quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

VIOLÊNCIA, PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA.

Elizabeth Balbachevsky

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1981), mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1987), doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1995) e é livre docente pelo Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. É professora associada da Universidade de São Paulo, no Departamento de Ciência Política.
Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Análise de pesquisas de opinião, políticas de C, T & I e políticas de ensino superior. Entre 2005 e 2006 foi Fulbright Scholar no Programa New Century Scholars, realizando um estudo comparado sobre o impacto da globalização nas políticas de ensino superior em países emergentes. Em 2007 passou a integrar a rede internacional de pesquisa "The Changing Academic Profession - CAP Project" - que reúne pesquisadores de 19 países para estudar as transformações recentes da profissão acadêmica no contexto da globalização.
Desde o início de 2007 participa também da Rede Latino-Americana de Políticas Regionais. Dentro dessa rede, participa da pesquisa "Percepções da elite sul-americana sobre os impactos da desigualdade para a sobrevivência da democracia no continente".

Violência, participação e democracia

Enganam-se aqueles que exaltam a violência como uma forma esteticamente superior e inovadora de fazer política. A violência na política é tão velha quanto a própria existência da humanidade. E ela nunca foi portadora da liberdade.
Manifestações públicas constituem um dos aspectos essenciais da vida democrática. Um regime político que é incapaz de tolerar a livre manifestação da população – inclusive a que contraria os ocupantes do poder – não pode ser considerado democrático.
Historicamente, os regimes democráticos se consolidam quando a luta política deixa de ser o arriscado jogo do tudo-ou-nada e se institucionaliza como parte do cotidiano da sociedade. Esse é o requisito básico que abre espaço para a participação de todos os setores da população na vida política.
A pacificação do espaço da política é um elemento central das mudanças históricas que fizeram emergir, pela primeira vez na história humana, uma sociedade na qual todos os setores se percebem como atores políticos autônomos, e por isso, sujeitos ativos das decisões coletivas.
O reconhecimento que a participação política, para ser legítima, deve se dar dentro de regras é um pré-requisito central do jogo político democrático. Sem regras, a política torna-se um jogo arriscado demais para permitir a participação ampla.
Num ambiente marcado por pressões e ameaças de toda ordem, a política fica limitada à luta entre facções e forças organizadas. A permanência desse ambiente abre espaço para a constituição de regimes que, por sua incapacidade de tolerar o conflito, perdem um elo vital com a democracia, e aos poucos se convertem no seu oposto.
Portanto, é preciso ter clareza sobre as consequências de nossas palavras: quando exaltamos a participação sem limites, que torna a população refém de suas exigências e degringola em violência, estamos de fato propondo um modelo de participação onde, nas palavras do escritor George Martin, a política se converte “num jogo (de tronos) onde você ganha ou morre. Não há meio termo”.
Não é possível conciliar esse modelo de participação com um entendimento democrático do processo político, aquele em que TODOS os cidadãos, e não apenas os setores organizados, estão intitulados a participar da vida política. Enganam-se aqueles que exaltam a violência como uma forma esteticamente superior e inovadora de fazer política. A violência na política é tão velha quanto a própria existência da humanidade. E ela nunca foi portadora da liberdade.
A violência como forma de participação se traduz na completa desconsideração pelo outro, na imposição unilateral do interesse de alguns sobre os direitos da grande maioria, e termina na desumanização do adversário: este perde sua condição humana para se converter numa encarnação do mal, “da opressão”, da “exploração”, etc. E assim chegamos a um passo de defender sua eliminação física, pura e simples.
É sintomático que a violência nas manifestações seja inversamente proporcional à sua representatividade. As grandes manifestações, aquelas que mobilizam milhões, são as mais pacíficas. Um movimento capaz de trazer uma parte significativa da população para as ruas, o faz porque, entre outras coisas, consegue assegurar que essa participação não ameaça a segurança de todos, nem de cada um.
Exatamente por esse motivo – justamente para assegurar que TODOS possam se manifestar – o direito à manifestação pública deve ser balizado por regras que tornam pública a intenção dos que querem manifestar e, simultaneamente, garantem o respeito ao direito dos demais: o direito de ir e vir, o acesso aos serviços públicos essenciais, etc. Essa é uma prática comum em todas as democracias do mundo. Por que não seria aceitável na democracia que queremos construir no Brasil?
Publicado no Jornal Folha de São Paulo, Coluna Tendências e Debates, dia 08 de julho de 2014

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