'Uma vida cheia de altos e baixos permite o artista se expressar'
O Povo - 12/01/14Em entrevista ao O POVO, o escritor e jornalista Ruy Castro relembra um tanto de sua própria biografia, destrincha a escolha dos personagens sobre os quais irá escrever e analisa as saídas para a crise do jornalismo atual.
O POVO - Você vem de uma família muito musical. De alguma forma, houve uma influência dessa sensibilidade musical no seu trabalho como jornalista?
Ruy Castro - Não saberia dizer se houve uma relação tão direta. É tudo meio misturado. Ao mesmo tempo em que ouvia música o tempo inteiro - tinha muitos discos tocados permanentemente -, havia muito jornal, que era o grande veículo de comunicação. Aprendi a ler, lendo jornal, com quatro, cinco anos. Meu pai assinava três jornais. Comprava revistas também - O Cruzeiro e outras. Tinha muito material impresso; livros quase nenhum. Havia uma curiosidade também. Não se jogavam jornais fora. Por incrível que pareça, os jornais eram guardados, empilhados. Anos depois eu próprio ia lá e tinha acesso. Com sete ou oito anos, eu não lia só os jornais do dia. Lia jornais dos anos 1940. Descobri naquele quarto dos fundos os jornais do tempo da guerra, coleções enormes de O Cruzeiro. Eu tive acesso a todas as coisas que você considere mais imediato de cultura e de arte. Você se vê despertado por algum interesse e, se seus pais não te reprimem e ao contrário até facilitam, você com 10 anos de idade acaba, como eu acabei, com uma quantidade de livros que precisava ter uma estante em casa. Uma estante que está comigo até hoje, por sinal.
OP - E como o caminho se define pelo jornalismo?
Ruy - Na minha lembrança, eu nunca quis ser outra coisa na vida que não jornalista - exceto, talvez, meia esquerda do Flamengo, mas isso toda criança sonha em jogar no seu clube. Achava que era uma coisa fascinante estar no meio das notícias. Havia muitos filmes americanos que se passavam em redação de jornal. Eu via aquele universo de muito dinamismo, aquele folclore, e achei que seria interessante trabalhar ali. Na adolescência, comecei a ver razões para isso: eu gosto de cinema, de música popular, de literatura, de teatro. Mas não me vejo com nenhuma aptidão particular para nenhuma dessas formas de expressão. Nunca seria um músico, um cineasta, um escritor, um teatrólogo. O jornal permite trabalhar com tudo. E isso eu descobri rapidamente.
OP - O que te conduziu a produzir biografias?
Ruy - Em 1986, fui para Veja São Paulo fazer uma coluna semanal. No final daquele ano, achei que precisava dar um tempo e fui para casa. Então, comecei a ter ideias de livros. Passei a ver que havia um veículo a ser explorado. Já mantinha um contato com o Luiz Schwarcz, (publisher) da Companhia das Letras. Passava a ideia para ele, era aprovada e eu já saía fazendo. Fui fazer um livro de citações, chamado Mau humor. Daí tive ideia de um livro sobre a Bossa Nova. Gostei tanto! O artigo de jornal é legal, tudo bem, mas a liberdade que você tem num livro de mergulhar num assunto e ir às últimas consequências era total. Antes mesmo de terminar o Chega de Saudade, eu tive a ideia do Anjo Pornográfico. O Schwarcz topou. Foi um grande sucesso. Depois já engatilhei com o livro do Garrincha. Não planejei nada. Fui no embalo das coisas.
OP - Nos personagens que você escolhe, como a Carmen ou o Garrincha, há sempre um elemento de tragicidade. O que te atrai na investigação de uma vida?
Ruy - A tragicidade me atrai, mas, veja bem, estou escrevendo sobre a vida de alguém. Uma pessoa cuja obra eu admiro e sobre cuja vida eu tenho curiosidade. Por acaso a vida dessas pessoas, da maneira como eu vejo, é movimentada. Eu quero que seja uma vida cheia de altos e baixos. É essa vida que permite um artista se expressar bastante. Se for uma pessoa que passou a vida em brancas nuvens, como se diz, cujo grande problema foi pagar o aluguel, como o (maestro) Tom (Jobim), não tem muita graça.
OP - Há uma crise global dos jornais impressos. Como você avalia esse quadro?
Ruy - Os jornais precisam tomar uma atitude em relação à forma e ao formato para não ficar para trás. É muito triste você ler num jornal de manhã a mesma notícia que você já leu à tarde na véspera. Eu fico o dia inteiro ligado no online. E dá uma triste sensação de déjà vu no jornal do dia seguinte. A maneira de corrigir isso é investindo na qualidade da informação, na reportagem para que o jornal tenha uma superioridade em relação ao online, que é péssimo. O jornal precisa dar melhor a informação e melhor a opinião. Todo mundo deveria ser repórter especial e tornar uma matéria atraente. Precisaria ter mais investimento em qualidade. Para isso, não precisa fazer um jornal tão grande. Pode fazer menor e mais bem feito.
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