[*] Alysson Leandro Mascaro
Jurista e filósofo do direito brasileiro, nasceu na cidade de Catanduva (SP),
em 1976. É doutor e livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela
USP, professor da tradicional Faculdade de Direito da USP e da Pós-Graduação em
Direito do Mackenzie, além de fundador e professor emérito de muitas
instituições de ensino superior. Publicou, dentre outros livros,Filosofia do
direito e Introdução ao estudo do direito, pela editora Atlas, e Utopia e
direito: Ernst Bloch e a ontologia jurídica da utopia, pela editora Quartier
Latin e o mais recente Estado e forma política, pela Boitempo. É o prefaciador
da edição brasileira de Em defesa das causas perdidas, de Slavoj Žižek, e da
nova edição de Crítica da filosofia do direito de Hegel, de Karl Marx, ambos
lançados pela Boitempo.
II – Crise e
política
As manifestações populares são mais um
termômetro a repetir que as condições da sociabilidade capitalista são
exploratórias e insuportáveis. Os indignados não estão apenas no Brasil. Todas
as sociedades capitalistas são deflagradas em conflitos. Revoltas de tipos
próximos às havidas no Brasil explodem já há anos na Europa e nos EUA; no mundo
árabe o mesmo se deu nos últimos tempos e, na América Latina, também de modo
constante em muitos países. Assim sendo, é verdade que as manifestações possam
ser pensadas pelo nível local, de problemas específicos, mas, principalmente,
devem ser compreendidas por meio das questões gerais, das dramáticas condições
de vida sob a sociabilidade capitalista.
As atuais crises do capitalismo não têm
sido enfrentadas a partir de suas causas, mas apenas por meio de mudanças
superficiais ou cosméticas, quando muito. No mesmo impasse situa-se a
contestação à crise. Contra o desemprego, quase sempre não se pede o fim da
exploração capitalista, mas sim novos empregos. O imaginário político dos
explorados está enredado nos limites do capitalismo, sem forças para superá-lo.
Por isso as manifestações são cada vez mais explosivas, massivas, contundentes,
mas sem horizontes profundos, sem aglutinação teórica e prática que leve à
superação do capitalismo. Por onde elas começam, que é o nível da política
imediata, do aumento da passagem do transporte público ou das condições urbanas,
em geral é por onde também acabam. É notável e louvável que o povo e as
vanguardas dos movimentos de contestação estejam nas ruas. Triste é apenas
observar que tem faltado um rasgo ideológico capaz de fazer com que os
indivíduos e os movimentos sociais queiram e possam haurir forças de luta
estrutural contra o capital.
No nível mundial, o capitalismo está numa
espécie de “refluxo do refluxo”, isto é, num movimento agora de contenção da
reação que se deu no pós-crise de 2008. Os tempos de intervencionismo começam a
minguar em favor de discursos novamente neoliberais. A hegemonia das ideias
conservadoras, que sofreu pequeno combate ao tempo de ápice da crise, volta à
tona. O reacionarismo cultural campeia. Soma-se à política econômica de guerra
norte-americana o seu poder de controle das informações, no que se avista como
sendo um processo sem limites.
Quanto às manifestações, que têm o condão
de acelerar tempos históricos, juntaram-se às importantes pautas progressistas,
ao seu final, outras tantas reacionárias. No entanto, as respostas políticas
dadas pelos variados governantes nos planos federal, estaduais e municipais ao
tempo das manifestações e posteriormente a elas foram múltiplas e
contraditórias, entre repressão e estabelecimento de políticas públicas para um
desafogo imediato dos problemas. Mas é preciso lembrar que políticas de caráter
progressista são aquelas que tendem a respeitar movimentos sociais e
manifestantes, dando vazão a seus apelos, enquanto um cariz conservador e
reacionário os nega e os reprime. É por essa métrica que devem ser julgadas as
respostas imediatas aos movimentos presentes.
Contudo, mesmo as respostas progressistas –
que eventualmente anelem encaminhamentos concretos às demandas dos movimentos e
das manifestações –, têm dificuldade em avançar para além do desembaraçar
imediato desses problemas sociais. Operando na salvação dos próprios parâmetros
de sociabilidade do capital, até as políticas do presente de perspectiva
progressista acabam por sustentar a exploração existente, prolongando, ao invés
de cessar, a agonia do modo de produção capitalista, agonia esta que se vê, em
especial, nos pobres do mundo. Não havendo remendos progressistas que revertam a
crise do capital ou que estabilizem o capitalismo, a política transformadora só
pode ser, então, aquela que aponta para a superação da sociedade da
mercadoria.
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