Atualizado em 14/12/2013 06h58
Antropólogo e folclorista prova que é possível fazer educação sem escola
Educador popular Tião Rocha deu origem ao Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), tendo a Cultura como matéria prima de trabalho
Crianças aprendem brincando no Centro Popular de
Cultura e Desenvolvimento (Foto: Divulgação/CPCD)
Será que é possível fazer educação sem escola? E debaixo de um pé de manga?
Foi com essas perguntas que, em 1984, o educador popular, antropólogo e
folclorista Tião Rocha deu origem ao Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), uma
organização não-governamental cujo principal objetivo é atuar nas áreas de
Educação Popular de Qualidade e Desenvolvimento Comunitário Sustentável, tendo a
Cultura como matéria-prima e instrumento de trabalho pedagógico e
institucional.
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“Eu era professor da Universidade Federal de Ouro Preto, cansado que ficar
fechado entre quatro paredes, não queria mais ser professor, mas sim educador.
Professor é aquele que ensina, educador é o que aprende. O assunto foi gerando
mal-estar na faculdade e eu percebia que ali não queriam aprender, só ensinar.
Pedi demissão e saí com o intuito de ser educador, aprendiz. Por sugestão de
alguns amigos, criei o Centro de Aprendizagem, instituição que usa a cultura e
ensina a pensar formas significativas de desenvolver o conhecimento”, contou o
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Tudo teve início em Curvelo, cidade de Minas Gerais, com a crença de que era possível criar um espaço para as crianças, de fato, serem crianças. Onde a tinta e a madeira, a história e o sonho, a palavra e a terra, o alimento e o jogo, o canto e o trabalho fossem um pretexto para o exercício do aprendizado diário. Brincar deveia ser sempre a atividade primordial. A partir dessa ideia, surgiu o primeiro projeto: Sementinha.
O educador, antropólogo e folclorista Tião
Rocha
(Foto: Divulgação / Danilo Verpa)
“Sou apaixonado pela obra de Guimarães Rosa. Descobri uma carta que ele dizia
que Curvelo era a cidade capital da literatura e fui para lá, atrás das crianças
na periferia e na zona rural. Eram crianças de mais e escolas de menos. Quando
tinha, os meninos não ficavam, eram expulsos rapidamente. Aquilo me incomodou
muito. Participei de um programa de rádio, falei o que pensava e 26 pessoas
apareceram no encontro. Resolvemos fazer nossa experiência dividindo-nos em
grupos e indo trabalhar. Surgiu o projeto Sementinha e, um ano depois, tínhamos
clareza de que era possível, sim, fazer boa educação sem escola”, destacou
Tião.(Foto: Divulgação / Danilo Verpa)
Destinado a crianças de 4 a 6 anos, não atendidas pela rede pública ou particular, o projeto visa o desenvolvimento da autoestima, da identidade, da consciência corporal, mas também procura passar cuidados com a higiene e a saúde, levando-se sempre em conta o respeito mútuo, a cooperação, a participação efetiva nas atividades cotidianas, procurando cultivar em cada criança os valores da cidadania. O Sementinha, dentro da sua concepção de um projeto, hoje itinerante, desenvolve a maioria das atividades na própria comunidade através de passeios e excursões com o objetivo de melhor conhecer e se engajar na cultura local.
“Educação só acontece no plural, o eu sozinho não educa e não se educa. O plural tem aprendizagem e troca. Agora, o projeto sementinha é política publica em outros estados e países. É possível aprender tudo que se precisa em seu tempo. A escola pública, por exemplo, parece um serviço militar obrigatório a partir dos 7 anos. Parece um quartel, uma fábrica ou um hospício. A partir daí, resolvemos fazer outro aprendizado, o qual os meninos puderam fazer tudo brincando, a educação pelo brinquedo, chamado Ser Criança", comentou Tião .
Adolescentes aprendem a construir
brinquedos
(Foto: Divulgação / CPCD)
Estudar brincando, plantar e comer, conversar e aprender, jogar e cantar,
criar e ensinar, pintar e limpar, fazer e reciclar, dançar e sonhar, ser e
ousar, respeitar e crer, rir e cuidar-se, são alguns dos muitos verbos
praticados no cotidiano do Ser Criança por centenas de meninos e meninas, em
horários complementares à escola formal e em espaços comunitários. Buscando
cuidar dessa fase importante da vida, o projeto implementa ações educativas e de
formação humana, provocando uma interferência positiva e modificadora na vida
das crianças e adolescentes participantes.(Foto: Divulgação / CPCD)
Crianças e adolescentes participam de atividades novas, elaboradas pelos educadores, e outras fixas, como aulas de teatro, música, culinária, jogos educativos e com conteúdos escolares, pintura e argila, biblioteca com pesquisas virtuais, cinema, permacultura, confecção de brinquedos, reforço escolar e a Roda Grande: primeira e principal atividade em que todos se reúnem, cantam e batucam músicas populares, discutem problemas e novidades, depois fazem algumas brincadeiras. O objetivo é fortalecer a união e igualdade entre todos os integrantes dos projetos.
“Nessa história toda, fomos a Moçambique, Guiné e expandimos para várias cidades do Brasil. Nós vamos criando as unidades e formando educadores. Há 15 anos, fomos para o Vale de Jequitinhonha, em Araçuaí, lá é o maior polo do CPCD. A miséria e a fome assola a cidade. Hoje, estamos construindo uma cidade sustentável. Primeiro, criamos uma UTI educacional para meninos que continuavam analfabetos depois de 4 anos de escola, mobilizando a comunidade. Para educar uma criança é necessária toda uma aldeia”, enfatizou o antropólogo.
Crianças do Projeto Sementinha, o pioneiro da ONG
(Foto: Divulgação / CPCD)
Do projeto Ser Criança surgiu o coral que se tornou símbolo da ONG: Meninos
do Araçuaí. Com o currículo formado por espetáculos, incluindo uma
apresentação em Paris, cinco discos e dois DVDs, eles ajudaram a mudar a cidade.
“Graças ao trabalho do coral e da venda dos CDs, foi construído o único cinema
do Vale de Jequitinhonha. Nosso desafio era tirar os meninos da escravidão do
corte de cana. Prometi que os que participarem do nosso projeto não serão
perdidos para o corte. Perdemos os meninos sim, mas 20 deles para a Bituca Universidade de Música
Popular e cinco para a Escola
Bolshoi”, contou Tião.A ONG dedica-se à implementação e realização de projetos inovadores, programas integrados, plataformas de transformação social e desenvolvimento sustentável, destinados, preferencialmente, às comunidades e cidades brasileiras com menos de 50 mil habitantes. Atualmente, o CPCD tem 17 projetos que atendem crianças e jovens principalmente. Está presente em três cidades de Minas Gerais: Curvelo, Araçuaí e Raposos; seis no Maranhão: Açailândia, Bom Jesus da Selva, Buriticupu, Santa Rita, Itapecuru Mirim e Alto Alegre do Pindaré; e uma em São Paulo: Vargem Grande. Mais informações sobre o Centro e todos os seus projetos no site oficial.
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