Médicos
orientados por marqueteiros
Ray
Moynihan, Alain Wasmes
Com
uma rara franqueza, Perry explica a maneira como as empresas farmacêuticas não
só catalogam e definem seus produtos com sucesso, tais como o Prozac ou o
Viagra, mas definem e catalogam também as condições que criam o mercado para
esses medicamentos.
Sob
a liderança de marqueteiros da indústria farmacêutica, médicos especialistas e
gurus como Perry sentam-se em volta de uma mesa para "criar novas idéias sobre
doenças e estados de saúde". O objetivo, diz ele, é fazer com que os clientes
das empresas disponham, no mundo inteiro, "de uma nova maneira de pensar nessas
coisas". O objetivo é, sempre, estabelecer uma ligação entre o estado de saúde e
o medicamento, de maneira a otimizar as vendas.
Para
muitos, a idéia segundo a qual as multinacionais do setor ajudam a criar novas
doenças parecerá estranha, mas ela é moeda corrente no meio da indústria.
Destinado a seus diretores, um relatório recente de Business Insight mostrou que
a capacidade de "criar mercados de novas doenças" traduz-se em vendas que chegam
a bilhões de dólares. Uma das estratégias de melhor resultado, segundo esse
relatório, consiste em mudar a maneira como as pessoas vêem suas disfunções sem
gravidade. Elas devem ser "convencidas" de que "problemas até hoje aceitos no
máximo como uma indisposição" são "dignos de uma intervenção médica".
Comemorando o sucesso do desenvolvimento de mercados lucrativos ligados a novos
problemas da saúde, o relatório revelou grande otimismo em relação ao futuro
financeiro da indústria farmacêutica: "Os próximos anos evidenciarão, de maneira
privilegiada, a criação de doenças patrocinadas pela empresa".
Dado
o grande leque de disfunções possíveis, certamente é difícil traçar uma linha
claramente definida entre as pessoas saudáveis e as doentes. As fronteiras que
separam o "normal" do "anormal" são freqüentemente muito elásticas; elas podem
variar drasticamente de um país para outro e evoluir ao longo do tempo. Mas o
que se vê nitidamente é que, quanto mais se amplia o campo da definição de uma
patologia, mais essa última atinge doentes em potencial, e mais vasto é o
mercado para os fabricantes de pílulas e de cápsulas.
Em
certas circunstâncias, os especialistas que dão as receitas são retribuídos pela
indústria farmacêutica, cujo enriquecimento está ligado à forma como as
prescrições de tratamentos forem feitas. Segundo esses especialistas, 90% dos
norte-americanos idosos sofrem de um problema denominado "hipertensão arterial";
praticamente quase metade das norte-americanas são afetadas por uma disfunção
sexual batizada FSD (disfunção sexual feminina); e mais de 40 milhões de
norte-americanos deveriam ser acompanhados devido à sua taxa de colesterol alta.
Com a ajuda dos meios de comunicação em busca de grandes manchetes, a última
disfunção é constantemente anunciada como presente em grande parte da população:
grave, mas sobretudo tratável, graças aos medicamentos. As vias alternativas
para compreender e tratar dos problemas de saúde, ou para reduzir o número
estimado de doentes, são sempre relegadas ao último plano, para satisfazer uma
promoção frenética de medicamentos.
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