“Há uma variabilidade cíclica natural, que nada tem a ver com o aquecimento global, mas não temos engenharia para resolver a questão no curto prazo. Temos é que ter inteligência para nos adaptar e reduzir de 250 litros para 150 litros, ou ainda menos, o consumo de água por cada pessoa. Há países europeus em que o uso não passa de 60 litros/pessoa. É preciso usar menos e tratar a água de maneira que ela possa ser reutilizada. Tudo depende de tecnologia e novos hábitos”, concluiu Zuffo.
Thiago de Araújo, de Brasil Post - 21/01/2015 às 18:16
Promessa
de campanha do governador Geraldo
Alckmin (PSDB), a falta
de água em São Paulo é uma realidade há meses em diversos pontos do
Estado. Na semana passada,
(diante da
repercussão, tentou voltar atrás), algo que a população – sobretudo a dos
bairros mais carentes – já sabia. O que também já se sabe é que, sim, a
água vai mesmo acabar. Se não chegar a zerar, terá níveis baixíssimos
que afetarão a vida de todos, a partir de março.
Os
especialistas ouvidos pelo Brasil Post viram com bons olhos o fato de que o
governo paulista, com atraso, reconheceu o racionamento. Também aprovaram
contra aqueles que consomem
muita água – embora a medida, tardia, devesse ser uma política sempre
presente, e não para ‘apagar incêndios’ como agora. Contudo, o cenário que se
colocará com a chegada do período de estiagem, entre o fim de março e começo de
abril, se estendendo até outubro, vai requerer novos
hábitos, seja dos gestores ou da população.
“Quando
acabar a água serão interrompidas atividades que não são consideradas
essenciais, com cortes para o comércio, para a indústria e o fechamento de
locais com muito uso de água, como shoppings, escolas e universidades”, analisou
o professor Antonio
Carlos Zuffo, especialista na área de recursos hídricos na Unicamp.
Parece exagerado, mas não é. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo desta
quarta-feira (21), os seis mananciais que abastecem 20 milhões de pessoas na
Grande São Paulo têm registrado déficit de 2,5 bilhões de litros por dia em
pleno período no qual deveriam encher para suprir os meses de seca.
Já
em 2002, a Saneas, revista da Associação dos Engenheiros da Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (AESabesp), publicava um texto no qual
apontava “uma
inegável situação de estresse hídrico”, a qual podia “ter um final trágico, com
previsões de escassez crônica em 15 anos”. A Agência
Nacional de Águas (ANA) apontava, na outorga de uso do Sistema
Cantareira de 2004, que era preciso diminuir a dependência desse
sistema. Em plena crise, na tentativa de renovação em 2014, havia uma tentativa
de aumentar, e não diminuir, o uso do Cantareira. Ou seja, algo impraticável e
ignorando as previsões. Não, a culpa não é de São Pedro.
“Hoje
a situação é muito pior que no ano passado. Em janeiro de 2014 tínhamos 27,2%
positivos no Cantareira, hoje temos 23,5% negativos. Ou seja, consumimos 50% do
volume nesse período. Mantida a média de consumo, a água acaba no fim de março.
É preciso lembrar que janeiro é o mês com maior incidência de chuva em SP,
seguido por dezembro. No mês passado, choveu 25% a menos do que a média. Esse
mês só choveu 22%, 23% da média. A equação é simples: não vai ter água para todo
mundo”, completou Zuffo.
INFORMAÇÃO
E TRANSPARÊNCIAPara
a ambientalista Malu
Ribeiro, da ONG SOS
Mata Atlântica, a demora em admitir o óbvio por parte das
autoridades trouxe mais prejuízos do que benefícios ao longo dos últimos 13
meses. “A
sociedade precisa ter a noção clara da gravidade dessa crise. Quando as
autoridades passam certa confiança, como era o caso do governo Alckmin, a
tendência é que não se alerte da forma necessária e as pessoas se mantenham em
uma situação confortável. Muita gente não acredita na proporção dessa crise,
muito se agravou e agora é preciso cautela”, avaliou.
As
mudanças na Secretaria de Recursos Hídricos e na presidência da Companhia
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com as entradas
de Benedito
Braga e Jerson
Kelman, respectivamente, também foram benéficas, já que colocam em
posições estratégicas dois especialistas no tema. Entretanto, isso não basta. A
necessidade de discutir a gestão
da água sob o âmbito estratégico, algo muito teórico e pouco prático no
Brasil, é vista como fundamental em tempos de crise.
“Há
ainda muita ocupação em áreas de mananciais, por exemplo. Então vemos que o
comportamento, apesar da crise não ser nova, não mudou. Veja em Itu, onde eu
moro, onde a crise foi muito pior e, agora que choveu um pouco, as pessoas acham
que não precisam mais poupar, que tudo voltou ao normal. O combate ao
desperdício deve ser permanente e temos de ter prevenção. É preciso doer no
bolso, por isso a multa deve ser permanente”, disse Malu.
“A
falta de informação resultou em uma insegurança, sem informar à população sobre
o seu papel na crise. A ONU já apontava que a década entre 2010 e 2020 seria da
água, e não por acaso, mas no Brasil há uma timidez nesse sentido. É preciso
mudar essa cultura de abundância que se tem no Sudeste e desenvolver um plano
estratégico, com mais poder aos comitês de bacia. É absurdo o desperdício de
água na agricultura, e isso não é discutido. É hora de acordar”, completou a
ambientalista.
‘ÁGUA
CARA’ VEIO PARA FICARDe
acordo com os especialistas, a crise da água expõe também um cenário já
esperado, já que a Terra passa por ciclos alternados entre seca e chuvas a cada
30 anos. O atual, iniciado em 2010 e que segue até 2040, será recheado de períodos
de seca em regiões populosas, quadro a se inverter apenas daqui a 25
anos. Assim,
é preciso mudar hábitos, antes de mais nada. Mesmo em tempos de calor excessivo,
há quem ainda não tenha se dado conta disso.
“Muita
gente se vê alheia ao problema e, com o calor, acaba correndo para compras
piscininhas e usa a água para o lazer. O Carnaval que está chegando também ajuda
a tirar o cidadão comum do foco, como ocorreu durante as eleições. Isso não é
mais possível. Há a responsabilidade dos gestores, mas também é preciso que o
cidadão se atente ao seu papel, sob pena de termos novas ‘cidades mortas’, como
no Vale do Paraíba ou no Vale do Jequitinhonha, onde os recursos naturais foram
exauridos”, afirmou Malu.
E
que ninguém se anime com a promessa da Sabesp de que ainda há uma terceira cota
de 41 bilhões de litros do volume
morto do Cantareira, cujo uso deve ser solicitado pelo governo paulista
junto à ANA nos próximos dias. “Sabemos que 45% do Cantareira que não é captado
é volume morto. A terceira cota restante não é toda ela captável. Teríamos com
ela mais uns 10%, suficiente só para mais algumas semanas”, comentou Zuffo.
Medidas
sugeridas ao longo da crise, o reuso da água e a dessalinização são medidas
caras e que dependem de outros aspectos para serem implementadas – e, com o
possível racionamento de energia elétrica, podem não sair do papel. Ou seja, não
são a solução a curto prazo. O
uso de mais água de
(com sua notória poluição) também
dependem de obras – outro entrave para quem gostaria de não ver a falta de água
por dias seguidos se tornar uma realidade por meses a fio. Sem chuva, só há um
caminho a seguir.
“Há
uma variabilidade cíclica natural, que nada tem a ver com o aquecimento global,
mas não temos engenharia para resolver a questão no curto prazo. Temos é que ter
inteligência para nos adaptar e reduzir de 250 litros para 150 litros, ou ainda
menos, o consumo de água por cada pessoa. Há países europeus em que o uso não
passa de 60 litros/pessoa. É preciso usar menos e tratar a água de maneira que
ela possa ser reutilizada. Tudo depende de tecnologia e novos hábitos”, concluiu
Zuffo.
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