sexta-feira, 4 de julho de 2014

COPA É NOSSA. Galeno Amorim

Copa é nossa!

Diário de Copa 10
Elegantemente sentado em seu banco de pedra no cruzamento da Atlântica com a Avenida Rainha Elizabeth, onde morou em vida, Carlos Drummond de Andrade, por instantes liberto da avalanche de selfie dos turistas, deu o veredito:

- A propriedade está salva!

A declaração, em tom formal, extraída dos versos do poema A Morte do Leiteiro, bela página da literatura nacional, não podia ser mais precisa. Só que o poeta mineiro não se referia ao pulo, sofrido, do Brasil rumo às Quartas-de-Final, por sobre o Chile caído. Drummond dizia mesmo era sobre Copacabana, bairro querido que escolheu para viver e contemplar a justa eternidade.

Por isso, ele se limitou a sorrir e a consentir, rendendo-se malandramente às evidências, ao notar, findo o jogo, a chegada de tropas verde-amarelas para reconquistar a Princesinha do Mar para os braços do solo pátrio.

De fato, quem mirasse, desde o Forte de Copacabana – onde se encontra entrincheirada a turma da Fifa, já na divisa com o Arpoador – até a outra ponta da praia, sede de antiga fortaleza militar do Leme (que, como se sabe, de nada adiantou diante da iminente invasão chilena nos dias iniciais da Copa do Mundo), não teria dúvida alguma.

A operação brazuca foi rápida e inconteste. Para cada não-brasileiro ali, uns mil dos nativos. Todos galhardamente trajados. No início, é verdade, o grito, entalado, custou a sair da garganta. Não adiantou a trave e o juiz inglês anunciarem o fim de jogo. Ninguém acreditou neles. Os primeiros a pisar na orla badalada se limitaram a um riso nervoso, mais de alívio do que de felicidade.

Mas era só questão de tempo.

Os brazucas foram brotando das areias brancas da praia, do Calçadão, de cada rua e viela de Copacabana e adjacências, sabe-se lá vindos de onde. Extravasando alegria, panos das cores nacionais na cabeça, na orelha, no torso nu de homens e mulheres e até no patinete da criança, na bicicleta do vovô e no cão arrastado pela coleira. Tudo, enfim, que uma torcida merece.

Para que não restasse dúvida sobre a reocupação avassaladora de Copa, marronzinhos se posicionaram, soberbamente, defronte ao Copacabana Palace e ao lado dos símbolos maiores do bairro, dominado, em semanas passadas, como se sabe, por torcidas azuis e vermelhas. Agora, porém, estava tudo (re) dominado. O reforço que chegou em caminhões, ônibus e viaturas, apoiados por helicóptero da PM, não se fazia mais necessário.

Dois chilenos, que retornavam cabisbaixos, nem esboçaram reação diante da provocação:

- Vamos a la casa, ôôôôô!!!

Já não havia ninguém pra responder. Nem quando valentes torcedores brasileiros, certamente orgulhosos dos seus iguais que vaiaram, feiamente, o hino do Chile à capela no Mineirão, partiram pra apelação:

- Olê, olê, olê, olê, olê!!! Chi-le foi se f....!!!

Aos poucos, bandeiras do Brasil foram surgindo nas sacadas dos prédios. O reco-reco, o tamborim e o surdo tomaram conta da avenida. A caipirinha voltou a ser a bebida oficial de Copa, agora já não mais o ferné, a cachaça portenha com gosto de pasta de dente misturada com Coca-Cola, que fez moda ultimamente entre os quiosques da beira-mar.

Nem quando a luz do dia se apagou, pontualmente às cinco da tarde – não se sabe, até agora, se por ordem da Fifa ou não... –, e o breu do oceano tingiu de preto a cidade, os conquistadores davam sinais de quererem ir pra casa.

Copacabana estava salva. Elegantemente sentado em seu banco de pedra no cruzamento da Atlântica com a Avenida Rainha Elizabeth, onde morou em vida, Carlos Drummond de Andrade, por instantes liberto da avalanche de selfie dos turistas, deu o veredito:

- A propriedade está salva!

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