[*] Alysson Leandro Mascaro
Jurista e filósofo do direito brasileiro, nasceu na cidade de Catanduva (SP),
em 1976. É doutor e livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela
USP, professor da tradicional Faculdade de Direito da USP e da Pós-Graduação em
Direito do Mackenzie, além de fundador e professor emérito de muitas
instituições de ensino superior. Publicou, dentre outros livros,Filosofia do
direito e Introdução ao estudo do direito, pela editora Atlas, e Utopia e
direito: Ernst Bloch e a ontologia jurídica da utopia, pela editora Quartier
Latin e o mais recente Estado e forma política, pela Boitempo. É o prefaciador
da edição brasileira de Em defesa das causas perdidas, de Slavoj Žižek, e da
nova edição de Crítica da filosofia do direito de Hegel, de Karl Marx, ambos
lançados pela Boitempo.
III. Ética e
legalidade
A reprodução social capitalista investe em
afirmações ideológicas de ética e legalidade como se fossem seus padrões
universais ou reclames necessários ao seu bom funcionamento. Seu uso é
contraditório em seus próprios termos, na medida em que padrões éticos como o do
combate à corrupção ou da legalidade como valor moral são impossíveis ao
capitalismo, dada a própria natureza da sociedade da mercadoria.
O assim chamado mensalão nem é o maior nem
o único caso de corrupção no Brasil. A corrupção está atrelada à base da
sociabilidade capitalista. Se o capital compra o trabalho e as vidas das
pessoas, ele influencia sobremaneira os trâmites da política. A corrupção,
assim, está perpassada por toda a sociedade. Desde os administradores das
empresas privadas, passando pela população no geral em pequenas ilegalidades,
até chegar ao nível eleitoral e estatal, o capital compra. Não é possível tentar
criar espaços éticos parciais, incorruptíveis, em sociedades capitalistas, na
medida em que o capital tem por natureza o poder de comprar. Uma ética da
não-corrupção econômica só é possível em sociedades economicamente
não-exploratórias. As campanhas moralistas de tipo udenista da atualidade,
portanto, são cínicas – porque extremamente parciais e escandalosas apenas com
os crimes que tenham sido descobertos ocasionalmente e, necessariamente, alheios
– e, também, sabidamente alienantes, na medida em que encarnam em pessoas ou
casos um problema que é de uma estrutura social, o capitalismo. Como não se
mobiliza a sociedade para a superação do mundo do poder do capital, esse círculo
de corrupção e posteriores expurgos parciais moralistas é vicioso, além de muito
danoso, no final das contas, aos próprios explorados do mundo.
No que tange ao Brasil, afirma-se cada vez
mais o controle ideológico da sociedade, tanto na cultura e na religião mas, em
especial, nos aparelhos de comunicação de massa, que pautam de modo conservador
a política e os valores. Nesse quadro, o reclame da ética é, de modo absoluto,
um jogo de manipulações, sombras e luzes dos grandes maquinários da construção
dos valores e referências da sociedade.
A mesma impossibilidade da ética afirmada e
exigida se dá no que tange à submissão das ações econômicas e políticas a uma
moralidade sustentada juridicamente. Sobre as revelações acerca da espionagem
dos EUA contra o Brasil e vários países do mundo, eis mais uma prova de que o
poder econômico não tem limites. Nem o direito internacional nem uma pretensa
dignidade da inviolabilidade da vida privada podem a ele resistir. Não há,
juridicamente ou moralmente, o que faça parar o poder do capital e de sua força
militar, de tal sorte que os EUA nem pedem desculpa nem se predispõem a mudar
seu comportamento. Isto porque quem pode manda. Os EUA, com seu complexo
governamental industrial-militar, constituem, sustentam e alimentam a exploração
capitalista sobre o mundo. Não há e é impossível que haja qualquer ética
estrutural na política mundial do capital.
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