Autonomia e formação do professor no contexto escolar contemporâneo
Atualmente não é difícil perceber que a sociedade contemporânea passa
por um momento onde as mudanças são muitas e muito rápidas. No plano
tecnológico, a cada dia surgem novidades que influenciam nosso ritmo de vida e
alteram as relações entre as pessoas. No campo da ciência, pesquisadores
passaram a buscar novos paradigmas para fazer a leitura da complexidade da
realidade. Na esfera econômica e ideológica, instauraram-se crises e
insatisfações sem precedentes e um sentimento de incerteza rege as políticas
regionais, nacionais e internacionais. Enfim, estamos no terceiro milênio,
globalizados, e numa sociedade de mercado que freneticamente prega a
“modernização”, independentemente do fato de tal modernização trazer ilusões,
sofrimento ou felicidade para milhares de pessoas. Na realidade, atualmente as
mudanças são tantas que podemos dizer que vivemos não uma época de mudanças, mas
uma mudança de época.
Tal contexto faz com que muitas pessoas se sintam inseguras quanto ao
futuro, não sabendo em que acreditar. No âmbito escolar, a dúvida e a
insegurança também compõem seu cotidiano, pois a escola é uma instituição criada
pela sociedade e, consequentemente, é influenciada pelas mudanças sociais. Por
isso, mesmo que lentamente, se modifica com as mudanças históricas, políticas,
econômicas e tecnológicas. Desse modo, é preciso pensá-la em seu tempo, no tempo
histórico no qual ela está inserida.
Mas, nesse contexto, como a escola pode contribuir para a construção de
um mundo melhor? Apesar das inseguranças contemporâneas, para muitos educadores
parece não haver dúvida de que a resposta a essa indagação está em investir na
formação de alunos críticos e autônomos.
Seguindo essa vertente, há um aspecto que merece uma reflexão mais
aprofundada. Sempre que ouvimos falar em autonomia na escola, a discussão está
voltada para o objetivo de proporcionar condições para favorecer o
desenvolvimento da autonomia apenas do aluno. Mas será possível, no contexto
escolar, favorecer a autonomia do aluno sem investir na autonomia do
professor? Será possível pensar em alunos autônomos se
os professores não o são? Parece-nos que essas duas questões são indissociáveis
e, por isso, devem ser discutidas conjuntamente.
Investir em autonomia, seja do professor, seja do aluno, na maioria das
vezes, implica numa reorientação das condições de trabalho do professor e dos
valores institucionais. Reorientar as condições de trabalho quase sempre é
necessário porque o educador tem de se sentir bem onde trabalha para poder
mostrar e construir, com seus alunos, a ideia de que o conhecimento é um valor.
Também é fundamental reorientar valores para proporcionar o sentido da autonomia
na esfera institucional, pois a escola, em seu cotidiano, lida com valores
egocêntricos e centralizados, internalizados pelos alunos, vivenciados pelos
professores e veiculados no contexto escolar. Por isso, investir em
autonomia pressupõe investir também no princípio da cooperação.
Sabemos que a cooperação (cooperar com) é um valor voltado para a
descentração do ser humano. Está associado ao sujeito perceber o outro como
sujeito ativo, levar os sentimentos da outra pessoa em consideração, tomar
consciência do respeito mútuo e pensar de modo reflexivo. Assim, do ponto de
vista moral, a cooperação pode conduzir a uma ética de solidariedade e de
reciprocidade nas relações, resultando no surgimento de uma autonomia
progressiva, voltada para a consciência coletiva, com possibilidades de
prevalecer sobre os indivíduos voltados apenas para si.
Nessa perspectiva, a autonomia pode ser compreendida como resultante de
um processo de socialização permanente, que leva o indivíduo (e as instituições)
a sair de seu mundo centralizado para criar e cooperar com os outros, melhorando
o convívio social. Desse modo, as relações de cooperação, de reciprocidade e de
respeito mútuo são potenciais fontes de autonomia para a superação de
inseguranças e individualismos impostos pela complexidade das instituições e da
sociedade contemporânea.
Ser autônomo significa, então, poder analisar criticamente a existência
das normas e o significado das ações individuais e coletivas. Isso implica em
“espaços” educacionais para que professores e alunos possam tematizar as
situações e regras institucionais, o papel contemporâneo da escola, o próprio
conhecimento enquanto valor e o exercício da cidadania. Por isso, valorizar a
autonomia é um princípio que se faz necessário na formação e ação do professor.
E talvez este seja mesmo um caminho que instigue os alunos, com seus mestres, a
buscar na autonomia a energia que torna possível a construção de um mundo
melhor.
Mário Sérgio Vasconcelos Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP, com pós-doutorado pela Universidade de Barcelona. Foi vice-presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento. Pesquisador da Unesp, estuda temas como cognição, afetividade, brincar e criatividade, bem como a construção de valores na Educação.
Mário Sérgio Vasconcelos Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP, com pós-doutorado pela Universidade de Barcelona. Foi vice-presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento. Pesquisador da Unesp, estuda temas como cognição, afetividade, brincar e criatividade, bem como a construção de valores na Educação.
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