JESUS E BUDA
'1. Há mais de meio século, Romano Guardini, um pensador católico de grande prestígio, dizia que Buda é o último génio religioso da humanidade com o qual o cristianismo teria de se explicar. Entretanto, no Ocidente, as comunidades budistas e as publicações sobre o budismo multiplicavam-se. Os encontros entre budismo e cristianismo tornaram-se frequentes. As figuras de Jesus e Buda começaram a aparecer juntas em várias obras. Já, aqui, apresentei o sugestivo e pertinente ensaio de Odon Vallet (1).
Não se trata apenas de uma multiplicação de diálogos intelectuais ou de imagens de Budas com Cristo no coração ou de Budas ao pé da cruz nem de budistas a meditar os Evangelhos e de cristãos aplicados a descobrir o método e as técnicas de meditação dos monges budistas (2). Para Arnold Toynbee, o grande historiador das civilizações, o encontro destas duas heranças, tão próximas e tão longínquas, representou “o acontecimento mais significativo do século XX”
A revista Le Monde des Réligions (nº18.2006) acaba de chamar a atenção de forma circunstanciada para um fenómeno muito mais complexo _ o dos chamados “cristãos budistas”. Há quem veja nesse caminho uma reprovável tendência sincretista ao serviço da expansão do budismo para o Ocidente.
Para evitar equívocos, importa não esquecer que tanto o budismo como o cristianismo vivem e exprimem-se através de experiências, escolas e tradições plurais. É preciso perguntar, em cada caso, que budismo e que cristianismo estão em diálogo. O que para uns pode parecer uma traição ou um oportunismo, para outros é uma exigência de fidelidade a dimensões a que não querem renunciar.
2. Frédéric Lenoir, no editorial do dossier sobre os “cristãos budistas”, ao referir-se à personalidade do Dalai Lama e ao seu discurso sobre tolerância, não-violência e compaixão _ que tanta ressonância tem no Ocidente _ sublinha a ausência de proselitismo que, por outro lado, é uma nota constante das religiões monoteístas. É conhecida a fórmula do monge tibetano: “Não vos convertais, ficai na vossa religião”. Mas não falta quem veja nesse desprendimento uma táctica eficaz para atrair ocidentais cansados de manipulação.
F. Lenoir conta uma história testemunhada por ele na Índia, em Dharamsada, quando foi entrevistar o Dalai Lama, que prova o contrário e talvez exprima bem as estrofes de uma oração muito citada por este autêntico Bodhisanttva da Compaixão. “Tanto quanto dure o espaço / e tanto quanto os seres permaneçam, / possa também eu permanecer / e dissipar o sofrimento dos seres”.
Essa história não é longa. No dia anterior à sua entrevista, encontrou, no hotel, um budista inglês, Peter e o seu filho Jack de 11 anos. Alguns meses antes tinha morrido a esposa de Peter, depois de uma longa doença e de muito sofrimento. Peter tinha pedido ao Dalai Lama um encontro de cinco minutos, o tempo de uma bênção.
Depois da entrevista do jornalista, seguiu-se a de Peter e Jack. Não foram cinco minutos. Foram duas horas. Peter contou-me o que lhes tinha acontecido:
“Comecei por lhe falar, banhado em lágrimas, da morte da minha esposa. O Dalai Lama abraçou-nos. Perguntou-me, depois, qual era a minha religião. Contei-lhe as minhas origens judaicas e a deportação da minha família para Auschwitz que tinha recalcado. Esta ferida profunda abriu-se e fiquei submergido pela emoção. Dalai Lama abraçou-me novamente. Senti as suas lágrimas de compaixão: ele chorava comigo e tanto como eu. Falei-lhe, depois, do meu itinerário espiritual: a minha falta de interesse pela religião judaica, a minha descoberta de Jesus através da leitura dos Evangelhos, a minha conversão ao cristianismo, que, há vinte anos foi a grande luz da minha vida. Veio, depois, a decepção, ao não encontrar a força da mensagem de Jesus na Igreja Anglicana, o meu afastamento progressivo, a minha necessidade profunda duma espiritualidade que me ajudasse a viver e a descoberta do budismo, que pratico, desde há vários anos, na sua versão tibetana. Quando acabei, o Dalai Lama ficou silencioso. Depois, voltou-se para o seu secretário e falou-lhe em tibetano. Este último voltou com um ícone de Jesus. Fiquei estupefacto. O Dalai Lama entregou-mo com estas palavras: ‘Buda é a minha via, Jesus é a tua’. Era a terceira vez que me vinham as lágrimas. Encontrei, de repente, todo o amor que tinha por Jesus no momento da minha conversão, vinte anos antes. Compreendi que tinha continuado cristão. Procurava no budismo um suporte de meditação, mas no fundo, nada mexia tanto comigo como a pessoa de Jesus. Em menos de duas horas, o Dalai Lama reconciliou-me comigo mesmo e curou-me as feridas profundas. Ao partir, prometeu a Jack que o iria encontrar todas as vezes que fosse a Inglaterra”.
F. Lenoir escreve que nunca mais poderá esquecer o rosto transformado deste pai e do seu filho. A compaixão do Dalai Lama não era uma palavra vã e nada tinha a invejar à dos santos cristãos.
3. Como ele já tinha mostrado em 1994, a cristãos e budistas, num seminário sobre os Evangelhos, a atitude do Dalai Lama é um sinal claro de que não pretende fazer proselitismo nem alimentar confusões.
Encontramos cada vez mais pessoas sensíveis às suas tradições espirituais. Há budistas convertidos ao cristianismo que conservam uma ligação profunda à religião da sua infância e cristãos que se tornaram budistas e regressam ao cristianismo conservando a meditação budista, e também budistas que rezam a Jesus. Referimo-nos aqui ao budismo tibetano apresentado pelo Dalai Lama na obra citada. Não se trata, pois, de um fenómeno de exclusão mútua. Seja como for, é preciso vencer a grande tentação de comparar o melhor de uma tradição ao pior da outra ou anular as suas profundas diferenças.
Deixo a pergunta: a suprema “iluminação” como dom do Céu, e a suprema “iluminação”, como movimento ascendente da Terra, serão contraditórias?'
*
(1) Odon Vallet, JESUS E BUDA, DESTINOS CRUZADOS, Piaget
(2) SUA SANTIDADE O DALAI LAMA, A BONDADE DO CORAÇÃO,
UMA PERSPECTIVA BUDISTA SOBRE OS ENSINAMENTOS DE JESUS,
Lisboa, ASA, 1997
JESUS E BUDA , Por Frei Bento Domingues, O.P., In PÚBLICO, 9/Jul/2006
Não se trata apenas de uma multiplicação de diálogos intelectuais ou de imagens de Budas com Cristo no coração ou de Budas ao pé da cruz nem de budistas a meditar os Evangelhos e de cristãos aplicados a descobrir o método e as técnicas de meditação dos monges budistas (2). Para Arnold Toynbee, o grande historiador das civilizações, o encontro destas duas heranças, tão próximas e tão longínquas, representou “o acontecimento mais significativo do século XX”
A revista Le Monde des Réligions (nº18.2006) acaba de chamar a atenção de forma circunstanciada para um fenómeno muito mais complexo _ o dos chamados “cristãos budistas”. Há quem veja nesse caminho uma reprovável tendência sincretista ao serviço da expansão do budismo para o Ocidente.
Para evitar equívocos, importa não esquecer que tanto o budismo como o cristianismo vivem e exprimem-se através de experiências, escolas e tradições plurais. É preciso perguntar, em cada caso, que budismo e que cristianismo estão em diálogo. O que para uns pode parecer uma traição ou um oportunismo, para outros é uma exigência de fidelidade a dimensões a que não querem renunciar.
2. Frédéric Lenoir, no editorial do dossier sobre os “cristãos budistas”, ao referir-se à personalidade do Dalai Lama e ao seu discurso sobre tolerância, não-violência e compaixão _ que tanta ressonância tem no Ocidente _ sublinha a ausência de proselitismo que, por outro lado, é uma nota constante das religiões monoteístas. É conhecida a fórmula do monge tibetano: “Não vos convertais, ficai na vossa religião”. Mas não falta quem veja nesse desprendimento uma táctica eficaz para atrair ocidentais cansados de manipulação.
F. Lenoir conta uma história testemunhada por ele na Índia, em Dharamsada, quando foi entrevistar o Dalai Lama, que prova o contrário e talvez exprima bem as estrofes de uma oração muito citada por este autêntico Bodhisanttva da Compaixão. “Tanto quanto dure o espaço / e tanto quanto os seres permaneçam, / possa também eu permanecer / e dissipar o sofrimento dos seres”.
Essa história não é longa. No dia anterior à sua entrevista, encontrou, no hotel, um budista inglês, Peter e o seu filho Jack de 11 anos. Alguns meses antes tinha morrido a esposa de Peter, depois de uma longa doença e de muito sofrimento. Peter tinha pedido ao Dalai Lama um encontro de cinco minutos, o tempo de uma bênção.
Depois da entrevista do jornalista, seguiu-se a de Peter e Jack. Não foram cinco minutos. Foram duas horas. Peter contou-me o que lhes tinha acontecido:
“Comecei por lhe falar, banhado em lágrimas, da morte da minha esposa. O Dalai Lama abraçou-nos. Perguntou-me, depois, qual era a minha religião. Contei-lhe as minhas origens judaicas e a deportação da minha família para Auschwitz que tinha recalcado. Esta ferida profunda abriu-se e fiquei submergido pela emoção. Dalai Lama abraçou-me novamente. Senti as suas lágrimas de compaixão: ele chorava comigo e tanto como eu. Falei-lhe, depois, do meu itinerário espiritual: a minha falta de interesse pela religião judaica, a minha descoberta de Jesus através da leitura dos Evangelhos, a minha conversão ao cristianismo, que, há vinte anos foi a grande luz da minha vida. Veio, depois, a decepção, ao não encontrar a força da mensagem de Jesus na Igreja Anglicana, o meu afastamento progressivo, a minha necessidade profunda duma espiritualidade que me ajudasse a viver e a descoberta do budismo, que pratico, desde há vários anos, na sua versão tibetana. Quando acabei, o Dalai Lama ficou silencioso. Depois, voltou-se para o seu secretário e falou-lhe em tibetano. Este último voltou com um ícone de Jesus. Fiquei estupefacto. O Dalai Lama entregou-mo com estas palavras: ‘Buda é a minha via, Jesus é a tua’. Era a terceira vez que me vinham as lágrimas. Encontrei, de repente, todo o amor que tinha por Jesus no momento da minha conversão, vinte anos antes. Compreendi que tinha continuado cristão. Procurava no budismo um suporte de meditação, mas no fundo, nada mexia tanto comigo como a pessoa de Jesus. Em menos de duas horas, o Dalai Lama reconciliou-me comigo mesmo e curou-me as feridas profundas. Ao partir, prometeu a Jack que o iria encontrar todas as vezes que fosse a Inglaterra”.
F. Lenoir escreve que nunca mais poderá esquecer o rosto transformado deste pai e do seu filho. A compaixão do Dalai Lama não era uma palavra vã e nada tinha a invejar à dos santos cristãos.
3. Como ele já tinha mostrado em 1994, a cristãos e budistas, num seminário sobre os Evangelhos, a atitude do Dalai Lama é um sinal claro de que não pretende fazer proselitismo nem alimentar confusões.
Encontramos cada vez mais pessoas sensíveis às suas tradições espirituais. Há budistas convertidos ao cristianismo que conservam uma ligação profunda à religião da sua infância e cristãos que se tornaram budistas e regressam ao cristianismo conservando a meditação budista, e também budistas que rezam a Jesus. Referimo-nos aqui ao budismo tibetano apresentado pelo Dalai Lama na obra citada. Não se trata, pois, de um fenómeno de exclusão mútua. Seja como for, é preciso vencer a grande tentação de comparar o melhor de uma tradição ao pior da outra ou anular as suas profundas diferenças.
Deixo a pergunta: a suprema “iluminação” como dom do Céu, e a suprema “iluminação”, como movimento ascendente da Terra, serão contraditórias?'
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(1) Odon Vallet, JESUS E BUDA, DESTINOS CRUZADOS, Piaget
(2) SUA SANTIDADE O DALAI LAMA, A BONDADE DO CORAÇÃO,
UMA PERSPECTIVA BUDISTA SOBRE OS ENSINAMENTOS DE JESUS,
Lisboa, ASA, 1997
JESUS E BUDA , Por Frei Bento Domingues, O.P., In PÚBLICO, 9/Jul/2006
'O budismo, como vimos, influenciou a ideologia de Jesus, a ponto dos ensinamentos de Jesus serem comparados aos de Siddhartha. Sob o ponto de vista budista Jesus é um ser Iluminado, um Buda, assim como ele é tido como o Cristo (ungido por Deus) pelos cristãos. Algumas correntes budistas defendem que ele estudou com monges durante sua juventude, construindo a base para os seus futuros ensinamentos, dada a similaridade da sua mensagem com a do Budismo. Outro fato que os budistas defendem é o caráter meditativo de Jesus que, assim como Buda, se retirava frequentemente para meditar. Este ato tão simples é uma característica das religiões orientais, visto que no Judaísmo geralmente as pessoas iam para a sinagoga orar a Deus. Segundo os budistas, assim como Siddhartha, numa dessas meditações Jesus atingiu a Iluminação, tornando-se um Buda, após vencer o demônio (o opositor) no deserto.
Como vimos, existem representações de um Buda como sendo o "Bom Pastor". Como o Buda histórico não possui nenhuma ligação simbólica neste sentido, é certeza que os monges budistas cultuavam Jesus como um Buda. Algumas escolas budistas estudam os ensinamentos de Jesus juntamente com os de Buda, visto que a meta de ambos era remover os obstáculos da vida espiritual dos homens. Atualmente tenta-se encontrar um ponto em comum entre a espiritualidade cristã e a budista, o que está gerando uma campanha ecumênica pelo mundo.'
Como vimos, existem representações de um Buda como sendo o "Bom Pastor". Como o Buda histórico não possui nenhuma ligação simbólica neste sentido, é certeza que os monges budistas cultuavam Jesus como um Buda. Algumas escolas budistas estudam os ensinamentos de Jesus juntamente com os de Buda, visto que a meta de ambos era remover os obstáculos da vida espiritual dos homens. Atualmente tenta-se encontrar um ponto em comum entre a espiritualidade cristã e a budista, o que está gerando uma campanha ecumênica pelo mundo.'
JESUS NO BUDISMO, Shaka (Rafael Vilaça)
Fonte: Blog de Espiritismo
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