quarta-feira, 18 de março de 2015

LIVRO PARA LER, RABISCAR E BRINCAR.

Livros para ler, rabiscar e brincar

Carta Fundamental - 02/2015
“Durante a execução deste livro você vai se sujar. Pode ser que você fique coberto de tinta ou de quaisquer outras substâncias estranhas. (...) Pode lamentar pelo fim do estado perfeito em que o livro chegou até suas mãos. Pode começar a ver destruição criativa em tudo.” O aviso que precede as páginas de Destrua Esse Diário (Intrínseca, 2013) dá uma pista do caráter pouco convencional da obra da escritora e ilustradora canadense Keri Smith.

Baseado na interação com o leitor, o livro é recheado de instruções “absurdas” que convidam o usuário a fazer coisas inusitadas como rasgar, rabiscar, amassar e se livrar de algumas de suas páginas. “Despeje, derrame, respingue, cuspa, jogue seu café aqui”, ordena um dos trechos. “Esconda essa página no quintal do vizinho”, manda outro. Uma abordagem tão diferente da forma zelosa que costumamos tratar os livros que tem despertado as mais diversas reações, muitas delas contraditórias.

“Foi uma experiência angustiante. Sou perfeccionista ao extremo com o estado dos meus livros e destruir uma obra foi algo bem difícil”, conta a agente de saúde Vivian Oliveira Silva, de Guarapari, no Espirito Santo. O desafio de realizar todas aquelas tarefas, porém, foi compensado por um sentimento de libertação. “Acho que depois disso melhorei bastante em relação às cobranças comigo mesma no dia a dia. Além disso, o livro despertou um lado artístico que eu não conhecia”, relata.

Segundo Keri, é exatamente esta a sua proposta. No início de sua carreira, notou que o perfeccionismo tão perseguido em nossa cultura era um bloqueio para a criatividade. Ao desafiar as pessoas a ir contra as convenções de como interagir com um livro, buscava despertá-las para novas perspectivas. “Acredito que pequenos atos de rebeldia no cotidiano podem acabar evoluindo para atos maiores, capazes de transformar vidas. Quando você começa a questionar coisas em pequena escala, passa a questionar tudo”, disse em entrevista à Penguin Books.

A experiência de rebeldia instigada por Keri provou-se também um produto mercadológico de sucesso. Destrua este diário vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares nos Estados Unidos e ocupou a quarta colocação entre os livros mais comercializados no Brasil em 2014, somando 332.940 exemplares vendidos. A boa recepção do mercado levou Keri à publicação de outras obras nos mesmos moldes comoTermine Este Livro (Intrínseca, 2014), This Is Not a Book (2013) e The Imaginary World Of(2014), estes últimos ainda sem edição brasileira.

Além disso, fez com que outros escritores e artistas pegassem carona no conceito. Um exemplo é 1 Página de Cada Vez, primeiro livro do designer gráfico americano Adam J. Kurtz. Menos destrutiva, a obra incentiva o leitor a escrever listas de coisas que deseja experimentar, aprender a desenhar, relembrar um aniversário de infância, entre outras coisas. “Por conta do meu estilo, as pessoas já tinham me mostrado os livros de Keri. Então, quando criei meu livro, foi importante para mim fazer algo diferente. 1 Página de Cada Vez é tão pessoal que nunca poderia ser um livro dela”, garante o artista diante das semelhanças entre as obras.

Kurtz conta que sua intenção era fazer algo divertido, útil e que ajudasse as pessoas a descobrir mais sobre si mesmas. “É um tipo de terapia. Eu não sou o melhor ilustrador e isso é importante. Se o livro fosse muito bonito, você poderia se sentir mal por desenhar nele.” Outro ponto buscado era que o leitor tivesse uma participação ativa na construção do conteúdo. “Este livro é sobre o leitor. Não é sobre mim. É por isso que, no final do livro, eu peço ao leitor para cruzar o meu nome escrito na capa”, conta.

No Brasil, o lançamento de O Livro do Bem, das jornalistas Ariane Freitas e Jessica Grecco, endossa a categoria. Fruto do projeto Indiretas do Bem, que inunda as redes sociais com mensagens positivas, a publicação traz proposta semelhante. “O livro propõe que todos os dias façamos algo que nos tire da zona de conforto e ajude a levar alegria a outras pessoas, seja por meio de ações ou simples mensagens”, diz Ariane.

Entre as “missões” estão abraçar alguém sem motivo, telefonar para uma pessoa com quem você não fala há muito tempo, fazer algo que você sempre quis, mas não teve coragem, abordar um desconhecido na rua. “Gostamos muito da tarefa que estimula a anotar conversas ouvidas pela rua. É um exercício diário de observação”, conta Ariane.

Para Renata Sant’anna, educadora no Museu de Arte Contemporânea da USP e autora de livros de arte para crianças e professores, é difícil classificar esses livros. “É um pouco confuso porque não considero isto literatura e também não acho que seja uma experiência de arte, pois não vejo destruir um objeto, por exemplo, como uma ação criativa”, diz. O mais correto, explica, seria interpretá-los como brinquedos. “Acho que são objetos de desconstrução, o que não deixa de ser uma experiência interessante como brincadeira”, explica Renata.

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