quarta-feira, 16 de julho de 2014

"NINGUÉM SABE MAIS O QUE É PÚBLICO OU PRIVADO", DIZ ESPECIALISTA EM DIREITO AUTORAL.

“Ninguém sabe mais o que é público ou privado”, diz especialista em direito autoral

Bem Paraná - 20/01/14

Rui Bittencourt

Especialista em direitos autorais, o advogado Rui Bittencourt critica o projeto em tramitação na Câmara Federal, que trata da questão das biografias – assunto que causou grande discussão na esteira do movimento liderado pelo grupo “Procure Saber”, que reúne artistas como Roberto Carlos, Caetano Veloso e Chico Buarque, e tentou barrar mudanças na legislação sobre o assunto, para manter a exigência de que essas obras só possam ser publicadas com autorização prévias dos biografados ou seus herdeiros. E não porque ele seja a favor dessa tese restritiva, mas porque segundo Bittencourt, o texto em discussão no Legislativo não muda absolutamente nada.

Para o advogado, o melhor cenário para a liberdade de expressão no País é o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ação impetrada pelo Associação dos Editores, que contesta essas restrições. Porque na visão de Bittencourt, não há dúvida de que os ministros do STF vão consagrar o entendimento de que as biografias podem ser publicadas sem qualquer censura prévia, independente de autorização dos envolvidos. E se alguém se sentir ofendido ou prejudicado, que busque seus direitos nos tribunais, como acontece nos países desenvolvidos.

Em entrevista ao Bem Paraná, o advogado explica o porque desse entendimento, e aponta que a mesma crise vivida pelas indústrias fonográfica e cinematográfica com a popularização da pirataria virtual fatalmente vai atingir também o mercado editorial com a proliferação dos livros digitais.

Bem Paraná – As novas tecnologias trouxeram uma série de questionamentos sobre os direitos autorais. Como essa questão é vista hoje no mundo jurídico?
Rui Bittencourt – Está em tramitação há um bom tempo um projeto da nova lei dos direitos autorais que em alguma medida vai tratar desta questão das novas tecnologias. Mas do meu ponto de vista, o que a gente percebe é que tratar das novas tecnologias na nova lei com temas específicos é perda de tempo, porque essas tecnologias vão passar também. Na verdade deveria ser feita mais uma adequação teórica, de debate sobre quem é o autor, o que é uma obra protegida ou não protegida. A gente tem hoje no direito autoral a questão da obra coletiva, você determina o papel de cada autor. A nossa lei não tem a obra colaborativa, que é o que a piazada faz na internet hoje. Você não sabe quem fez, onde começou, como vai terminar. De quem que é esse trabalho? É protegido ou não? Esse tipo de questão teórica a gente deveria estar debatendo mais do que se preocupar com é na internet ou não.

BP – Como conciliar a preservação do direito do autor e o direito ao acesso a bens culturais?
Bittencourt – Acho que é um conflito falso esse. O que é protegido pelo direito autoral é a exceção. O que acontece na verdade é um conflito comercial. Todo mundo quer consumir o que a mídia diz para consumir. E isso com um interesse comercial por trás. Se incentiva o consumo das obras protegidas.

BP – O adolescente médio hoje não pensa duas vezes em baixar um disco ou um filme, independente de direitos autorais ou não. Como lidar com isso diante de uma legislação que não contempla essa nova realidade?
Bittencourt – Na prática ela não vale. Não tem como resolver esse conflito. É uma guerra perdida. Especificamente do mercado musical e cinematográfico. Eles têm que arrumar outros meios de captar os recursos que eles captavam com a venda do disco. Cada vez menos a gente vai ter a cultura de compra discos. No livro isso vai começar a acontecer também.

BP – Como essa questão está sendo encarada pelo mercado editorial?
Bittencourt – O grande problema do livro no Brasil é sempre foi livro acadêmico. Não o livro que se compra pelo lazer. O acadêmico tira fotocópia, agora, se encontrar na internet, vai baixar. Mas como é uma questão que já vem há muito tempo, não é o foco das editoras. Já é creditado como um mercado perdido. O livro que vende muito bem, como manual de sala de aula, a gente sabe que vai ter um percentual que não vai comprar. Isso já é calculado no custo do livro.

BP – E com a popularização do livro digital, há o risco de disseminação da pirataria virtual?
Bittencourt – Há o risco e na verdade já é uma realidade. Só que como o mercado de livro digital ainda é minúsculo no Brasil, irrisório, para as editoras não faz diferença, vira uma propaganda do livro. É o mesmo erro, mas é um erro que é impossível não cometer, porque você não tem como não entrar no mercado digital. Tudo está se concentrando nos gadgets. Você não tem opção. E tem outra coisa, no caso do livro acadêmico, elas vão entrar em um outro modelo que é de venda de conteúdo, não é de livro. E aí é mais fácil ainda espalhar. A questão é a mesma dos outros tipos de conteúdo. Existe conteúdo aberto que você pode usar à vontade. Se você fizer uma busca por artigos acadêmicos gratuitos, existe uma quantidade muito maior, liberada.

BP - Recentemente o músico norte-americano David Byrne publicou um artigo em um jornal inglês afirmando que “a internet vai sugar todo o talento criativo da humanidade”, e que o modelo de streaming comum hoje no audiovisual é insustentável para o artista. O que você acha?
Rui Bittencourt – O modelo é supersustentável para as gravadoras e empresas de mídia, pois são eles que decidem qual o modelo válido. O artista vai ter que se readequar. Quer entrar na brincadeira? Você vale menos agora. É cruel, é terrível. O que acontece é que o que era investido, distribuído para meia-dúzia, agora vai ser distribuído para mil artistas. E a conta não fecha.

BP – Na questão das biografias, o que prevê o projeto em tramitação na Câmara Federal?
Bittencourt – No fundo está sendo feito um alarido muito grande para um projeto que legalmente não vai mudar nada. A ideia era de quem sem autorização do biografado ou da família você não pode publicar uma biografia. A interpretação que a gente tem hoje nos tribunais, se pegar o artigo 20 do Código Civil que eles querem mudar não fala isso. Ele fala que salvo se for autorizado, poderá ser proibido. Então se você não tiver uma autorização prévia, lá na frente pode ser proibido. Não fala que está desde o início proibido. O proibido é exceção. Na prática se criou um mercado paralelo. Para evitar problemas lá na frente. Porque a editora não vai investir em um livro para tê-lo recolhido lá na frente em um processo. As próprias editoras seguram. A editora também não quer se indispor com algumas personalidades, principalmente políticas. O artigo nova da proposta diz que a falta de autorização não é por si só um limitador para começar a biografia. Não muda nada. Exatamente a mesma coisa.

Bem Paraná - Há um conflito dois direitos fundamentais – à privacidade e à liberdade de expressão?
Rui Bittencourt – Há. Só que a gente está vivendo em um momento de transição. Essa discussão surgiu em um momento em que só complica. A gente não sabe mais o que é privado, o que é público. E não só dos famosos. Da pessoa comum também. Tem um ponto nesse artigo novo do projeto de lei que fala que são as pessoas ‘públicas, relevantes, ou que tenham algum resultado na vida em sociedade’. Mas hoje todo mundo tem. A gente não vive isolado. O que é o privado, o público. Chega um ponto em que há um choque entre a liberdade de expressão e o direito a privacidade. Quem vai decidir isso? A Justiça.

BP – Mas a lei não deveria ser mais clara?
Bittencourt – Não tem como estabelecer um limite. É um limite muito tênue. Você pega o exemplo do Caetano Veloso e da Paula Lavigne. Ele tem a parte da vida dele que é pública e interessa para todo mundo, e cabe em uma biografia. E óbvio que tem a parte privada, que se deixa de lado. Mas ao mesmo tempo ele aparece na capa da Caras: ‘Paula Lavigne e Caetano Veloso abrem sua casa para a Caras’. Isso deixou de ser privado e virou público ou continua sendo privado e ele só liberou para aquela aparição específica? É muito difícil você estabelecer um limite objetivo.

BP – E muitas vezes questões pessoas, privadas, são fundamentais para você entender a obra de determinado artista. Não é difícil separar isso?
Bittencourt – Muito difícil. Vai de analisar caso a caso na Justiça. Não tem como colocar na lei que até aqui pode, depois daqui não pode. Os nossos tribunais prezam muito pela questão da honra, se afeta a vida profissional da pessoa.

BP – Não fica um poder discricionário muito grande na mão do juiz?
Bittencourt – Muito grande. Só que a gente tem no Direito duas opções: ou a opção Legislativa ou pelo Judiciário. No Legislativo, você tem a eleição que legitima. O Judiciário é mais técnico.

Bem Paraná – A gente não vê o tipo de restrição que se vê no Brasil, nas biografias de figuras públicas e artistas estrangeiros. Como é a lei nesses países?
Rui Bittencourt – A legislação, principalmente americana, é mais ou menos isso: ‘pode falar, depois aguente’. Você está liberado para falar. O processo que vem depois, que vai analisar se o que você falou é verdade ou não, se ofendeu a honra da pessoa ou não, tudo isso vai ser analisado. Se causou prejuízo para a pessoa ou não. Mas também não é tão liberado. Você pode fazer uma biografia, mas não pode ter outro tipo de lucro com a biografia. Não pode vender uma camiseta com a foto do biografado.

BP – Mas a gente não vê os artistas de lá recorrendo tanto à Justiça para barrar esse tipo de obra.
Bittencourt – É o nosso provincianismo. E também a mania de controle dos nossos artistas. Cultiva-se no Brasil a imagem do artista como um santo, alguém intocável.

BP – Nesse cenário, o melhor seria então o julgamento da ação da Associação dos Editores no Supremo?
Bittencourt – Sim. O melhor caminho é pacificar o entendimento agora nessa Adin. Ali o STF vai definir o posicionamento dele. É praticamente certo que ele vai dizer a mesma coisa que o legislador quis dizer com esse projeto de lei e não disse. Que seria a biografia pode ser publicada independente de autorização, se tiver problema, depois responde por isso na Justiça. Tendo essa questão definida, some inclusive esse mercado paralelo, como contou o editor da Companhia das Letras contou sobre a biografia do Garrincha, que foi previamente censurada, e daí o advogado das filhas do Garrincha ligou para ele e falou: ‘vamos fazer o Natal das meninas’. Isso criou esse estigma de que a família ou o biografado tem direito a 5% do valor de venda da obra.

BP - Faz sentido o biografado receber royalties por uma biografia dele feita por terceiros?
Bittencourt – Se a biografia foi escrita com base em depoimentos do biografado ou de seus herdeiros, ótimo. Não vejo o menor problema que ele receba uma participação. Ele está contando a história dele, ou de seu parente. Agora receber royalties por um livro que foi escrito que ele não tem participação nenhuma, é um absurdo. Principalmente querer comparar esse royaltie com o direito autoral, como fez o Djavan, que disse que se sente como quando tocam uma música dele e não pagam direito autoral. Direito autoral é do autor.

BP - E no caso do uso desse material para base de produtos audiovisuais – filmes, minisséries?
Bittencourt – A gente tem alguns rolos de filmes e biografias que foram vetados. Não é o suporte que interessa, mas o conteúdo biográfico. Se for um produto de terceiros, a pessoa não teria direito.

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