domingo, 14 de dezembro de 2014

PARA ESTUDANTE BRASILEIRO, LIVRO É COMO BÍBLIA.

Para estudante brasileiro, livro é como Bíblia

Sabine Righetti

Existe um fenômeno na escola brasileira muito relacionado à religião: a maneira como os estudantes se relacionam com os professores e com os livros. É uma ligação hierárquica e pouco questionadora muito parecida com a que encontramos nas igrejas e em outros espaços religiosos.

Funciona mais ou menos assim: as pessoas aprendem que não devem questionar a Bíblia e nem os padres ou pastores, afinal, o que eles trazem é verdade absoluta. Como consequência, acabam levando esse mesmo comportamento para a escola. Tudo o que se aprende é verdade, estático e imutável.

O problema é que o conhecimento não é estático e imutável. Quem trabalha com ciência sabe que os livros didáticos mudam lentamente conforme os cientistas avançam nos laboratórios de todo o mundo. Um exemplo? Antes, a gente aprendia na escola que a menor parte da matéria eram as partículas atômicas prótons, nêutrons e elétrons. Hoje já se fala em bóson de higgs, uma partícula elementar que forma todas as outras –incluindo os mesmos prótons, nêutrons e elétrons. O que aprendemos muda o tempo todo.

Então por que lidamos com os livros como lidamos com a Bíblia?

Esse fenômeno, vale dizer, não é só brasileiro. Para especialistas em educação com os quais conversei nas últimas semanas, durante uma pesquisa que estou fazendo nos Estados Unidos, o comportamento religioso na escola é observado especialmente na América Latina e no Oriente Médio, onde estão os países mais religiosos do mundo como a Jordânia (de maioria islâmica).

LATINOS E ÁRABES

Muitos professores que trabalham com empreendedorismo em universidades “top” dos EUA–como Harvard, MIT, Universidade de Michigan e Carnegie Mellon– sabem que os estudantes da América Latina e do Oriente Médio tendem a ser menos questionadores que os demais alunos estrangeiros (que são 25% do total matriculado) e não gostam de arriscar em novos negócios. Isso, claro, está ligado a vários fatores sociais e econômicos e, também, à educação desde os primeiros anos da escolas. “Se eu não tomar cuidado para diversificar, acabo trabalhando só com alunos asiáticos e indianos”, diz Paulo Bottino, que coordena um curso de inovação e empreendedorismo de Harvard, a melhor universidade do mundo.

Com esse comportamento religioso em sala de aula, passivo e pouco criativo, o aluno acaba se envolvendo pouco e procura poucas respostas fora da sala de aula porque é treinado para não ter muitas perguntas. O problema é que não dá para ser um país desenvolvido, inovador e competitivo internacionalmente se os estudantes brasileiros –os 50 milhões da educação básica e os sete milhões do ensino superior– continuarem agindo passivamente e de maneira pouco questionadora.

Não se trata, veja bem, de relacionar a religião com piores índices de educação –ainda que muitos especialistas façam isso. O debate não é sobre fé e empreendedorismo, por exemplo. A abordagem aqui diz respeito à influência do comportamento religioso na sala de aula. Alguém aí tem alguma ideia de como ensinar de maneira questionadora desde os primeiros anos da escola?

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