, permitiram sua abertura até mais tarde.
Por que parece tão difícil ao Brasil implementar um plano de redução de homicídios?
Passa por não querer enfrentar questões estruturais. Estamos com um problema de grande proporção, e quem se envolver acha que o preço político pode ser muito alto. Há uma saga dos planos nacionais desde o governo passado [Dilma Rousseff], quando um plano foi anunciado mas nunca lançado. O primeiro ministro da Justiça de Temer fez outro pré-lançamento de um plano de redução de homicídios motivado pela crise carcerária, mas ele nunca saiu do papel.
É triste, porque o conhecimento dos institutos de pesquisa não está sendo acessado. O pedido é: governos, por favor, diante desta urgência, usem esse conhecimento para não insistirmos em políticas que não geram resultados.
Como a campanha pretende influir nesse processo?
Qualquer plano de segurança é uma política de Estado, não de governos. Criamos um cardápio de políticas e o submetemos a quatro consultas regionais –em Washington, Cidade do México, Bogotá e Rio de Janeiro– para que pudéssemos oferecer aos governos um guia robusto de elaboração de políticas.
A ideia é assessorarmos tecnicamente vários níveis de governos que queiram fazer planos de redução de homicídios e se comprometer com metas e políticas eficazes. Estamos dialogando com a Organização dos Estados Americanos (OEA) para que haja compromisso dos países com uma redução clara na taxa de homicídios.
E negociamos com o Banco Interamericano (BID) e a CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) para que coloquem indicadores de redução de violência como contrapartida de seus empréstimos e doações.
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