domingo, 5 de julho de 2015

A MEMÓRIA EDUCACIONAL DE UM CAMPANHENSE. Ana Cristina Pereira Lage.

A MEMÓRIA EDUCACIONAL DE UM CAMPANHENSE - MINAS GERAIS, SÉCULO XIX
Ana Cristina Pereira Lage
UNICAMP – Mestrado
3 -Cultura e Práticas Escolares
Este trabalho tem por objetivo discutir alguns pontos referentes à história da educação na cidade de Campanha (MG), através das memórias registradas no livro Minhas Recordações, de Francisco de Paula Ferreira de Rezende, o qual narra em dois capítulos da obra a sua passagem pela escola “pública” da referida cidade. Segundo o autor, esta descrição seria de um “modo muito geral” e com idéias “muito vagas” pois lembrava-se muito pouco desta época. O pouco que fornece através de sua autobiografia, torna-se muito para a compreensão da história da educação em Campanha na década de 40 do século XIX.
Tem-se que levar em consideração que a referida obra trabalha com a memória de um cidadão letrado do século XIX, uma pessoa que pertencia à elite local. Foi escrito no final da vida do autor, mas somente publicado em 1944 pela Livraria José Olimpio e, posteriormente, reeditado em 1987 pela Imprensa Oficial de Belo Horizonte. A obra possui 54 capítulos onde narra a trajetória de vida do autor desde o seu nascimento em 1832 até o momento da escrita do livro em 1887. Para trabalhar com a referida obra enquanto documento histórico, torna-se necessário analisar alguns pontos referentes ao tratamento das fontes autobiográficas e também contrapô-la a outros documentos existentes acerca da História da Educação em Campanha no período estudado.
As autobiografias
As fontes são produzidas em um determinado momento e com uma intencionalidade. Elas contextualizam com o momento e não estão isentas de subjetividade. Cabe ao historiador perceber o discurso presente nas fontes consultadas e definir quais são as representações contidas no discurso. É necessário perceber quem, de onde, para quem e por que fala. Somente através destas investigações consegue-se captar algo do universo a ser pesquisado, pois, “ O tempo da pesquisa é diferente do tempo vivido: não pretende reconstituí-lo, mas reconstruí-lo.” ( REIS, 2000, p. 25)
O gênero biográfico surgiu na França no final do século XVIII, devido à expansão e à afirmação dos direitos individuais propostos pela Revolução Francesa. A primeira obra neste gênero teria sido Confissões, de Rousseau , escrita entre 1764-1770. o fortalecimento da idéia de “indivíduo” foi essencial para a proliferação deste gênero.
Segundo Pereira ( 2000), existem três gêneros distintos que têm em comum o fato de serem baseados na seqüência de vida individual: seriam as biografias, as histórias de vida e as autobiografias. A história de vida seria um relato de um narrador sobre a sua existência através do tempo, com a intermediação de um pesquisador. A biografia seria a história de um indivíduo redigida por outra pessoa. Já na autobiografia, o trabalho de edição seria feito pelo próprio narrador.
A obra de Ferreira de Rezende estaria portanto dentro do gênero autobiográfico, onde o o indivíduo narra sua visão pessoal dos acontecimentos. Deve-se que levar em consideração também que este indivíduo pode também considerado como um espelho de seu tempo. Além disso, a autobiografia é uma tendência do próprio sujeito de ordenar e dar racionalidade a seus atos e decisões passadas.
Minhas Recordações é um texto escrito por um indivíduo da elite campanhense e que narra acontecimentos relativos a esta estrutura social. Principalmente até o século XIX, autobiografias e biografias ficaram restritas às classes dominantes, já que estes eram os únicos indivíduos letrados, constituindo assim um espaço de elaboração e reprodução de suas formas próprias de vida.
O autor propõe ordenar em uma seqüência linear os acontecimentos mais importantes de sua existência, trabalha então com a sua memória. No caso aqui analisado, quando Ferreira de Rezende narra a sua experiência educacional em sua infância e adolescência, deve-se considerar o longo espaço de tempo entre os acontecimentos (década de 40 do século XIX) e a escrita de suas impressões (década de 80 do século XIX). Ele trabalha então com as suas recordações.
Para Santos (2003) é preciso compreender que os indivíduos não armazenam uma totalidade de experiências passadas. Ao lembrar um episódio vivenciado no passado (memória episódica), o indivíduo reconstitui o que aconteceu, primeiro, a partir de uma massa ativa de reações ou experiências do passado organizadas, ou seja, a partir de uma estrutura já existente, como a linguagem, e de uma disposição que ele tem para lembrar (que pode ser associada à memória-hábito), e, segundo, a partir dos fragmentos que remanesceram da experiência vivenciada. A memória é constituída a partir das narrativas do presente, no caso da obra analisada, seria o olhar do autor no momento da escrita de sua obra acerca de um momento passado. São os fragmentos do passado que ficaram em sua
memória. No início de sua obra, Ferreira de Resende adverte e aponta os caminhos possíveis para a utilização de sua obra enquanto fonte histórica:
Feito apenas de memória e um pouco às pressas, este escrito pelo lado literário, nenhum mérito encerra. Nem, encetando -o, outra foi minha intenção, do que a de deixá-lo como uma simples lembrança para meus filhos.
A esta falta, porém, de mérito literário, este escrito ainda reune outra grande desvantagem: a de parecer, a primeira vista, nada mais ser que uma simples autobiografia que, pretensiosa talvez para muitos, há de ser para todos o que ela realmente é – insulsa e sem cor e, ao mesmo tempo, mais ou menos desconchavada. Entretanto, se o leitor, em vez de contentar-se, como vulgarmente se diz, unicamente com a casaca, preferir o útil e o agradável e se der ao trabalho de penetrar um pouco mais no âmago do que escrevi, há de afinal reconhecer, que se aqui existe, com geito, uma tal ou qual autobiografia, esta, entretanto, não passa de um fio apenas, de que a obra mais ou menos precisava, ou de um simples pretexto apenas que muito de propósito procurei, é certo, mas como o mais apropriado também, para que eu pudesse fazer a descrição de alguns dos nossos costumes que ainda encontrei e que vão de dia em dia se apagando .... ( Rezende, 1987, p. 35, grifo nosso)
A autobiografia torna-se um pretexto para narrar um pouco sobre a cultura e os costumes dos lugares por onde passou o autor. Partindo da utilização das autobiografias enquanto fonte histórica, deve-se então levar em consideração as relações e dependências entre prática, teoria e metodologia que produzem o conhecimento histórico. Mas este conhecimento só é possível se forem consideradas as particularidades da autobiografia, principalmene sobre a subjetividade do autor, pois este fala acerca da visão que possui no momento da escrita de um tempo passado, utiliza – se de sua memória que pode ser seletiva, diz apenas aquilo que quer dizer. Mas qualquer documento escrito pode estar inserido neste grupo, pois eles dão apenas uma versão dos acontecimentos passados.
...O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto documento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa. ( LE GOFF, 1985, p. 103)
A obra aqui analisada é um produto da sociedade campanhense do século XIX. Aponta pistas e caminhos para o estudo desta mesma sociedade. É a partida através de um relato particular para a compreensão de uma facção da sociedade. O particular pode apontar caminhos para a compreensão do geral. Para Faria Filho ( 2002), as autobiografias são ainda pouco utilizadas pelos historiadores, mas são fontes riquíssimas para compreender o cotidiano de uma determinada época:
Um dos aspectos ressaltados por Francisco de Paula, e que aqui nos interessa recuperar, refere-se à escola primária frequentada por ele em Campanha (MG), no início da década de 40. Dessa escola ele nos conta da freqüêcia (“muito grande”) , da matrícula ( “ de cento e muitos meninos”), das matérias de ensino, dos métodos de ensino, dos castigos, da Santa Luzia (palmatória), do proprietário da cadeira e de seus vários professores substitutos, entre muitos outros aspectos. ( FARIA FILHO, 2002, p. 142)
Pelos caminhos históricos de Campanha
A cidade de Campanha foi conquistada em 1737, pelo Ouvidor-mor Cipriano José da Rocha. Quando ele chegou no território, já encontrou um povoamento com cerca de “3.000 homens brancos e 7.000 homens negros”. Eram paulistas que haviam se instalado na região em busca de ouro, o qual era comercializado clandestinamente. Com a chegada do Ouvidor-mor, este tomou posse do território e tratou de construir a primeira capela e uma casa de fundição, dando o nome ao local de “ Arraial de São Cipriano”. Em 1798, foi elevada à vila, passando a ser denominada “ Vila da Campanha da Princesa da Beira”. Neste período, o seu território abrangia quase todo o sul de Minas, fazendo limites com São João Del Rey. Foi a 9ª. Vila elevada à cidade em Minas Gerais (1840).
Quando Ferreira de Rezende iniciou os seus estudos, Campanha acabara de ser elevada à condição de cidade, mostrando todo o seu prestígio na região sul – mineira. Neste momento a cidade foi “retratada” através da seguinte litogravura:
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Embora o período de exploração aurífera não tenha durado por muito tempo, a cidade manteve-se muito ativa durante todo o século XIX, principalmente através da produção agrícola e pecuária, além do comércio com o Rio de Janeiro e São Paulo. O seu território era vastíssimo e as suas águas minerais eram procuradas por diversas personalidades para diversos tipos de tratamentos.
Para o autor do livro Minhas Recordações, o esgotamento do ouro e o fim da escravidão contribuíram para o declínio econômico da cidade.
... O Brasil inteiro foi de repente surpreendido por uma lei que passava em quatro ou seis dias e em que duas linhas declarava: que no Brasil não havia mais escravidão; (...) ficara de repente, ou para melhor dizer da noite para o dia, privado de seiscentos ou de oitocentos mil trabalhadores que tinham feito ou que ainda faziam toda a sua fortuna; e isto sem que para substituí-los nada se apresentasse; e a cada um o que apenas se dizia era: Arranje-se como puder.(...)
A lei, pois, de 13 de maio de 1888 veio a ser para mim, assim como o foi, e
ainda mais talvez, para quase todos os lavradores, um golpe terribilíssimo. A minha fortuna que em 1885 eu havia avaliado, segundo há pouco acabei de dizer, em cento e muitos contos; desceu desde logo e por assim dizer, de um só golpe, a cerca de uns trinta contos de réis.( REZENDE, 1987, p.464)
Soma-se a isto a emancipação de vilas que pertenciam à jurisdição da cidade de Campanha para conduzir a uma grave crise financeira. Mas o prestigio da cidade manteve-se através da presença de cidadãos campanhenses na política nacional e no fortalecimento de instâncias ligadas à religião Católica na cidade.
Descendente de família portuguesa que havia se estabelecido em Campanha em meados do século XVIII, Francisco de Paula Ferreira de Rezende foi o filho primogênito de uma família pequena ( apenas 02 filhos sobreviventes de um total de 08 irmãos) e muito poderosa na cidade. O sobrado no qual nasceu e viveu durante muitos anos era um dos mais imponentes prédios da Rua Direita.
Ciêmcias Jurídicas e sociais na Faculdade de Direito de São Paulo (1855). Devido às influências políticas de sua família, logo foi nomeado Promotor Público em Campanha (1856) e Juiz de órfãos do termo de Queluz. Foi Deputado da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (1864-1865) . Com a República, foi nomeado 3o. Vice-Governador de Minas Gerais e também Ministro do Supremo Tribunal Federal. Durante a sua vida, colaborou com diversos jornais de Minas Gerais e escreveu também outros livros, mas o que interessa neste momento é resgatar as impressões educacionais de sua infância e adolescência em Campanha, narradas em sua obra Minhas Recordações.
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Impressões educacionais
No ano de 1831, é possível saber da instalação de uma Escola de Ensino Mútuo para Primeiras Letras em Campanha, com mais de 100 alunos1. O método mútuo ou Lancasteriano, difundiu-se no Brasil neste período, prevendo que a instrução pública deveria ser um dever do Estado. Para contemplar um número maior de alunos, com a carência de professores, a instrução era então dividida em graus, levando em consideração a idade de cada aluno. Utilizavam-se discípulos mais adiantados para auxiliar o professor no ensino dos alunos menores. Havia uma grande sala repartida segundo as classes. Além disso, método combatia os castigos físicos. Foi em uma escola de método mútuo que Ferreira de Resende iniciou os seus estudos.
O autor afirma nunca ter estudado em colégio algum, nem interno e nem externo. Toda a sua educação foi feita em “escolas públicas” ou “consigo mesmo”. Este é, aliás, um ponto sempre ressaltado por este autor, já que considerava as escolas muito fracas e julgava necessário, então, aprender sozinho, sem o auxílio de professores.
O seu professor de Primeiras Letras na escola de Campanha chamava-se José Antônio Mendes, advogado que tinha a particularidade de andar com muletas ( tinha uma das pernas amputadas), mas não tinha nenhum problema na locomoção e em utilizar da palmatória, o que seria contrário aos princípios do método mútuo:
... entretanto que ele sabia , quando lhe convinha, caminhar com uma tal sutileza, que mal se podia ouvir o andar ou o batido das muletas. E ai do menino que se fiava nesse batido traidor! Porque, quando menos esperava, do corredor que vinha do interior da casa, o mestre fazia na porta uma meia volta à esquerda, e com um simples lanço de olhos pilhava com a boca na botija a todos aqueles, que fiados na sua ausência tinham-se posto a conversar ou a brincar. Então, dirigindo-se para a mesa em que escrevia ou para a poltrona em que se sentava, tomava a Santa Luzia, que assim se chama a palmatória, segundo
1CASADEI e CASADEI , 1989, p. 30
penso, por ser aquela santa a protetora dos olhos e ter a palmatória nada menos de cinco; e começava-se o que se poderia chamar um verdadeiro – vai de roda- ; visto que sem pronunciar o nome, mas apenas indicando com os olhos ou com a mão a vítima que devia caminhar para o sacrifício. (...) E que bolos; santo Deus! Estalavam que ainda mesmo de muito longe se ouviam; e eram às vezes tantos que quase se lhes perdia a conta ( REZENDE , 1987, p. 174-175)
2o qual havia vivido por muitos anos em Campanha e tinha também diversos parentes por lá
3O ensino simultâneo, centrado na ação do professor e na atenção simultânea dos alunos, se opunha aos métodos em voga no século XIX que reuniam numa mesma sala alunos de várias idades e de vários níveis de ensino: o método individual e o método mútuo. Além disso, essa nova organização escolar, que também pressupunha a uniformização e seriação dos conteúdos, distribuídos gradualmente nos quatro anos do curso primário, passou a exigir uma variedade muito maior de livros didáticos adaptados ao ensino graduado .
O protagonista era um dos alunos mais novos da sala (9 anos) e afirma que o professor era menos severo com ele, permitindo que, juntamente com o seu colega, o futuro senador Evaristo da Veiga, brincassem no pátio e na horta de sua casa e ainda recebessem lanches de sua esposa. Afirma que recebeu somente dois “bolos” devido a um erro gramatical durante uma lição. Como a freqüência na escola era muito grande, o mestre dividia a turma em classes. Segundo o autor, as classes inferiores eram, às vezes, desprezadas e pouco se adiantavam. Lembra-se ainda que existiram vários “professores” interinos ou talvez “simples ajudantes do professor efetivo”.
Há o registro de uma novidade da aula, mas que considera de curta duração: “Essa novidade foi umas espécies de pequenas mesas cercadas de umas taboletas as quais, cheias de uma areia bem lisa, serviam para nela se escrever ou se fazerem letras, em lugar de lousas ou papel.” (REZENDE, 1987, p. 174)
Ferreira de Rezende informa que os alunos eram obrigados a levar os livros, entretanto, os meninos pobres recebiam o material da província. Segundo o Relatório de Presidente da Província de Minas Gerais do ano de 1840, período próximo ao estudo de Ferreira de Rezende na “escola pública” de Campanha, a Assembléia subvencionava parte do material didático das escolas.
Concluirei esta parte, informando-vos , que tenho posto particular cuidado em fazer distribuir, como é possível, pelas Escolas algum papel, pennas, e outros objectos indispensaveis para o ensino, despeza esta, que deve ir em augmento.(...) Taes objectos devem ser dados não só como auxilio aos pobres, mas tambem como premios aos que de distinguirem por sua conducta, e applicação. ( Fala do presidente Bernardo Jacintho da Veiga, 01/02/1840, p. 48)
Para o Presidente da Provincia de Minas, Bernardo Jacyntho da Veiga2, o ensino mútuo já estava “quase abandonado” nas escolas mineiras e voltava-se já para o sistema “individual”. Além disso, observava que este método já era pouco utilizado na França e, portanto, deveria ser substituído pelo Ensino Simultâneo3. A Assembléia Mineira deveria
então subvencionar a viagem de dois professores à França para aprender este método. Quanto à instrução secundária em Campanha, neste mesmo relatório ocorrem notícias das cadeiras oferecidas e a preocupação com os atrasos e baixos salários dos professores, informação constante tanto nos Relatórios de Presidentes de Província, quanto nos diversos artigos de jornais ao longo do século XIX
Quanto às da Villa da Campanha, informa igualmente o respectivo Delegado, que nas de Latim, e Francez tem-se sempre notado grande adiantamento dos estudantes, e que os de Filosofia tambem apresentarão algum nos exames de 3 de Novembro. Represente muito energicamente o mesmo Delegado a necessidade de elevarem-se os actuaes ordenados dos Professores, opinião esta, que tem sido manifestada por outros Delegados, persuadidos que sem essa providencia as Aulas não podem obter os precisos melhoramentos. (Fala do presidente Bernardo Jacintho da Veiga, 01/02/1840. p. 50)
Quanto à sua experiência no ensino secundário, Ferreira de Resende (1987) dá a saber que iniciou o estudo de latim em 1843. Esta era a única cadeira oferecida em Campanha em sua época, já que as cadeiras de filosofia e francês já haviam sido extintas neste momento. Segundo ele, não podia saber “se a aula tinha-se fechado porque o professor se havia mudado; ou se o professor mudou-se porque a aula havia sido extinta.” (REZENDE, 1987, p. 226)
O fato é que o único professor “público” de ensino secundário em Campanha, para a única cadeira disponível em 1843, era o padre mestre João Damasceno. O autor tinha a seguinte opinião sobre o seu professor:
Homem muito reservado, de modos um pouco misteriosos, e muito econômico, o padre Manuel João Damasceno passava por ser um latinista de primeira força, como sói acontecer a quase todos os mestres na opinião dos seus discípulos. (...) Em todo caso, me parece que além dos estudos que eram então necessários para a ordenação e de algumas tinturazinhas muito ligeiras de botânica, o Padre Mestre João Damasceno muito pouco mais sabia do que algumas noções de história e essas mesmas muito incompletas e muito superficiais. Todavia, por causa daquela sua reserva e daqueles seus modos mais ou menos misteriosos, ele passava para muita gente como um verdadeiro oráculo. (REZENDE , 1987, p. 223)
O perfil que Ferreira de Rezende apresenta de seu mestre foi composto a partir dos cinco anos em que freqüentou a cadeira de latim. A aula diária durava três horas, das 10 horas da manhã à uma da tarde. Como professor, o padre contrastava com o professor de Primeiras Letras, já que o primeiro era “brando em tudo” e não utilizava da palmatória; já o segundo era “colérico, impetuoso e maligno”. O padre costumava até contar algumas anedotas, “cujo fim principal era a nossa instrução moral ou então de dar-nos alguns conhecimentos sobre muitas outras coisas que não era propriamente o latim.” (REZENDE,
1987, p. 224)
O ensino do latim foi fundamental para Ferreira de Rezende na sua carreira jurídica, mas o pouco conhecimento da gramática portuguesa, circunscrito somente às aulas de primeiras letras, causou-lhe um estranhamento na sua escrita ao longo de sua vida, e, quanto a esta característica de sua formação:
....inhabilidade para tudo quanto é língua; pois que nunca outra tendo eu falado que não fosse a portuguesa, e a estando sempre a falar há mais de meio século e de ordinário com gente que mais ou menos a conhece, eu, entretanto, ainda até hoje não a posso escrever mais ou menos corretamente, sem que tenha ao pé de mim um dicionário e algumas vezes mesmo alguma gramática. (REZENDE , 1987, p. 227)
O ensino de Ferreira de Rezende foi complementado pela leitura de diversos livros da biblioteca particular de seu avô, por algumas aulas particulares de algebra e francês e pelos ricos ensinamentos populares da “preta Margarida”.
Se um tal ensino teve para mim inconvenientes maus, a intenção foi boa ou não foi má; e, em todo caso, graças à minha boa Margarida, sei hoje tantas coisas, que a maior parte dos doutores de borla e capelo não sabem talvez nem a metade. (REZENDE , 1987, p. 111)
Deve-se considerar que o relato de Francisco de Paula Ferreira de Resende é essencial para analisar um pouco acerca da história da cidade de Campanha, particularmente suas experiências educacionais no ensino primário e secundário, levando-se em consideração também que o aprendizado não é feito somente através da educação formal, mas de toda a cultura que cerca o indivíduo. A autobiografia de Ferreira de Resende é um ponto de partida para esta compreensão.
Imagens:
01 - Foto da litogravura de Campanha, feita em 1840. Acervo: Centro de Memória Cultural do Sul de Minas – Universidade do Estado de Minas Gerais – Campus agregado de Campanha; a litogravura original encontra-se no Arquivo Nacional
02 – Foto da casa onde nasceu e viveu Ferreira de Resende. Foto Araújo, Campanha/ MG. O prédio foi destruído por um incêndio na década de 1990.
03 – Francisco de Paula Ferreira de Rezende em 1874, aos 42 anos de idade, In: Rezende, 1987
razil/mina.htm . Acesso em 23 de agosto de 2006

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