sexta-feira, 21 de março de 2014

MARIA AUGUSTA DA NÓBREGA CESARINO.

Entrevista com a Profa.Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
Maria Aparecida Moura
Perspectivas em Ciência da Informação,
v.15, n.especial, p.64-85,nov. 2010 64

Entrevista com a professora Maria Augusta da
Nóbrega Cesarino, Diretora da Escola de
Biblioteconomia da UFMG de 1990 a 1994.
Maria Augusta da Nóbrega Cesarino1
Maria Aparecida Moura 2      
Docente da Escola de Biblioteconomia da UFMG por quase 30 anos,
Maria Augusta da Nóbrega Cesarino foi também vice- diretora de 1986 a
1990 e diretora no período de 1990 a 1994. A ex- diretora concedeu essa
entrevista à Professora Maria Aparecida Moura para Revista Perspectiva
em Ciência da Informação em 06 de julho de 2010.
Entrevistadora: Como se deu a sua escolha profissional no campo da
Ciência da Informação?
Profa. Maria Augusta: Cursei Biblioteconomia na UFMG, no
período de 1967-1969, época bastante conturbada da política brasileira e
com grandes reflexos nas universidades públicas. Por que fiz essa
escolha?
Nasci em Campanha, uma cidade bem pequena no Sul de Minas,
mas que foi numa determinada época, o berço cultural da região. Era e é
até hoje sede de bispado e contava com dois excelentes colégios
religiosos, o Colégio Sion para as meninas e um colégio canadense para
os meninos. Tive o privilégio de estudar no Sion, do curso primário ao
curso normal, em horário integral. O ensino era de ótima qualidade. Além
das disciplinas obrigatórias de qualquer colégio, tínhamos também inglês,
francês, latim, música, desenho, história do povo de Israel, economia
doméstica, bordado, piano e esporte. Mesmo com tudo isso havia uma
exigência grande em relação ao ensino de matemática e português. Eu
gostava das aulas de português, principalmente de literatura. O colégio
contava com uma excelente biblioteca e nela reinava a Mère Deodata,
numa sala linda e silenciosa, lendo o dia inteiro. Naquela época,
Campanha tinha menos de cinco mil habitantes na área urbana e três
livrarias, sendo uma delas em frente à minha casa. Nessa livraria
tínhamos caderneta, comprávamos à vontade sem que meu pai fizesse
qualquer objeção. Hoje vejo como as prioridades em minha família eram
bem definidas: alimentação, saúde, educação e cultura.
1 Professora aposentada da Escola de Ciência da Informação da UFMG
2 Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Professora Adjunta da Escola de Ciência da Informação
da UFMG. E-mail: mamoura@eci.ufmg.br
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
Maria Aparecida Moura
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A cidade contava também com a maior Diretoria de Correios e
Telégrafos de Minas. Minha mãe era professora primária e meu pai
telegrafista. Com seis filhos, para complementar a renda, ele era
representante de dois grandes jornais da época: o Estado de São Paulo (o
famoso Estadão) e o Correio da Manhã, jornal do Rio de Janeiro muito lido
e que não existe mais. Os jornais importantes dedicavam espaço para a
literatura com grandes cronistas e poetas. Meu pai representava também
algumas editoras como a Saraiva.
A televisão custou a chegar à cidade. O cinema era a grande
diversão, o próprio Cine Paradiso, mas só nos finais de semana. Meu avô
também lia muito. Com ele tomei contato, , com um grande clássico, A
Divina Comédia de Dante, numa edição em italiano com ilustrações de
Gustavo Doré. Fiquei fascinada com esse livro. Na casa do meu tio, o
médico da cidade, também se lia muito e de tudo, romances, biografias,
livros de viagens, dicionários (ele era apaixonado por dicionários) além
das revistas O Cruzeiro, Manchete, Alterosa, Capricho, Ilusão (e porque
não?).
A imagem que eu tinha do bibliotecário era daquele profissional que
passava os dias lendo numa biblioteca, e conversando com os leitores que
ali apareciam. A parte técnica da profissão não me interessava. Eu
imaginava que deveria ser mínima e simples porque o importante era ler e
conversar sobre livros. Nesse cenário, nada mais natural do que me
dirigir para o curso de Biblioteconomia. Eu não conhecia Belo Horizonte,
pois meus tios moravam no Rio de Janeiro e eu passava minhas férias lá.
Queria estudar no Rio, mas meu pai, preconceituosamente, disse que
naquela cidade ninguém levava nada a sério e se quisesse estudar
Biblioteconomia seria em Belo Horizonte onde meu irmão já morava e
fazia Medicina. Confesso que a minha escolha por essa carreira
decepcionou todo mundo: professores, família, amigos. Queriam que eu
fizesse Direito ou, pelo menos, Letras. Mas não me arrependi e nunca me
envergonhei da profissão ou de trabalhar em biblioteca.
Em março de 1967 comecei o curso de graduação na Escola de
Biblioteconomia da UFMG que funcionava no 6º andar do prédio da
Reitoria, já no campus da Pampulha. De início, o curso não era o que eu
imaginava. Algumas disciplinas técnicas eram monótonas. Em
compensação, as aulas de Literatura com a Prof.ª Ângela Vaz Leão
fascinavam a todas nós. Tínhamos Filosofia, História da Arte, Sociologia,
Paleografia. Das disciplinas técnicas, eu gostava imensamente de
Administração de Bibliotecas dada pela Prof.ª Etelvina Lima, que prendia
nossa atenção com seus exemplos, sua vivência internacional que ela
sabia tão bem analisar com olhar crítico adaptando para as nossas
bibliotecas escolares e públicas, suas preferidas, o que era realmente bom
e necessário para a nossa realidade. Aqui abro parênteses para relembrar
o que escrevi sobre ela na entrevista realizada em agosto de 1998: “Dona
Etelvina soube, como poucos, antecipar o futuro, mantendo vivas as lições
do passado e conhecendo bem o chão onde pisava.”. Eu gostava também
da disciplina Classificação que permitia visualizar uma área do
conhecimento, sua estrutura, seu vocabulário, as relações internas e
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externas. Esse prazer me encaminhou para o ensino de Indexação. Eu me
graduei em 1969, pois o curso era de três anos. Só depois da reforma
curricular de 1985 passou para quatro anos.
O currículo da época era ainda baseado no modelo clássico de uma
biblioteca nacional ou de uma biblioteca patrimonial, mas já incorporando
a orientação técnica ditada pelo modelo americano, voltado para as
bibliotecas escolares, públicas e universitárias. Entendo que a proposta
estava correta, pois se dirigia para a maior fatia do mercado de trabalho
do bibliotecário. Gostaria de ressaltar que estudo recente feito sobre o
mercado de trabalho do bibliotecário em São Paulo mostrou que essas
bibliotecas representam mais de 80% do mercado empregador, do
graduado em Biblioteconomia. Outro aspecto importante a destacar no
ensino da época é que os professores tinham, quase todos, experiência
profissional na área em que atuavam. Como a dedicação exclusiva só foi
implantada na década de 80 e os professores eram contratados em
regime de 12 horas ou de 24 horas, isso permitia a eles trabalharem em
diferentes tipos de bibliotecas. Dirigiam bibliotecas especializadas
(sobretudo jurídicas), universitárias, escolares e públicas. A falta da pósgraduação
formal era minimizada por aquela “sabedoria de experiências
feita” que completa os bons profissionais. Acrescento ainda que o bom
professor não se limitava a copiar o modelo da instituição vizinha, pois a
biblioteca da Escola era a melhor do país, assinava as revistas
internacionais mais relevantes alem dos melhores livros o que permitia a
atualização do corpo docente. Percebíamos isso quando a Escola recebia
visitantes estrangeiros e os nossos professores já conheciam o
pensamento deles através da leitura de seus livros e artigos.
Paralelamente ao curso de graduação, de 1967 a 1969 fui bolsista
da Fundação Ford e fiz estágio na biblioteca do curso de mestrado em
Ciências Políticas que funcionava no 7º andar do prédio da Reitoria. ..
Posso dizer que foi o meu batismo de fogo no atendimento ao usuário. Era
o período áureo do curso de Ciências Políticas, com vários alunos e
professores que, mais tarde, ocuparam postos significativos na vida
política e acadêmica do país. Eram leitores exigentes e críticos em relação
a tudo inclusive à prática bibliotecária. Para mim, esse estágio funcionou
como uma verdadeira escola.
De 1969 a 1971, trabalhei no Conselho de Pesquisas, hoje Pró-
Reitoria de Pesquisas, elaborando um banco de dados dos pesquisadores
da UFMG formado principalmente de professores do Instituto de Ciências
Exatas, de Ciências Biológicas, nomes da Escola de Medicina, da
Veterinária, da Engenharia e da Fafich. Esse trabalho me deu uma visão
ampla da pesquisa que estava sendo desenvolvida na UFMG: as áreas, os
principais grupos, os temas pesquisados, os periódicos onde se publicava.
Foi uma experiência privilegiada conviver com aqueles que eram os
leitores exigentes e valorizavam as bibliotecas.
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O período da ditadura militar e o curso de mestrado em Ciência da
Informação realizado no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia- IBICT.
Em 1974, fui aceita pela Case Western Reserve University, de
Cleveland para o curso de mestrado em Ciência da Informação, com bolsa
da CAPES. Ocorre que, nessa época, o Brasil vivia o período dos “anos de
chumbo”, um dos mais duros da ditadura militar, tendo como presidente o
General Emílio Garrastazu Médici. Continuavam as prisões, torturas,
mortes, desaparecimentos, demissões. Em 1973, eu havia sido presa,
dentro do prédio da Escola, no intervalo de aula, pelo DOI-CODI, grupo
especial criado pelo governo Costa e Silva e que atuou duramente nas
atividades de repressão durante o governo Médici, sendo acusada de
tramar contra o governo militar e pertencer à APML do B, uma dissidência
da Ação Popular (AP) da qual eu nunca havia ouvido falar. Fui acusada
também de participar de um grupo da universidade que tinha um trabalho
conjunto com o movimento operário da Cidade Industrial, coisa que eu
também desconhecia. Isso não tinha a menor importância, pois se
tratava, na verdade, de criar fatos e ligações ainda que falsas para
justificar uma prisão, um julgamento e, certamente, atemorizar a
comunidade universitária. O que deveria se limitar a alguns dias de prisão
na 4ª. Cia. de Comunicações do Exercito que funcionava próximo ao
campus da UFMG, acabou por se transformar em julgamento pela Justiça
Militar, em 1975, quando fui absolvida das acusações.
Ainda em 1975, pouco antes do julgamento e faltando dois meses
para a viagem, a CAPES cancelou a minha bolsa através de um ofício
apenas rubricado, sem assinatura. Fui impedida de sair do país. Só
poderia fazê-lo clandestinamente e seria julgada à revelia. Fiz então o
mestrado do IBICT, que era quase uma filial de Cleveland, pois vários
professores vinham de lá. Eu me interessei pelas aulas do Prof. Tefko
Saracevic, pela metodologia de ensino por ele adotada e, sobretudo pelo
estudo dos canais de comunicação na ciência e na tecnologia, os formais e
os informais. O estudo desses canais, principalmente dos informais, nos
faz entender melhor o fenômeno da internet, as suas limitações e suas
extraordinárias vantagens. Tive duas disciplinas com o Prof. Lancaster,
um dos principais nomes da área de Tratamento da Informação. Eu já
conhecia os textos do Prof. Lancaster e pude aproveitar melhor suas
aulas. Alguns colegas que vinham de universidades que ainda nem tinham
começado a abordar os sistemas de recuperação da informação e a área
de Tratamento, sentiam mais dificuldades, assim como aqueles que
tinham outra formação. A biblioteca da Escola de Biblioteconomia da
UFMG era bem superior à do IBICT e eu vinha muito aqui para fazer
minhas leituras e pesquisas. A disciplina de Teoria da Classificação, dada
pela Prof. Ingetraut Dahlberg, da Universidade de Frankfurt também era
ótima. Nessa universidade, a disciplina fazia parte do currículo de
Filosofia.
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A minha dissertação de mestrado tratou do fluxo de informação no
BDMG e foi desenvolvida a pedido da própria instituição. Eu a conclui,
mas não a defendi. No final de 1978, o IBICT passou por grande crise
institucional, a pessoa que seria minha orientadora saiu da instituição e eu
fiquei meio órfã. Na verdade, a não apresentação desse trabalho foi
indesculpável. Não terminar o mestrado e não fazer o doutorado fica por
conta daqueles erros que se comete e só se arrepende mais tarde. Fazer o
doutorado, de preferência numa boa universidade do exterior, abre portas
e confere autoridade. Isso me lembra o comentário meio irônico de uma
queridíssima mestra, ela própria detentora de um brilhante doutorado na
Europa que dizia: a pós-graduação no exterior melhora os bons e piora os
maus profissionais, conferindo-lhes vaidade e arrogância, sem nenhuma
efetiva contribuição ao país que pagou, com sacrifício, por essa formação.
Não sei se a pós-graduação teria me encaminhado para a pesquisa,
o fato é que me voltei mais para o ensino e a administração. E a
experiência em administração universitária, embora bastante específica,
me deu régua e compasso para, mais tarde, administrar a rede de
bibliotecas públicas de Minas Gerais, trabalho que me proporcionou um
grande prazer, além do sentimento de realização profissional e a sensação
do dever cumprido por ter participado, com bons resultados, da
construção da cidadania nesse país.
Entrevistadora: Mas como foi essa transição entre a formação em
Biblioteconomia e o fato de se tornar professora da Escola?
Profa. Maria Augusta - Minha carreira acadêmica começou em
1970. Eu havia me graduado em 1969. No ano seguinte fui para o Rio de
Janeiro com uma colega e colocamos um anúncio no Jornal do Brasil que
era o principal jornal carioca da época: “Bibliotecárias graduadas se
oferecem...”. Recebemos uma proposta do SESC para planejar, implantar,
organizar e treinar pessoal para a biblioteca do clube de campo da
Instituição, recém inaugurado. Ficava em Petrópolis e era muito bonito. A
proposta era bem avançada para a época e acho que ainda é. Quantos
clubes pensam em montar uma biblioteca para seus associados como
opção de lazer? Nessa ocasião, a UFMG abriu concurso para a vaga de
professor auxiliar de ensino na área de Documentação que era voltada
para a informação especializada e para as instituições que, no fundo,
desempenhavam as mesmas tarefas das bibliotecas especializadas, mas
se intitulavam centros de documentação, centros de análise da
informação, núcleos de informação. Desisti do SESC, voltei, fiz o concurso
e comecei minha carreira acadêmica no Departamento de Bibliografia e
Documentação. Comecei como auxiliar de ensino, em 1977 fiz um
concurso público para professor assistente e mais tarde concurso de
títulos para professor-adjunto. Passei pelos regimes de 12 horas, de 24
horas e só em 1978 fui contratada em regime de dedicação exclusiva.
Entrevistadora: Que disciplinas a senhora lecionava?
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Profa. Maria Augusta: Lecionei por vários anos as disciplinas
Introdução à Documentação e Documentação. Esta era oferecida no
último semestre e buscava aplicar ao ambiente da biblioteca especializada
e dos centros de documentação vários itens técnicos que já tinham sido
ensinados antes, como seleção de acervos (livros, documentos, relatórios,
materiais especiais como mapas, plantas, fotos) indexação, estudo de
usuário, treinamento de usuário, serviços de disseminação da informação,
etc. Era uma disciplina síntese voltada para a informação especializada.
Outra disciplina que foi para mim um grande desafio, mas me deu imenso
prazer criá-la, levantar a bibliografia básica, traduzir e elaborar textos,
descobrir uma metodologia interessante e eficaz foi Indexação (na
graduação) e Princípios e Prática de Indexação (para o curso de
mestrado). Lecionei também várias outras disciplinas, optativas e
obrigatórias. Lembro- me de Reprografia, Organização e Funcionamento
de Bibliotecas de Empresas, Serviços de Documentação em Bibliotecas
Especializadas, Informação e Biblioteconomia, Disseminação da
Informação, Educação de Usuário. Orientei trabalhos de conclusão de
curso. Este era um momento ímpar de reflexão e amadurecimento do
aluno mas foi eliminado na reforma curricular de 85 e substituído pelo
trabalho final de planejamento, o que não era a mesma coisa. Penso que
a eliminação do TCC foi uma grande perda para o aluno, embora o corpo
discente tivesse feito a maior pressão para que a disciplina fosse extinta.
Destaco também três experiências interessantes fora de Minas. Na
Universidade do Amazonas, como parte de um curso de especialização
ofertado pela CAPES aos bibliotecários, lecionei Indexação, com 75 horas
concentradas em três semanas. O calor era brutal, as condições precárias
(as aulas eram dadas no período das 7horas às 13 horas), mas o interesse
dos alunos era compensador. Todos chegavam no horário e vários
ficavam após as 13 horas buscando mais informações e apresentando
experiências diversas. Aprendi muitíssimo com eles. Lecionei também. à
disciplina Educação e Treinamento de Usuário para a Universidade de
Pernambuco como parte de um curso de aperfeiçoamento. Estavam
matriculados e presentes mais de 100 alunos. Foi um grande desafio
atender às expectativas de um publico tão diversificado, vindo de
bibliotecas tão diferentes, mas muito interessados em aprender. A
terceira experiência deve ser destacada pelo seu ineditismo na época. Em
1983, a CAPES e a ABEAS (Associação Brasileira de Educação Agrícola
Superior) montaram um curso de aperfeiçoamento por tutoria à distância
para bibliotecários com atuação na área de ciências agrárias. Eram nove
módulos. Cada professor desenvolveu um texto que deveria ser bem
didático, bem claro, com exemplos da área e com uma bibliografia básica.
O curso teve dois encontros presenciais, de três dias cada, com os
professores presentes para dar uma aula síntese de seu módulo e
esclarecer dúvidas. Muitas delas já tinham sido esclarecidas por correio.
Fiquei responsável pelo módulo Tratamento e Recuperação da Informação.
O curso atingiu mais de 300 participantes, pois foi aberto a bibliotecários
de outras áreas. Posteriormente os textos foram muito utilizados nos
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cursos regulares de graduação em Biblioteconomia. Era um embrião dos
cursos on-line, mais uma aplicação excelente do uso da Internet.
Sempre que possível, aceitei convite para lecionar em cursos de
atualização para bibliotecários oferecidos pela ABMG. São experiências
interessantes, pois trazem retorno daqueles que enfrentam muitas
dificuldades no exercício profissional e encontram soluções criativas para
garantir a melhoria ou, algumas vezes, a própria sobrevivência da
biblioteca. Enfim, a docência foi à parte que mais prazer me deu em
minha carreira acadêmica. Era considerada uma professora exigente,
rígida, mas justa. Gostava de responder às dúvidas dos alunos, passar
minhas experiências, orientar trabalhos, preparar aulas. Mesmo que a
disciplina fosse à mesma, fazia alterações no programa, nos exercícios, na
bibliografia recomendada.
E fiquei feliz com o reconhecimento dos alunos ao ser escolhida
paraninfa várias vezes e homenageada outras tantas. Numa das vezes
em que fui paraninfa, logo após a minha prisão, veio uma recomendação
da reitoria de que a cerimônia poderia acontecer desde que eu não
falasse. O Prof. Francisco Iglésias, homenageado da turma, falou por
mim, tudo que eu gostaria de falar e muito melhor.
Entrevistadora: Em que momento surgiu a necessidade de ter uma
produção nacional sobre os tópicos aos quais a senhora se dedicou?
Profa. Maria Augusta: Uma preocupação que sempre tive como
professora foi a de redigir textos técnicos que orientassem os alunos.
Também fiz a tradução de vários artigos pois, embora o acervo da
biblioteca fosse excelente, quase tudo era em inglês e a grande maioria
dos alunos da graduação não tinha domínio da língua.
Meus trabalhos publicados não são muitos. Escrevi artigos sobre
assuntos das áreas em que lecionei como Centros de Documentação,
Tratamento da Informação, Sistemas de Recuperação da Informação.
Escrevi também artigos sobre o ensino de Biblioteconomia e outros em
decorrência dos cargos que ocupei. Elaborei muitos textos didáticos para
uso em sala de aula. Alguns dos trabalhos publicados foram
significativos porque geraram metodologias depois repetidas em outras
instituições. Os artigos da área de indexação, escritos em parceria com a
Prof.ª Cristina M. Ferreira Pinto, nasceram da grande necessidade que
sentíamos de produzir textos didáticos que fossem acessíveis aos alunos e
apresentassem os princípios básicos da indexação. Havia, na época
pouquíssimos textos básicos em língua portuguesa e dentro da nossa
realidade. A biblioteca da Escola adquiriu excelentes livros sobre
Tratamento da Informação, mas todos em inglês. Os princípios não eram
apresentados de forma didática e estavam dispersos dentro de vários
capítulos. O mesmo acontecia com os princípios da Recuperação da
Informação. As aulas de Indexação para o curso de pós-graduação
geraram um numero especial da revista sobre esse tema cujos tópicos
ainda são muito pertinentes.
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Entrevistadora: De que modo que a senhora foi se encaminhando
para a atividade de gestora de unidade de ensino na UFMG e
posteriormente a outros setores da gestão pública?
Profa. Maria Augusta - Posso dividir a minha atuação na área
administrativa em dois momentos: na Escola de Biblioteconomia e na
UFMG. Na Escola de Biblioteconomia ocupei vários cargos. Isto era mais
ou menos comum. A Escola sempre teve um corpo docente pequeno
para as suas necessidades, pois o numero de vagas decorria da relação
entre o número de alunos X número de disciplinas X número de
professores. O fato de ser uma escola e não um departamento trazia
inúmeras vantagens, mas o preço era alto em termos de cargos
administrativos. A estrutura básica de uma grande escola ou de uma
escola pequena era a mesma. Como estávamos dispostos a pagar esse
preço, cada um arcava com a sua cota. Para alguns, essa cota
representava um grande sacrifício, para outros nem tanto. Eu gostava
mais da sala de aula, mas ocupar um cargo administrativo era também
importante para que todos nós, e, por conseguinte, a Escola atingisse o
seu objetivo e se tornasse cada vez mais reconhecida e respeitada dentro
e fora da Universidade. Fui chefe de departamento, coordenadora do
colegiado de coordenação didática do curso de graduação, vice-diretora e
diretora. Os dois primeiros cargos não eram remunerados quando eu os
ocupei. E em todos eles continuei com os encargos docentes como era
normal naquela época e ainda é até hoje, penso eu. Fiz parte do Conselho
Editorial da Revista da Escola, do CENEX, do Colegiado de Graduação e de
Pós-Graduação, de diversas comissões internas, bancas de concursos e de
exames de seleção para o curso de mestrado. Presidi a comissão formada
para organizar as comemorações dos 30 anos da Escola. Dessas
comemorações, duas palestras foram excelentes: do Prof. Edgar da Matta
Machado falando sobre a função social do livro e do Prof. Darcy Ribeiro, já
de volta ao Brasil, que falou sobre Educação e Leitura.
Destaco o período em que dirigi o colegiado do curso de graduação,
no momento da grande reforma curricular que alterou a estrutura dos
departamentos e, digamos assim, a correlação de forças dentro da Escola.
Havia um grande departamento – o de Biblioteconomia- e outro bem
menor – o de Bibliografia e Documentação. Ambos se tornaram
equivalentes em termos de numero de docentes. Hoje tal problema parece
insignificante, mas, na ocasião, tomou grandes proporções e precisou ser
administrado com muita habilidade. Contei com o inestimável apoio da
nossa querida Eliedir, a secretária que todas nós queríamos. O curso
passou de três para quatro anos. A maioria das disciplinas teve sua carga
horária modificada. Algumas para mais, outras para menos. Disciplinas
novas foram criadas, outras fundidas e muitas extintas. Essa grande
reforma veio em decorrência das alterações do currículo mínimo e
refletiam mudanças que internamente já estávamos fazendo. Uma das
pessoas que conduziu a mudança curricular em plano nacional foi a Prof.ª
Ana Maria Athayde Polke.
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Um pouco da história do currículo de Biblioteconomia na UFMG está
contido no artigo escrito por mim e pela Prof.ª Márcia Milton Vianna e
publicado no número especial da nossa revista, comemorando os 40 anos
da Escola. Vou apenas sintetizar aqui o que dissemos na introdução do
artigo porque considero que essa forma de pensar ainda é válida.
Ressaltamos que um currículo reflete a sua época, sofre as influências do
estágio de maturidade em que se encontra a área do conhecimento, da
visão política e ideológica da instituição, dos recursos humanos que vão
implantá-lo, dos recursos financeiros disponíveis para sustentá-lo. Um
currículo pleno é a “cara” da instituição. É ilusão querê-lo melhor do que a
Escola, mas também não se deve aceitá-lo mais fraco. Não existe um
currículo harmônico e de perfeito consenso. Além de incorporar as
diferenças daqueles que o elaboraram, incorpora também o pensamento,
as experiências e as práticas daqueles que vão executá-lo no dia a dia.
Dirigi a Escola de Biblioteconomia (o nome ainda não havia sido
alterado) no período de 1990 a 1994 juntamente com a Prof. Jeannette
Kremer, bibliotecária experiente que havia sido muito bem sucedida na
gestão do centro de documentação da USIMINAS, um modelo nacional de
centro de análise de informação em Siderurgia. Professora e pesquisadora
reconhecida em todo o país, com quem sempre pude contar. Agradeço
muitíssimo a ela pelo apoio recebido nos bons momentos e nos momentos
de crise e pelo seu forte senso de compromisso com a Instituição.
Procuramos seguir o exemplo da Prof.ª Etelvina Lima, incutindo a
dimensão acadêmica na função administrativa.
A minha posse aconteceu no auditório do prédio recém inaugurado
da Escola, grande conquista da Prof. Marília Gardini, de quem fui vicediretora.
A cerimônia foi presidida pela Prof.ª Vanessa Guimarães e
contou com a presença de todo o corpo dirigente do reitorado além de
muitos diretores e bibliotecários nos quais reconheci alunos queridos e
colegas da área, sobretudo da rede de bibliotecas da UFMG, a qual eu
havia coordenado pouco antes de assumir a direção da Escola. Contou
com a presença do Administrador Regional da Pampulha que recebeu
convite e veio pedir apoio para a criação de uma biblioteca pública na
região e para as bibliotecas das escolas municipais. Na verdade, as
presenças indicavam , mais do que prestígio pessoal, o reconhecimento ao
trabalho da Unidade. Além disso, uma das marcas da administração da
Prof.ª Vanessa foi o espírito de equipe. O reitorado comparecia e
prestigiava os eventos das unidades, bem como os eventos internos e
externos da Universidade. A liderança da Prof.ª Vanessa era realmente
admirável. Um fato curioso da minha posse foi que o meu discurso
surpreendeu a muitos professores de outras unidades, principalmente da
Letras e da FAE. Comecei o discurso lendo o poema de Carlos Drummond
de Andrade chamado “A Biblioteca Internacional de Obras Célebres” que é
grande e eu fui temerária o bastante para lê-lo inteiro sem que a platéia
dormisse. Depois citei Borges, Guimarães Rosa, França Junior, Humberto
Eco, Caetano Veloso e terminei com versos de Geir Campos que julguei
apropriados para a crise que se avizinhava. Defendi a idéia de que o
acesso à leitura e à informação são condições básicas para o exercício
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
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pleno da cidadania e todo e qualquer cidadão deve ter garantido também
o acesso à Cultura. Esta, por sua vez, deveria ser sempre humanizante e
transformadora. Destaquei o papel do bibliotecário como participante
desse processo, como agente formador e não apenas gestor. Ressaltei as
tecnologias da informação como instrumentos e não um fim em si mesmo.
Dominá-las era necessário, mas tendo muito claro para que fim e a quem
servir. Fiquei surpresa quando uma professora me disse que não
imaginava que bibliotecários se interessassem por literatura e pela área
da cultura, pois os discursos que ouvia eram sempre tão técnicos.
Comecei a fazer Biblioteconomia porque gostava muito de ler textos
literários, e nada no curso, exceto as aulas de D. Ângela, me levou por
esse caminho, ainda assim o prazer da leitura correu paralelo. E terminei
o meu ciclo de atividades administrativas como gestora de uma área da
cultura, tão necessária ao país e tão pouco valorizada nas academias,
como é a biblioteca pública.
Ao refletir sobre isso, eu me lembro de Jesse Shera, autor clássico
da Ciência da Informação que escreveu um dos artigos mais lidos da área
comparando essa recém criada ciência com suas antecessoras a
Biblioteconomia e a Documentação. Ele dizia acreditar que os desafios
apresentados pela Ciência da Informação à Biblioteconomia fariam com
que o bibliotecário retomasse o seu papel de profissional erudito (no
melhor sentido do termo), ou seja, aquele que se interessa e conhece o
conteúdo da área em que vai aplicar seus conhecimentos relativos à
organização e à recuperação da informação. Com isso trago à tona uma
questão não discutida e mal resolvida da biblioteconomia brasileira que é
o duplo conhecimento. Essa questão, internacionalmente, está posta
desde o inicio das cisões ocorridas na área. O surgimento da
documentação se deu quando engenheiros, químicos, médicos, atuando
em sistemas de informação de suas respectivas áreas, sobretudo com
bibliografias especializadas, se recusavam a aceitar que estavam
trabalhando como bibliotecários e propuseram uma nova terminologia.
Shera disse mais ainda, que as novas técnicas e as novas tecnologias
usadas pela Ciência da Informação poderiam ser aplicadas tanta à área de
energia nuclear como a um conjunto de livros de literatura infantil.
No âmbito da UFMG, vivi experiências enriquecedoras e convivi com
pessoas notáveis. Logo no inicio da minha carreira docente, fui indicada
pelo Prof. Rubens Romanelli, da Faculdade de Letras e, na época, diretor
do Conselho de Extensão (, hoje Pró-Reitoria de Extensão) para fazer
parte do recém-criado Serviço de Documentação das Artes na UFMG, que
deveria inventariar o acervo da Instituição. Em 1974, fui indicada pelo
Reitor Prof. Cisalpino para fazer parte da Comissão Editorial da
Universidade, juntamente com o Prof. Francisco Iglésias e Ramayana
Gazzinelli. Na mesma ocasião fui indicada também para participar do
Núcleo de Assessoramento Pedagógico da Universidade, coordenado pela
Prof.ª Maria Lisboa. Participávamos pela Escola, eu e a Prof.ª Ana Maria
Athayde Polke. Essa participação gerou o primeiro estudo feito no Brasil
analisando o mercado de trabalho do bibliotecário. Estudamos os
bibliotecários que atuavam em Belo Horizonte, onde estavam 50% dos
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
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Perspectivas em Ciência da Informação, v.15, n.especial, p.64-85,nov. 2010
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alunos graduados pela UFMG, no período de 1950 a 1974. A metodologia
adotada por nós foi depois multiplicada em vários estados. Infelizmente,
na ocasião, nem o Conselho Federal de Biblioteconomia nem a FEBAB
tiveram condições de unir esses estudos isolados e gerar um quadro
nacional do mercado. Outro trabalho nosso no NAP foi à análise do corpo
discente da Escola de Biblioteconomia, contendo o perfil sócio econômico
dos alunos, a expectativa em relação à profissão, a opinião em relação à
Escola, aos professores, instalações e currículo. Os dois trabalhos foram
publicados em nossa revista. O estudo de mercado foi apresentado no
Congresso Nacional de Biblioteconomia em 1975, em Brasília.
Esperávamos que a descrição do perfil do bibliotecário gerasse bastante
polêmica, mas isso não ocorreu.
Na gestão do Prof. Cid Veloso, participei do Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão (CEPE) como membro da Câmara de Graduação,
inicialmente sob a direção do Prof. Mauro Mendes Braga e depois da Prof.ª
Vanessa Guimarães, ambos excelentes gestores que conheciam o ensino
de graduação como poucos. Nesse período, a Câmara de Graduação fez a
revisão das normas acadêmicas que regulavam o ensino de graduação.
Essa revisão era absolutamente necessária, pois os cursos apresentavam
inúmeros problemas, alguns deles com índice altíssimo de retenção de
alunos, outros com muitas vagas ociosas. O curso de Biblioteconomia
tinha pouca retenção, mas o índice de evasão em função dos pedidos de
reopção era alarmante. Currículos eram mal elaborados com cadeias de
pré-requisitos que asfixiavam os alunos. Um número grande de discentes
permanecia na universidade o dobro, até mesmo o triplo de tempo
necessário para a obtenção de seu titulo sem cumprir nem a metade do
currículo e inteiramente despreocupados em relação a isso. Havia o tabu
do “jubilamento”, herança do período da ditadura. Foi um trabalho árduo,
mas extremamente gratificante. As normas acadêmicas, tais como os
currículos, refletem a posição política e pedagógica da instituição naquele
momento e como tal devem permanentemente ser revisadas. Entretanto,
depois de anos de estagnação, esse trabalho de analisar profundamente
os currículos, os problemas relativos ao fluxo de entrada e saída dos
alunos, a criação de uma nova metodologia para esse tipo de análise
mostrou que normas não são imutáveis, podem ser flexíveis e
constantemente aperfeiçoadas, melhorando bastante a relação do aluno
com seu curso. Ainda como membro do CEPE participei da comissão
organizadora de uma série de seminários tratando da Política Acadêmica,
Administrativa e Avaliação Institucional da UFMG. Alguns deles abordaram
assuntos bem polêmicos na ocasião como normatização da prestação de
serviços, o papel das fundações, o ensino de 2º. Grau na UFMG. Penso
que CEPE e Conselho Universitário são grandes escolas para a formação
de um gestor universitário. Participar desses órgãos é um privilégio, se o
professor assim o entender e tiver interesse em conhecer a riqueza de
uma grande universidade.
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
Maria Aparecida Moura
Perspectivas em Ciência da Informação, v.15, n.especial, p.64-85,nov. 2010
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Entrevistadora: Qual era o perfil dos professores, funcionários e
alunos da Escola à época?
Profa. Maria Augusta: Na década de 90, o corpo docente era
constituído, em sua maioria, de profissionais graduados em
Biblioteconomia. Muitos com mestrado e doutorado na mesma área.
Durante minha gestão como diretora, houve aposentadoria em massa
tanto de professores como de funcionários. E a reposição só melhorou a
partir de 93. Nesse final da gestão, a reitoria conseguiu recursos para
investir mais na qualificação docente e do técnico administrativo. Os
funcionários técnicos administrativos formavam um corpo reduzido de
pessoas que trabalhavam arduamente. Minha política era ter uma equipe
pequena, competente e dedicada a ter equipe grande, mas com pessoas
que já haviam causado inúmeros problemas em outras unidades.
Funcionários e professores cumpriam horário. Era inadmissível que um
setor de atendimento ao público não estivesse de portas abertas no
horário pré-determinado para que isso acontecesse. Permitir que
funcionário e professor fizessem seu próprio horário independente do
interesse da instituição e de sua comunidade revelava não apenas o
descompromisso do funcionário, mas a ausência de direção. A pressão por
melhor qualificação do corpo docente era grande e os recursos vieram.
Entretanto, o desejo e a necessidade, ambos bastante compreensíveis,
tanto dos professores como da Escola por qualificação aumentou um
problema que já existia. O professor fazia concurso para determinada
área e se candidatava ao doutorado para outra, gerando, na sua volta,
uma esquizofrenia que prejudicava a ambos, pois continuava lecionando a
disciplina para a qual havia feito concurso e seguia sua carreira de
pesquisador na área do doutorado. O desinteresse pelo ensino da
graduação se refletia na repetição de programas e bibliografias quando a
Escola esperava uma visão diferente ou pelo menos mais atualizada da
área. A área de Tratamento da Informação sentiu bem tal questão, o que
talvez explique a manutenção por anos dos mesmos textos e programas.
Os interesses individuais por determinados temas de pesquisa
também geraram problema. Nem sempre o pesquisador, mesmo sendo
bom, conseguia aglutinar à sua volta seguidores interessados em formar
uma massa critica na área o que tornava a pesquisa e o ensino daqueles
assuntos frágeis e sem garantia de continuidade. As Pró-Reitorias de
Pesquisa e de Extensão nos alertaram, mostrando a necessidade da
Unidade concentrar esforços em áreas prioritárias de modo a produzir um
conhecimento de excelência naqueles temas e formar equipes. Na
verdade, os dois problemas foram gerados por um sentimento muito forte
na época que aparecia como um grande conflito: a liberdade de escolha
do pesquisador versus a política da Instituição. Espero que tais questões
tenham sido superadas. Deixei a direção com um sentimento de
frustração em relação à criação de um núcleo voltado para o estudo das
questões relacionadas à leitura e transferência de informação em
bibliotecas públicas, escolares e comunitárias. Houve um antagonismo
inexplicável entre o grupo dito “social’ e o grupo “tecnológico”. A
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aprovação do núcleo voltado para a indústria se deu numa reunião nada
tranqüila da Congregação. A competência, persistência e habilidade do
Prof. Afrânio Carvalho de Aguiar foram o fiel da balança. Essa disputa era
um falso problema. Havia espaço e interesse da Escola para que as duas
linhas se desenvolvessem e se completassem. O curso de pós-graduação
já vinha produzindo pesquisas e teses sobre as questões que afetavam o
acesso à leitura, a organização da documentação popular, os problemas
das bibliotecas comunitárias. Era uma questão de sistematizar a área e
conseguir recursos financeiros. Essa disputa me lembra dois comentários.
Na ocasião, um professor muito competente e respeitado da área de C&T
disse, ironicamente que “ Na área de Ciências Sociais, as pessoas gostam
mais dos problemas do que das soluções.” Penso que este é um raciocínio
muito simplista. Talvez as questões nessa área sejam mais complexas e,
certamente há menos recursos financeiros para estudá-las. Mas o
comentário seguinte, feito por um dos nossos secretários da Cultura
quando eu já estava na Biblioteca Pública não é totalmente destituído de
fundamento. Pelo contrário. Dizia ele que 80% dos problemas com que
lidamos na área pública são criados pelas pessoas que ali estão para
resolvê-los. Embora haja muito de verdade nesse comentário,acho que o
percentual não é tão alto assim .
Entrevistadora: E a visibilidade da Escola fora da UFMG?
Profa.Maria Augusta: Como excelência e relevância social são dois
parâmetros para se avaliar o desempenho de uma escola, e relevância
social exige relação estreita com a sociedade visando encontrar, com ela,
soluções para os problemas, busquei fazer essa aproximação. A Escola
participou ativamente de encontros sobre bibliotecas escolares e
bibliotecas públicas juntamente com a ABMG e com o CRB, apresentou
projetos à Secretaria Municipal de Cultura para criar bibliotecas
comunitárias nos bairros de atuação do carro, participou da realização do
Biblos, congresso nacional de Biblioteconomia realizado em 1994 que
deixou marca significativa na área de leitura.
A escola de Biblioteconomia sempre foi muito respeitada dentro da
UFMG. Tinha visibilidade como instituição, mas isso não significava uma
linha institucional de trabalho acadêmico em conjunto com outra unidade,
como poderia ocorrer, por exemplo, com a FAE ou com a FALE ou
qualquer outra. Havia evidentemente professores que trabalhavam com
colegas de outras unidades, faziam pesquisas, publicavam artigos em coautoria,
mas eram bem poucos e esse trabalho era resultante mais de
uma ação individual. Fora da UFMG, a Escola tinha grande visibilidade
dentro da comunidade acadêmica formada pelos cursos de
Biblioteconomia. Era uma das três únicas escolas do país no conjunto de
mais de 30 cursos, ou seja, uma unidade independente com orçamento
próprio, poder próprio, assento garantido junto aos órgãos colegiado
superiores da Universidade o que não ocorreria se fosse apenas um
departamento ou, menos ainda, um curso dentro de um departamento.
Um corpo docente em dedicação exclusiva, bem qualificado, prédio
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próprio muito bom especialmente planejado para suas necessidades, com
ótima infra-estrutura, considerando as condições das demais, bons
laboratórios e, principalmente, uma excelente biblioteca, numa época em
que a internet ainda era parte do futuro e não do cotidiano. Sua ótima
revista que sobrevivia mesmo em momentos de crise financeira,
mantendo a periodicidade regular e a qualidade dos artigos, era um
excelente instrumento de divulgação dos seus cursos. E ainda, era parte
integrante de uma das maiores universidades públicas do país o que fazia
uma enorme diferença.
O carro biblioteca tão importante para a Escola aumentava essa
visibilidade e conferia à instituição um selo de ação social voltada para
áreas carentes de acesso à leitura. O seu desempenho era sensacional,
com uma procura intensa por parte dos moradores, uma estatística de uso
impressionante. Os alunos gostavam de estagiar ali, embora a
remuneração fosse mínima. A equipe de funcionários liderada pela
bibliotecária Marlene Edith era competente e dedicadíssima. Dois
problemas, entretanto, persistiam, o carro não conseguia fazer o trabalho
de conscientizar o bairro para uma luta política: exigir do poder público
municipal a criação da biblioteca pública que ficasse aberta todos os dias e
não apenas uma vez por semana ou até de 15 em 15 dias. O trabalho de
rotina era grande, mas, na verdade, faltava à Escola de Biblioteconomia
conhecimento de como fazer essa ação de conscientização da comunidade
para o atendimento a um direito cultural básico que era o acesso à leitura,
quais os parceiros nessa ação, quais os canais do poder público a ser
abordados. Porque isso acontecia? Penso que por dois motivos. Em
primeiro lugar, o bibliotecário, por sua formação, nunca deu a devida
importância à ação política, não sabendo como conduzi-la e a confundindo
com política partidária. Em segundo lugar, o carro não era prioridade nos
conteúdos dos programas de graduação nem de pós-graduação, ou seja,
embora importantíssimo, suas atividades não decorriam do ensino ou da
pesquisa. Assim sendo, atuava paternalisticamente permanecendo no
mesmo bairro por mais de 10 anos, substituindo a biblioteca, mas não
ajudando a comunidade a criar a sua própria. Acredito que esse panorama
já tenha mudado.
Entrevistadora: Que dificuldades e que conquistas a senhora
destacaria ao longo de sua gestão?
Profa. Maria Augusta - Fui diretora da Escola no período de 1990-
1994. É importante conceituar esse momento político do país – o Governo
Collor - que muito afetou as universidades públicas e o contexto vivido
pela UFMG. No meu entendimento, o diretor é o condutor de um processo
e seu papel envolve três dimensões: a dimensão política em que ele
representa a sua unidade externamente, junto aos órgãos colegiados da
universidade, de modo a garantir as melhores condições para sua escola,
mas também garantir a existência da UFMG como universidade pública,
gratuita, de qualidade, com liberdade acadêmica e autonomia. Como
dimensão política deve também, fortalecer as relações da Escola com a
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sociedade de modo a dar relevância social à prática acadêmica. Deve
divulgar o trabalho desenvolvido pela Unidade de modo a torná-la cada
vez mais reconhecida e respeitada. Como dimensão acadêmica o diretor
deve ser um interlocutor e estimulador das propostas apresentadas pela
sua comunidade, buscando a integração entre o ensino de graduação e o
de pós entre si e destes com a pesquisa e a extensão, estimulador de
propostas para democratizar o acesso ao conhecimento que se elabora na
Universidade, não só ampliando horárias e ofertas de cursos de
graduação, pós, especialização e atualização, como renovando conteúdos.
E como dimensão administrativa, é fundamental buscar recursos, dentro e
fora da UFMG de modo a garantir a infra-estrutura adequada ao trabalho
acadêmico, sobretudo de biblioteca e laboratórios. Deve-se também
estimular a participação de professores e alunos em eventos da
sociedade, sobretudo naqueles que possibilitam a troca de idéias,
despertam a curiosidade e o interesse pelo fato novo (que não significa
exclusivamente novas tecnologias) ou desconhecido que possa ser
trabalhado e incorporado ao conhecimento da Unidade. E ainda abrir
espaço para debates da classe profissional. É importante assegurar o
trabalho integrado de toda a comunidade da Escola, bem como garantir
clareza nas informações e agilidade na comunicação com os diversos
segmentos da unidade, estimulando a participação de todos.
É claro que eu não fiz tudo isso, mas fiz o que foi possível.
Procurei dar continuidade e preservar o trabalho de qualidade, seriedade
e, algumas vezes, de pioneirismo que vem caracterizando a atuação da
nossa escola, além de buscar uma constante renovação de idéias e
metodologias de trabalho. Para garantir qualidade e relevância,
sobretudo esta última, é fundamental renovar as relações da Escola para
com a sociedade.
O diretor não pode, sob pena de prejudicar a sua instituição,
manter-se desinteressado ou alheio ao que se passa no país, no estado e,
principalmente em sua universidade que é federal, mas é de Minas.
Nacionalmente, espera-se que uma escola como a nossa participe
ativamente e até mesmo lidere a discussão dos problemas sociais que
afetam o país e esteja no âmbito de competência da Ciência da
Informação, tal como o acesso à leitura, sem a qual não temos cidadãos
pensantes. A época das escolas de Biblioteconomia “torres de marfim
alienadas” existiu, mas já acabou faz tempo. Como escolas de Ciência da
Informação que têm por objeto de estudo um produto social de grande
conotação e uso político, imagina-se que, por seu pensamento e por sua
prática, sequer caibam nesse modelo.
Voltando ao contexto político, eu diria que, por pior que fosse a
situação da época da ditadura militar, as perseguições não afetaram tanto
a Escola de Biblioteconomia como afetaram várias outras unidades da
UFMG. O meu caso foi um caso isolado. Recebi todo o apoio de
professores, funcionários e alunos. Devo muito à minha comunidade,
principalmente às professoras Etelvina Lima, Martha Carvalho e Maria
Luiza Alphonsus de Guimaraens Ferreira. Mas com Fernando Collor foi
diferente. O governo tratava as universidades públicas, ou melhor, o
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
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serviço público como inimigo. Como não tinham autonomia, as
universidades ficavam inteiramente dependentes da visão e da vontade do
governo. A ausência de interlocução entre as duas partes era total. Tudo
era difícil, recursos financeiros e a reposição dos recursos humanos que já
estavam drasticamente reduzidos com a aposentadoria em massa gerada
pela implantação do Regime Jurídico Único e pelo temor das medidas que
poderiam ser tomadas pelo governo Collor. O governo federal anunciava
como meta a demissão de 30% dos servidores públicos. Isto para as
universidades era trágico. Somado às aposentadorias representaria o
desmantelamento das instituições. Na ocasião, as IFES sofriam uma
campanha de marketing negativo comandada pelo próprio governo e com
grande espaço na mídia. Foi ainda o momento de maior queda salarial.
A estratégia adotada pelas universidades incluía aproximação com a
sociedade civil, estreitamento dos laços com a classe política e, sobretudo,
uma luta política de resistência da própria comunidade universitária e do
conjunto das universidades públicas. Foi criada uma associação de
dirigentes das universidades federais fortes o bastante para enfrentar os
embates constantes com o MEC, a ANDIFES, e a nossa reitora, Prof.ª
Vanessa Guimarães foi a sua primeira presidente.
A estratégia funcionou e conseguiu não só garantir a sobrevivência
com dignidade da UFMG como um bom trabalho interno de gerência. Para
isso foram fundamentais a união da comunidade e o estreitamento dos
laços com a imprensa. A equipe dirigente da UFMG se reunia nos finais de
semana e todos nós estávamos a postos para coletar e montar um
sistema de informações claro, confiável e atualizado para responder às
acusações do governo Collor. Como conseqüência, a UFMG deu um salto
enorme no processo de organização das suas próprias informações. Ao
final de 94, muitos desses programas já estavam informatizados, com
atualizações on-line e facilidade para gerar relatórios.
Esse período dificílimo, mas também de grandes conquistas para a
UFMG teve reflexos expressivos na Escola. Devo dizer que me sinto
profundamente honrada por ter participado dessa luta que foi de todos,
mas conduzida de maneira firme, lúcida e corajosa pela nossa reitora,
Prof.ª Vanessa Guimarães. É uma administradora excepcional e deu, em
todas as ocasiões, grande apoio aos programas da Escola, sobretudo no
que se refere à melhoria da infra-estrutura visando ao desenvolvimento
dos programas acadêmicos. A Escola havia ocupado o novo prédio em
1990, e durante os quatro anos seguintes foram feitos os ajustes sempre
necessários quando se muda para uma casa nova, mesmo que ela seja
maior e melhor do que a antiga. Várias unidades da UFMG solicitaram
espaços no novo prédio alegando que o mesmo era grande demais para a
Biblioteconomia e ficaria ocioso. A realidade mostrou como os programas
existentes puderam se expandir e novos surgiram. Os laboratórios
melhoraram. Os estudos para a implantação do curso noturno
avançaram, pois essa era uma exigência do governo federal e meta da
própria reitora. O curso noturno efetivamente só foi criado em 1997, no
mandato da Prof.ª Vera Furst. Houve a consolidação das novas normas
acadêmicas elaboradas pela Câmara de Graduação em 1997. Foi feita a
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
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implantação de um sistema informatizado de registro e controle da vida
acadêmica dos alunos, o que permitiu maior ocupação de vagas ociosas,
diminuição do índice de evasão e aumento do índice de conclusão do curso
de graduação. O índice de evasão devido à reopção era dramático no
curso de Biblioteconomia e começou a diminuir. Pela primeira vez a UFMG
iniciou um modelo de avaliação do ensino de graduação que serviu de
referência para outras instituições. Houve um aumento significativo de
bolsas de iniciação científica, de estágio e de monitoria. Foi criada, na
época, a Semana da Iniciação Científica na UFMG. Foi criada também
uma linha de apoio financeiro aos estudantes para que apresentassem
trabalhos em congressos e seminários. Os recursos destinados à
assistência estudantil através da FUMP aumentaram significativamente.
Tudo isso beneficiou um contingente grande de alunos da Escola.
O programa de pós-graduação manteve o seu caminho em busca da
excelência graças ao forte compromisso institucional e apoio que recebi do
Prof. Afrânio Carvalho de Aguiar, das professoras Jeannette Kremer, vicediretora
que dividiu comigo os méritos da minha gestão, e Kátia Montalli
que deu um novo alento e vigor à pós-graduação, além do apoio dos
demais membros do Colegiado de pós-graduação. Em 1993 foi implantado
o Núcleo Especializado em Capacitação de Pessoal em Informação
Tecnológica Industrial, fruto do esforço conjunto e da persistência de Kátia
e de Afrânio. Este havia sido responsável pelo projeto de criação do
Núcleo e, na ocasião, era diretor da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Minas Gerais – FAPEMIG. O Núcleo foi financiado com recursos
da ordem de 280 mil dólares provenientes de convênios com o SEBRAE e
com o Ministério de Ciência e Tecnologia, através do Programa de Apoio
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT). Começou suas
atividades oferecendo cursos modulares de curta duração como o “Curso
de Informação em Ciência e Tecnologia: produtos e serviços”. Realizou o
primeiro Seminário Nacional de Informação para a Indústria e Comércio
Exterior reunindo alguns dos maiores especialistas do país.
Paralelamente, foi montada no Minascentro, onde aconteceu o Seminário,
uma Exposição de Agências de Informação para Empresas. A partir de
1994, o Núcleo passou a oferecer um curso de especialização em Gerencia
de Recursos Informacionais para a Indústria. Outra linha de ação foi o
desenvolvimento de pesquisas na área. A 1ª delas, coordenada pela Prof.ª
Kátia Montalli estudou os pólos tecnológicos do Rio de Janeiro, Santa Rita
do Sapucaí, Campinas, São Carlos e Florianópolis com o objetivo de
identificar o tipo de informação de que esses núcleos necessitavam e que
tipo de serviço a universidade poderia oferecer, uma ótima oportunidade
de integração entre atividades acadêmicas e o setor empresarial.
Houve também uma melhoria expressiva do acervo das bibliotecas
universitárias, não só com maior aquisição de livros, mas com o aumento
e diversificação de títulos de periódicos assinados, além do avanço do
programa de informatização. Na época, a Biblioteca Universitária era
dirigida pelo Prof. Paulo da Terra Caldeira. A UFMG investiu US$4,6
milhões em livros e periódicos, a maior rubrica orçamentária da
Instituição. Nesse processo de compra conduzido nas unidades pelo
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
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diretor, a Escola participou ativamente, pois os recursos eram
significativos e o tempo para gastá-lo escasso, como sempre.
Aumentou o apoio à qualificação docente. A reposição das
aposentadorias foi lenta, mas rigorosa e com perspectiva de futuro,
privilegiando os candidatos com doutorado. A reitoria incentivou a criação
de cursos de especialização, sobretudo para as áreas profissionalizantes
como a nossa. Os processos de auto-avaliação da graduação e da pós
permitiram a implantação do INA, sistema de informações acadêmicas
alimentado pelas quatro pró-reitorias (graduação, pós, pesquisa e
extensão) e da CPPD. A idéia era excelente. Não sei se ainda funciona. A
UFMG se uniu também para evitar o desmonte da FINEP e do CNPq além
de, internamente, fortalecer a FUNDEP cuja situação havia se agravado
em 1991. A implantação da rede de fibras óticas interligando as unidades
do Campus permitiu à comunidade acadêmica o acesso aos bancos de
dados no Brasil e no exterior. A Universidade adotou nova matriz
orçamentária distribuindo recursos de acordo com índices de qualidade,
produtividade e eficiência de cada curso o que melhorou
consideravelmente o orçamento da nossa Escola.
PESSOAS QUE CONTRIBUIRAM PARA A CONSOLIDAÇÃO DO CURSO
E DA ESCOLA
O meu programa de trabalho como candidata ao cargo de diretora
da Escola de Biblioteconomia da UFMG, em 1990, trazia logo no início a
seguinte afirmativa que já mencionei nessa entrevista, mas é bom repetir:
“Antes de tudo, é importante destacar a continuidade e a preservação do
trabalho de qualidade, seriedade e, algumas vezes, de pioneirismo que
vem caracterizando a atuação desta Escola, que se fez ao longo dos anos
e por muitas gerações. Ao mesmo tempo, renovar é preciso. Renovar o
conhecimento, as idéias, as práticas e, sobretudo, as relações com a
sociedade.”
Garantir a continuidade e estimular a renovação foi um esforço
coletivo do qual participaram muitas pessoas entre professores, alunos,
funcionários técnicos e administrativos. Dirigi a Escola no momento dos
seus 40 anos, em plena maturidade e produção. Mas foi também uma
época de grande pressão contra a universidade, um desafio assustador.
Vencido com entusiasmo, trabalho e muito apoio. Por isso destacar
nomes de pessoas que contribuíram para a consolidação dos cursos e da
Escola se torna uma tarefa dificílima, pois são muitos. As pioneiras como
Etelvina e Martha,tiveram um papel de destaque ao colocar o ensino de
biblioteconomia como unidade acadêmica dentro da estrutra da UFMG. Foi
um trabalho exaustivo, de grande habilidade política. As diretoras que me
antecederam e aqueles que me sucederam no cargo sabem que cabe ao
diretor a condução de um processo. O prestígio da Escola se constrói
graças aos alunos interessados e estudiosos, aos professores competentes
e comprometidos, aos funcionários dedicados e envolvidos com a
instituição. Uma escola se faz no dia a dia, na sala de aula, no espaço da
pesquisa, na execução das atividades administrativas, nos trabalhos de
rotina, no estudar, orientar, preparar aula, se manter
atualizado,pesquisar, publicar participar da vida da unidade, da vida da
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
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universidade, e do mundo ao redor. Os individualistas, ainda que
brilhantes, certamente não deixarão uma contribuição permanente. Ao
longo dessa entrevista citei nomes que me marcaram e marcaram a
Escola. Foi um registro afetivo pois não foram só esses mas muitos
outros que souberam responder ao desafio de cada época.
Entrevistadora: E a concepção de Ciência da Informação, que
mudanças ocorreram nos últimos anos?
Profa. Maria Augusta - Havia certo consenso quanto ao conceito
de CI como área do conhecimento que trata da informação, tendo
aspectos de ciência pura e de ciência aplicada. Dentro deste conceito,
Biblioteconomia, Arquivística, Museologia, Comunicação e tantas outras
fariam parte da área aplicada. Mas nem mesmo este pensamento era
aceito por todos. CI e Biblioteconomia são duas coisas completamente
distintas, diziam uns. Biblioteconomia é parte da CI e, portanto ambas
têm muitas coisas em comum, diziam outros. Em 1970, o IBICT havia
criado o seu curso de pós-graduação e sua revista, ambos como t’ttítulo
de Ciência da Informação. Na década de 80, a Escola iniciou seus
primeiros passos para mudar de nome. Em 1991, o programa de Pós-
Graduação em Biblioteconomia passou a se chamar Pós- graduação em
CI. Em 1996 veio a mudança de nome da revista e no ano 2000 a
mudança de nome de Escola de Biblioteconomia para Escola de Ciência da
Informação.
A mudança de nome foi bem aceita, bem assimilada, mas não
tornou mais clara a definição de CI. Se a Biblioteconomia é parte da área
aplicada da CI o que faz o profissional com essa formação? Qual é o seu
nome? Qual é o seu perfil? Não é muito difícil pensar no que faz o
pesquisador em CI, e os demais? Se nos EUA programas de pósgraduação
em Biblioteconomia estão fechando, o único curso de
graduação em CI de Minas fechou por falta de candidatos. Recentemente
ouvi um bibliotecário de uma das mais tradicionais e conceituadas
bibliotecas públicas do Brasil se apresentar para uma palestra com essas
palavras: “Eu sou cientista da informação, com especialização em
Biblioteconomia. ”Confesso que não entendi. Seria uma nova graduação
ou apenas a necessidade de se apresentar de uma forma mais moderna?
Em resumo, 40 anos depois dos primeiros estudos sobre CI na
UFMG, eu diria que o conceito da área ainda não é claro. Tenho ido
regularmente aos EUA e lá, fora do ambiente acadêmico, quando você fala
que é professora de uma escola de CI mesmo para interlocutores que
estudaram em universidades conceituadas, a reação é a mesma daqui. O
que é CI? O que se estuda nessa escola? Para que serve?
Não me lembro dos prognósticos que eram feitos para a área na
década de 90, a não ser o fato de que tudo parecia indicar que a CI se
aproximaria cada vez mais das tecnologias da informação e a nossa
esperança era de que essas novas TIs seriam aplicadas com êxito e
ótimos resultados nas bibliotecas mais necessárias e carentes, ou, quem
sabe, no ano 2000 todas as bibliotecas públicas e escolares estariam
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
Maria Aparecida Moura
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informatizadas, interligadas, ligadas ao mundo. Esse exercício de
futurologia saiu errado.
É importante lembrar que a formação do bibliotecário no Brasil é
diferente do modelo americano ou europeu. Aqui o direito de exercer a
profissão, que é regulamentada por lei e fiscalizada pelos Conselhos, é
privativo do graduado em Biblioteconomia, ao contrário de outros países
onde há poucos cursos de graduação e a formação do bibliotecário se dá
em nível de pós-graduação, onde a pessoa, já com formação em
determinada área, estuda disciplinas técnicas relativas aos aspectos da
Biblioteconomia que lhe interessam. É algo semelhante à dupla formação
de que já falamos. Imagina-se que um químico, com pós-graduação em
Biblioteconomia ou em CI, esteja mais preparado para atuar com a
informação de sua área do que alguém com dupla formação em
Biblioteconomia ou em CI, ou seja, o domínio de técnicas em detrimento
do conteúdo da informação.
Não vejo problema no fato de uma escola ou um departamento
alterarem o seu nome para CI. Lamentaria se a única razão fosse apenas
se afastar do termo biblioteca, ser mais moderno, estar mais na moda.
Atrair profissionais com formações diferentes é ótimo para área. Mas a
Escola que é responsável pela formação do graduado em Biblioteconomia
que terá por título o nome de bibliotecário, que vai exercer a profissão em
diferentes bibliotecas, em banco de dados, em núcleos de informação tem
a obrigação de trabalhar em conjunto com os conselhos e associações
para alterar a lei que regulamenta a profissão, aproximando-a mais da
realidade. Esse não é um problema só dos órgãos fiscalizadores, mas
também dos formadores. E, os professores dessa Escola que forma
bibliotecários, não importa a graduação que tenham, precisam conhecer
bastante bem uma biblioteca, ler bons trabalhos sobre bibliotecas,
conhecer as bibliotecas brasileiras, as bem sucedidas e aquelas que
fracassaram e entenderem o porquê desse fracasso, as pequenas e as
grandes, as experiências latino americanas como as chilenas e
colombianas dando exemplo ao mundo, as bibliotecas publicas e escolares
americanas, conhecer as agendas de governo que priorizam planos
nacionais, estaduais e municipais voltados para livros, leitura e uso da
internet em bibliotecas brasileiras. A graduação e a pós-graduação devem
estar bem preparadas tecnicamente, mas devem também discutir, refletir,
participar, publicar, pesquisar, dar opinião. Assim a Escola de Ciência da
Informação da UFMG, com o seu conjunto de professores e alunos, poderá
efetivamente contribuir para a solução de problemas ligados à informação
mas também à formação do cidadão nesse estado e nesse país..
Como já disse, acredito que só a mudança de nome não confere
mais prestígio social, amplia o mercado ou altera significativamente a
média salarial. Amplia sim a concorrência porque trabalhar com
informação certamente não será mais privativo do bibliotecário, mesmo
que a lei assim o determine, e nem mesmo dentro das bibliotecas ditas
tradicionais. Hoje, tomando como exemplo as bibliotecas públicas, grande
parte das atividades nelas realizadas, pode ser bem exercida não só pelo
bibliotecário como por vários outros profissionais. Formação de acervos,
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
Maria Aparecida Moura
Perspectivas em Ciência da Informação, v.15, n.especial, p.64-85,nov. 2010
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mediação da leitura, referência em diferentes níveis, preservação e
restauração de acervos, gestão de redes municipais de bibliotecas são
áreas em que estão atuando, com sucesso, graduados em Letras, História,
Pedagogia, Administração e vários outros.
Encerro o meu pensamento sobre essa questão voltando ao artigo já
citado do Prof. Tefko Saracevic, ainda bastante atual. Em sua parte final,
o autor fala da necessidade da CI: “O problema proposto pela CI, a tarefa
massiva de tornar mais acessível um acervo crescente de conhecimento
assim como todos os problemas mais específicos que se seguirem estão
ainda à nossa volta e estarão aí com ou sem a CI... Existindo ou não um
campo organizado chamado CI, os problemas não terminarão. Eles estão
aí, independentemente de sua rotulação... Finalmente, não importa se a
atividade que trata dessas questões seja chamada de CI, de Informática,
de Ciências da Informação, Estudos de Iinformação, Ciências da
Computação e Informação, Ciência da informação e Engenharia,
Biblioteconomia e Ciência da Informação, ou qualquer outra forma desde
que os problemas sejam enfocados em termos humanos e não
tecnológicos. A CI, sob qualquer nome, significando um corpo organizado
de conhecimentos e competências, teve e pode continuar tendo grande
contribuição nesses estudos. Tem um registro comprovado de
interdisciplinaridade. Sob qualquer nome ou patrocínio, as atividades
profissionais e científicas da CI são necessárias... Preenchendo tal
necessidade, a CI poderá ser mais bem definida e reestruturada, como a
sociedade quer.
Entrevistadora: Considerando a época em que a senhora foi
diretora e a realidade contemporânea que mudanças destacaria? O que
ainda permanece igual?
Profa. Maria Augusta - Pode-se dizer que muita coisa mudou e
muita coisa ficou igual. Ou pedindo emprestadas as palavras do maior
escritor brasileiro, o grande Machado de Assis, eu não saberia dizer “Se
mudou o Natal ou mudei eu.” Infelizmente não tenho acompanhado as
atividades da Escola como gostaria.
Nos últimos nove anos estive totalmente envolvida com a direção da
Superintendência de Bibliotecas Públicas do Estado de Minas Gerais,
unidade da Secretaria de Estado da Cultura, responsável pela Biblioteca
Pública Estadual Luiz de Bessa, órgão principal de uma rede formada por
mais de 850 bibliotecas públicas municipais, cobrindo praticamente todos
os municípios do Estado. Poderia cobrir todos, se alguns dos nossos
prefeitos não tivessem ainda a estranha mania de fechar bibliotecas,
passado o período eleitoral. Para que biblioteca se a Internet está aí? E se
esquecem que apenas 25% dos domicílios brasileiros estão ligados à
Internet, que o Programa Sociedade da Informação desde 1998 tenta ligar
todas as bibliotecas públicas municipais à Internet e ainda não conseguiu
embora o FUST continue sendo recolhido mensalmente. Hoje o Programa
Mais Cultura é um dos mais importantes da agenda do MinC e contempla
ações voltadas para livro, leitura e bibliotecas. O Plano Nacional do Livro e
Entrevista com a Profa. Maria Augusta da Nóbrega Cesarino Maria Augusta da Nóbrega Cesarino;
Maria Aparecida Moura
Perspectivas em Ciência da Informação, v.15, n.especial, p.64-85,nov. 2010
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da Leitura que também privilegia as bibliotecas é uma das melhores
realizações da área federal dos últimos governos. No âmbito do estado,
elaborei e implantei o Programa Construindo uma Minas Leitora, que se
tornou um dos projetos estruturadores mais importantes da Secretaria de
Cultura.
Os problemas do acesso à leitura e à informação pela população
mais pobre, do uso eficiente das tecnologias da informação pelas
pequenas e médias bibliotecas continuam, mas hoje já ganham espaço
nas agendas de governo. Ganharam espaço também na minha agenda de
bibliotecária responsável por um grande sistema, mas eu desconfio, e
tomara que eu esteja errada, que esses temas foram reduzidos na agenda
de prioridades da Escola de Ciência da Informação. Não cruzei com a
Escola nos fóruns nacionais e estaduais que tratavam desses problemas
críticos para o desenvolvimento do país. Não cruzei com a Escola em
nenhum dos encontros nacionais do Programa Sociedade da Informação,
nem nos encontros estaduais de bibliotecas publicas municipais. Não foi
por falta de convite. Por duas vezes fui à Escola e solicitei espaço para
falar da rede de bibliotecas e de temas que poderiam ser objeto de estudo
da Ciência da Informação.
Teria achado ótimo se a Escola tivesse sido parceira nessa
caminhada profissional, mas o desencontro de agendas fez com que eu
buscasse outros interlocutores. Assim não posso comparar a Escola da
época em que fui diretora com a de agora. Sei que o perfil do corpo
docente mudou bastante, com professores de diversas formações o que
deve facilitar bastante o trabalho interdisciplinar da CI. Sei que a ênfase
em TI também aumentou como era de se prever. Hoje penso que o
grande desafio é usar todo o potencial das TIs a favor das pessoas e não o
contrário. Como disse o pesquisador em CI, Tefko Saracevic os problemas
estão aí, devem ser enfocados do ponto de vista humano e não
tecnológico. E tenho certeza que novos tempos virão. Tempos de Etelvina
Lima como escreveu o Professor Briquet relembrando os 40 anos da ECI.
Ela certamente será uma parceira fundamental no esforço dos
bibliotecários e outros profissionais da informação na busca de soluções
para os problemas que afligem o país há anos
Ao encerrar a entrevista, agradeço à ECI a oportunidade de contar
um pouco da minha historia que é parte também da historia dessa
instituição tão significativa. Agradeço de modo muito especial à Prof.
Aparecida Moura, representante de uma nova geração de bibliotecários
comprometidos com a realidade e dispostos a mudar esse país. Agradeço
seu trabalho, que foi grande, sua gentileza e seus comentários.
Entrevistadora: Agradecimentos são devidos à bolsista de iniciação
científica, Isabella Brito Alves, cujo apoio na transcrição e gestão dos
conteúdos permitiu a estruturação da versão final desta entrevista.

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