Bons professores fazem alunos ganhar mais
Felipe Machado - Veja - 29/10/2016Jonah Rockoff, de 41 anos, sempre quis descobrir qual a real diferença que um bom professor faz na vida de um aluno. Em 2004, o professor de finanças e economia da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, publicou um artigo sobre o tema, mas sentiu que algo faltava: era preciso medir não apenas o impacto sobre as notas, mas o sucesso financeiro dos estudantes orientados por bons profissionais de ensino. Rockoff, doutor em Economia por Harvard, uniu-se aos pesquisadores Raj Chetty e John Friedman, que trabalhavam com dados do Tesouro americano. Dessa forma, pôde cruzar as notas de milhões de alunos com as informações do imposto de renda. A conclusão é que não apenas há impacto como ele pode ser medido: a simples troca, por um ano, de um professor ruim por um mediano adicionaria 250.000 dólares aos salários que uma turma de 28 alunos de ensino fundamental ganharia ao longo de sua futura vida profissional. “A conclusão desses dados não vale apenas para os Estados Unidos. O raciocínio é o mesmo para outras realidades, inclusive o Brasil”, diz. Rockoff falou ao site de VEJA.
O estudo analisa o papel de professores no aumento da nota dos alunos em matemática e inglês. A diferença entre um bom profissional de ensino e um ruim é realmente significativa? Professores que melhoram o desempenho de seus alunos em matemática e inglês afetam positivamente a vida de seus alunos não apenas com o aumento das notas, mas também em outros aspectos, como no acesso à faculdade ou mesmo no aumento dos salários que os estudantes receberão quando entrarem no mercado de trabalho. Basta substituir um professor do ensino fundamental que está entre os 5% piores – de acordo com a média das notas de seus alunos – por um com desempenho mediano, durante um ano, para que, ao longo de suas vidas profissionais, esses estudantes ganhem, somados, 250.000 dólares a mais do que ganhariam se tivesse continuado com o professor ruim.
Pode-se creditar esse aumento exclusivamente a essa troca de professor? É possível que isso ocorra tanto porque matemática e inglês sejam valiosos no mercado de trabalho como porque esses professores sejam bons nessas disciplinas, mas também em outros aspectos que não medimos. Mas, no longo prazo, o que observamos foi que professores que estão melhorando as realizações nessas disciplinas estão também melhorando os resultados para esses alunos no mercado de trabalho. Em outras palavras: professores que conseguem elevar essas notas podem também ser bons em melhorar outras habilidades dos alunos.
Como foi possível definir a influência do professor, já que uma sala tem vários alunos e eles seguem rumos diferentes depois que saem da escola? Raj Chetty e John Friedman, meus colegas nessa pesquisa, são parte de um programa que está trabalhando com dados do Tesouro americano. Isso nos deu acesso a registros de imposto de renda. É possível identificar os estudantes de acordo dados como nome, data de nascimento e local em que vivem. Utilizamos informações de quase 2 milhões de pessoas. Foi possível acompanhar os registros dos indivíduos desde a infância até a vida adulta. Essas pessoas estavam na escola primária na década de 1990 e hoje estão no mercado de trabalho. O cruzamento de tanta informação permitiu ter um retrato bastante preciso.
Como foi possível fazer esse tipo de acompanhamento detalhado? Tivemos a felicidade de encontrar dados relacionados a alunos e professores que iam até a década de 1980. Na maior parte do mundo, essa coleta por um período mais longo de tempo não existia até recentemente, mesmo em países desenvolvidos. Medir o impacto de professores sobre os alunos no curto prazo não é novidade. Isso tem sido feito em muitos lugares, incluindo países emergentes. O que as pessoas não tinham feito era seguir a trajetória dos alunos desde a infância até a vida adulta.
Esse trabalho analisa o futuro profissional de alunos de um país rico, em uma cidade rica. É possível pensar que o haveria resultados semelhantes em locais com uma realidade diferente, como o Brasil? Nosso estudo considerou informações sobre pessoas de Nova York. A maior parte dos alunos de escolas públicas da cidade, em torno de 85%, é pobre. Quando se pensa em Nova York, as pessoas lembram do Empire State Building ou da ilha de Manhattan, mas a maioria dos moradores da cidade não está nessas áreas. Eles vivem em bairros como Brooklyn, Bronx e Queens e em partes ao norte de Manhattan, como o Harlem. Sim, há áreas de Nova York que são extremamente ricas, mas há centenas de milhares de crianças vivendo na pobreza. Não acho que temos o nível de pobreza de uma favela de São Paulo, por exemplo, mas muitas áreas são comparáveis. Assim, a conclusão desses dados não vale apenas para os Estados Unidos. O raciocínio é o mesmo para outras realidades, inclusive o Brasil.
“Professores que conseguem elevar as notas podem também ser bons em melhorar outras habilidades dos alunos”
O Brasil tem um teste anual padronizado, o Enem, para alunos que estão concluindo o ensino médio. Esse tipo de exame poderia ser usado? Eu não vejo como usar apenas um teste final de uma maneira muito precisa para avaliar professores. Nosso estudo, como muitos outros do tipo, é baseado em exames anuais. Para avaliar alguém que ensina na quarta série, por exemplo, temos notas dos exames no final do terceiro ano. Isso é muito importante porque os alunos chegam ao início do ano escolar com diferentes níveis de preparação e conhecimentos e sob influência da qualidade da educação que tiveram anteriormente. Depende muito dos recursos que eles têm fora da escola: o nível de escolaridade dos pais, o acesso a bens, o dinheiro disponível para se manter e para comprar livros e outros materiais de aprendizado. É necessário um teste de alta qualidade anual para fazer este tipo de trabalho.
Na prática, como um bom sistema de avaliação de desempenho de professor pode ser feito? Um exemplo aqui nos Estados Unidos é o de Washington, que tem um dos sistemas mais avançados do país. Nele, é usada uma análise estatística com base em testes padronizados para um grupo dos professores. Cerca de 20% dos professores passam por esse processo. Para os demais, eles se baseiam em avaliações das classes. São estabelecidas metas individualizadas para os alunos de cada um no início do ano escolar, com a aprovação do diretor da escola, administradores e de outros agentes. Em seguida, ao fim do ano escolar, avalia-se com cuidado os alunos para ver se eles as atingiram. Os professores recebem uma pontuação de acordo com o desempenho. Em Washington, tenta-se abordar a questão da qualidade do professor usando várias avaliações, e não depender apenas de um teste padronizado.
E como esses resultados são usados? Se os professores vão muito mal, perdem o emprego. E se vão muito bem, podem obter aumentos realmente grandes em seus salários. Usam-se os resultados como uma ferramenta que serve também como um plano de carreira para os professores.
Como esse sistema gera impacto na qualidade do ensino? A possibilidade de ganhar um aumento serve como incentivo para trabalhar duro e melhorar. E o trabalho também muda, com aumento de responsabilidades. Além disso, quem está no topo ajuda os colegas e age como “treinador” para os novos professores. Em muitas partes do mundo, o ensino não funciona dessa forma. O professor faz o mesmo trabalho todo ano, não evolui. Em Washington, tentaram quebrar esse modelo e fazer com que seu trabalho, seu status e suas responsabilidades mudem com o tempo. E, claro, se você muito mal, será demitido. Um ano com um desempenho muito ruim e você está automaticamente fora.
Existe outro fator além da possibilidade de progredir na carreira? Sim. Esse sistema acaba atraindo para o ensino pessoas que querem trabalhar duro, que sabem que o esforço será recompensado com ganhos expressivos nos salários. Pessoas ambiciosas, trabalhadoras e talentosas são um ganho para as crianças e sua comunidade. Esses profissionais têm muitas outras oportunidades para ganhar dinheiro. Se o ensino não lhes oferecer a oportunidade de ser bem-sucedido financeiramente, elas vão optar por outra carreira.
E tem funcionado? Em muitos critérios, o nível dos alunos melhorou bastante. É difícil provar que o sistema é o principal fator. Houve outras mudanças. De qualquer forma, ocorreram avanços que não se limitaram à melhora das notas. O governo teve sucesso no trabalho com o sindicato dos professores, que inicialmente era contra o sistema. Mas, nos últimos anos, as discussões para a tomada de decisões sobre como fazer avaliações e promoções evoluíram muito.
Qual seria o caminho para que um país comece a avaliar seus professores? Diferentes países têm diferentes problemas e diferentes pontos de partida. Uma coisa muito importante é ter um processo para medir a aprendizagem dos alunos. Meu palpite é que o tipo de exame (Enem) que o Brasil tem não daria conta dessa avaliação sozinho. Se há informações sobre onde os alunos estão, o que eles sabem e quanto aprendem, todos podem tomar melhores decisões. Pais podem escolher para qual escola enviar seus filhos e os professores enxergam melhor quais crianças precisam de mais atenção e ajuda – e o governo tem uma noção mais clara sobre quais as escolas e professores estão fazendo um bom trabalho.
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