A corrupção cheira mal
Há meses
os noticiários estão recheados de fatos de corrupção. De tal modo nós já nos
habituamos que as enormes somas em jogo nem mais impressionam, como se fossem
fatos corriqueiros. Infelizmente, tinha razão quem vinha alertando, há vários
anos, que um dos maiores males do Brasil era a corrupção. Assim se manifestou o
cardeal Geraldo Majella Agnelo em 2005, arcebispo de Salvador e presidente da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) naquele ano. Suas palavras
causaram protestos indignados, por levantarem suspeitas contra a honradez da
vida política nacional... E hoje?!
Como em
tudo, podemos ver também aqui um lado ruim e outro, bom. Ruins são o tamanho e
a ramificação da corrupção em vários setores da vida pública, como vai sendo
revelado. O lado bom é que os problemas começam a ser enfrentados seriamente,
em vez de serem varridos para debaixo do tapete. Somente admitindo os fatos e
indo às consequências é que se pode mudar certa cultura de tolerância em
relação à corrupção. Para debelar a corrupção, são fundamentais a independência
dos Poderes do Estado e a autonomia das instituições, para cumprirem seu papel
sem ingerências interesseiras e corruptoras.
Mas
ninguém se engane: a corrupção não ronda apenas a administração pública nem se
refere apenas ao desvio de bens do Estado aos bilhões e milhões. Também são
atos de corrupção os pequenos desvios, a sonegação de impostos ou as propinas
para obter ou aceitar benefícios por meio do descumprimento dos deveres
cívicos. E a pequena corrupção, quando não é corrigida em tempo, abre caminho
para as grandes falcatruas.
A
corrupção primeira e mais grave é a da consciência moral. Toda pessoa traz em
si as noções básicas de bem e de mal e a capacidade de perceber o que é correto
ou detestável na conduta. Vários fatores podem ajudar a aprimorar ou a
deteriorar a sensibilidade da consciência, como a educação, o convívio social e
a cultura circunstante. Mas é, sobretudo, a prática repetida de ações
desonestas que leva à insensibilidade e à corrupção da consciência moral,
abrindo caminho para ações desonestas maiores.
Os atos e
fatos de corrupção estão relacionados com um grave problema ético e moral. São
fruto de um desvio de conduta caracterizado pela desonestidade e a falta de
senso de justiça. Além disso, decorrem da falta de solidariedade e da
insensibilidade em relação aos direitos e necessidades alheios. Será, ainda,
necessário dizer que a corrupção não combina com o bom caráter, a
confiabilidade e a honradez?
Em sua
visita a Nápoles, em 21 de março deste ano, o papa Francisco usou palavras
severas contra a corrupção e destacou a necessidade da vigilância constante,
para ninguém se corromper: “Todos nós temos a possibilidade de ser corruptos e
ninguém pode achar que está isento da tentação de enveredar por negócios
fáceis, por caminhos de delinquência e da exploração de pessoas”. E observou
que o conceito “corrupção” se refere a algo deteriorado, que perdeu a sua
genuinidade e deixou de ser bom e prestável: “A corrupção cheira mal; a
sociedade corrupta cheira mal”, concluiu o pontífice.
A
corrupção, talvez, nos faz pensar logo em desvios de dinheiro e de bens, mas
também existe a corrupção política, que é uma grave deterioração do sistema
democrático, pois desvirtua e trai os princípios da ética e as normas da justiça
social. Ela compromete gravemente a relação entre governantes e governados e
introduz uma crescente desconfiança em relação à própria política e aos seus
representantes, com o consequente enfraquecimento das instituições.
A
corrupção política distorce a origem e a razão de ser das instituições
representativas porque as usa como terreno para a barganha política de
solicitações clientelistas e favores dos governantes. Assim, as opções
políticas favorecem os objetivos restritos daqueles que possuem os meios para
influenciá-las e impedem a realização do bem comum de todos os cidadãos. A
política acaba transformada num pragmático balcão de negócios, ou num
instrumento de benemerências personalistas.
Ao se
unirem as duas formas de corrupção, a política e a econômica, surge um
combinado extremamente devastador da vida social. Não será por isso que tantos
cidadãos preferem, de maneira equivocada, a distância em relação à participação
na vida política? “Meter-se em política” significa, para muitas pessoas, o
mesmo que participar de negócios desonestos...
Existe
remédio para a corrupção? Certamente sim. É indispensável, desde a mais tenra
infância, a educação para a honestidade e o senso de justiça e solidariedade,
como também o discernimento crítico diante dos fatos públicos de corrupção e
desonestidade: estes não são bons exemplos a serem seguidos por crianças,
jovens e adultos. Mas também é necessário que a Justiça realize o seu curso e
chame às contas os agentes da corrupção. O maior estímulo para a corrupção
seria a convicção de que a desonestidade compensa e a honestidade é uma tolice.
Na bula
de proclamação do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia de Deus, de abril de
2015, o papa Francisco conclama os culpados de corrupção ao arrependimento e ao
pedido de perdão: “Esta praga apodrecida da sociedade é um pecado grave que
brada aos céus, porque mina as próprias bases da vida pessoal e social. A
corrupção impede de olhar para o futuro com esperança porque, com sua
prepotência e avidez, ela destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais
pobres”. Para erradicá-la da vida pessoal e social, são necessárias a
prudência, a vigilância constante aliada à fortaleza do caráter, a lealdade,
transparência e a coragem da denúncia. “Se não se combate abertamente (a
corrupção), mais cedo ou mais tarde ela nos faz seus cúmplices e nos destrói”
(n. 19).
*Dom
Odilo P. Scherer é cardeal-arcebispo de São Paulo
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