[*] Alysson Leandro Mascaro
Jurista e filósofo do direito brasileiro, nasceu na cidade de Catanduva (SP),
em 1976. É doutor e livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela
USP, professor da tradicional Faculdade de Direito da USP e da Pós-Graduação em
Direito do Mackenzie, além de fundador e professor emérito de muitas
instituições de ensino superior. Publicou, dentre outros livros,Filosofia do
direito e Introdução ao estudo do direito, pela editora Atlas, e Utopia e
direito: Ernst Bloch e a ontologia jurídica da utopia, pela editora Quartier
Latin e o mais recente Estado e forma política, pela Boitempo. É o prefaciador
da edição brasileira de Em defesa das causas perdidas, de Slavoj Žižek, e da
nova edição de Crítica da filosofia do direito de Hegel, de Karl Marx, ambos
lançados pela Boitempo.
I. O capital preside a
política
É preciso entender que, no Brasil e no
mundo, a política é ainda e cada vez mais do capital, não do Estado. Isto porque
as decisões políticas das sociedades contemporâneas têm mais ligação com o
interesse do poder econômico do que com aquele dos próprios governantes. Os
Estados, que têm um papel fundamental na reprodução capitalista, ainda que
decidam e atuem, têm se revelado, nas últimas décadas, caudatários das decisões
imediatas realizadas por grandes grupos econômicos. Assim sendo, as questões
mais importantes da política acabam por ser, diretamente, aquelas que interessam
ao capital. Quando as decisões são tomadas a favor do povo ou de modo contrário
às burguesias, por exemplo, os grandes grupos econômicos e seus interesses têm
alta força de contenção e mesmo de sabotagem em relação a tais políticas que lhe
sejam opostas.
Neste ano de 2013, o maior exemplo do
grande jogo entre a política e a economia, no Brasil, não se deu com as
manifestações populares, mas, sim, com a relação entre o Estado brasileiro e o
capital, em especial no refluxo das políticas intervencionistas dos últimos anos
em favor daquelas marcadamente neoliberais. O caso notório é o da taxa oficial
de juros. Após uma queda heroica nos primeiros anos do governo Dilma, a
resistência e a pressão contrária do grande capital revelaram-se tamanhas,
inclusive em termos de represália política e apatia econômica, que o governo
retrocedeu em largos passos, majorando novamente os juros. Junto com a queda de
braços em torno da taxa de juros, a depreciação insuficiente do câmbio,
mantendo-o ainda elevado, e a insistência em políticas de contenção de gastos
públicos para pagamento de juros da dívida são outros momentos cruciais da
grande política. Nesse jogo, no qual poucas e enviesadas luzes foram lançadas
pelos grandes meios de comunicação de massa e cuja complexidade escapa aos olhos
da atenção quotidiana do povo, deu-se mais uma vez a derrota de políticas
desenvolvimentistas em favor da retomada dos padrões neoliberais.
Como romper então, definitivamente, com
tais padrões neoliberais do atraso? Em todas as sociedades capitalistas, as
políticas mais progressistas só conseguem se sustentar com grande mobilização
popular. Para isso, é preciso que haja cultura política ativa nas bases sociais
e, ainda, mecanismos de informação e de comunicação de massa plurais e arejados.
Uma das grandes impossibilidades quanto ao enfrentamento dos interesses dos
grandes capitais, no Brasil, se dá justamente porque há uma dinâmica de
acoplamento imediato entre as burguesias nacionais e internacionais e os meios
de comunicação. Assim sendo, o povo é sempre informado de modo que a boa notícia
a ele propagada é, na verdade, contra seus interesses. Enquanto não houver o
enfrentamento desse padrão, não há política econômica progressista possível ou
sustentável, na medida em que o povo está orientado ideologicamente contra
qualquer avanço que seja progressista. Como todo enfrentamento nesse nível
demanda ampla mobilização popular, aí está o impasse, justamente por não haver
apoio nem alavanca para mudanças. A política progressista, aliás, não deve só
contar com o povo, mas, em especial, deve partir dele.
Não há possibilidade de mudanças econômicas
e sociais substanciais se não houver mobilização popular, politização das massas
e exposição dos conflitos a serem superados. Ao contrário de outras experiências
de esquerda da América Latina, os governos Lula e Dilma operam sem a mobilização
e a politização do povo. Nesse quadro, até mesmo suas ações positivas não podem
avançar. Ainda que louvada como prudência, trata-se de uma política que resulta
apenas em ganhos residuais ou apoiada em margens de habilidade pessoal e sorte,
pois administra conflitos como concórdia.
As massas, hoje, continuam
instrumentalizadas de modo conservador pelos grandes aparelhos ideológicos da
sociedade. Como isso não tem sido enfrentado, a política, mesmo quando com
laivos ou desejos progressistas, acaba sendo limitada ao talhe que a economia, a
cultura e a sociedade promovem como sua média: conservador e/ou
reacionário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário