Folha
de São Paulo – 17/09/2015
O
anúncio dos cortes de R$ 26 bilhões no orçamento pela equipe de Dilma revela
mais uma vez a saída que o governo oferece para a crise. Refém das chantagens de
agências de risco e de ultimatos editoriais como o desta Folha
no último domingo, a conta veio novamente para o andar de baixo. Cortes na
moradia, na saúde e congelamento salarial para os servidores.
Para
aumentar a arrecadação, a principal medida proposta foi a recriação da CPMF, sem
qualquer alíquota progressiva. Taxação de fortunas, lucros de bancos,
dividendos? Nem uma palavra. Ao contrário, o governo apontou para a redução do
IOF, que incide sobre o capital financeiro. A Febraban aplaudiu e pediu bis.
Tal
como a covardia do governo, impressiona a hipocrisia tributária dos ricos no
Brasil. Reclamam sem parar da carga de impostos, obtiveram isenções bilionárias
nos últimos anos e ganharam horrores no período de bonança. Agora não aceitam
pagar a conta. Brasileiro já paga muito imposto, dizem. Permitam a pergunta:
quais brasileiros?
Se
estão falando dos mais pobres e dos setores médios têm razão. Segundo o IPEA, os
trabalhadores com renda mensal até dois salários mínimos deixam 54% dos seus
gastos em impostos. Já aqueles com renda superior a trinta salários mínimos
deixam para a Receita 29% dos seus gastos, quase a metade dos mais pobres.
Esta
distorção ocorre porque a maior parte da carga tributária brasileira (51,3%)
incide sobre o consumo de bens e serviços. Neste quesito, os diferentes são
tratadas convenientemente como iguais. Outros 25% da carga são sobre os
salários. Apenas 18% sobre a renda e –pasmem– menos de 4% sobre a propriedade.
As
faixas do IR são uma aberração. A última faixa pega os que ganham acima de R$
4.400 mensais e tem alíquota de 27,5%. Isso quer dizer que um trabalhador que
ganhe R$ 5.000 por mês paga proporcionalmente o mesmo imposto do alto executivo
que ganha R$ 100 mil. E a alíquota é baixíssima para os padrões internacionais.
Na Argentina, a alíquota máxima é de 35%, no Chile 40% e em Portugal 46%.
No
caso do imposto sobre a propriedade imobiliária a situação é ainda mais
gritante. O ITR (Imposto Territorial Rural) é calculado a partir da
autodeclaração dos proprietários sobre o valor de sua terra. A arrecadação anual
do ITR em todo o Brasil –país conhecido pelos imensos latifúndios improdutivos–
é menor que dois meses de arrecadação de IPTU da cidade de São Paulo. Em 2012, a
União angariou ridículos R$ 677 milhões com ITR, enquanto a arrecadação do IPTU
paulistano foi de R$ 5 bilhões. A Katia Abreu paga menos impostos por suas
fazendas do que você pelo seu apartamento.
Portanto
é verdade que brasileiro paga muito imposto, desde que estejamos falando da
maioria trabalhadora do país. Quanto aos ricos, banqueiros e grandes
empresários, sua tributação é uma mamata. Choram de barriga cheia.
São
eles que devem pagar a conta da crise. E as propostas para isso são bastante
concretas. E, diga-se, bem mais eficazes para solucionar a crise fiscal do que
cortar R$26 bilhões em áreas sociais.
O
auditor fiscal Fabio Avila de Castro apresentou em um trabalho acadêmico no ano
passado apontando algumas alternativas.
Primeiro,
a taxação sobre a repartição de lucros e dividendos. O Brasil é um dos poucos
países que não faz esta tributação. Segundo os cálculos do auditor, uma alíquota
de 15% sobre a repartição de lucros geraria arrecadação anual de R$ 36,5
bilhões. E uma alíquota de 20% sobre os dividendos poderia gerar R$ 48,9
bilhões.
Outra
medida seria igualar o modo de tributação dos lucros ao já aplicado sobre os
salários, com suas faixas de isenção e progressividade. Isso renderia, segundo
ele, R$ 59 bilhões de receita anual.
O
economista Odilon Guedes e o Sindicato dos Economistas de São Paulo também
construíram uma proposta tributária no mesmo sentido.
Acrescentam
temas como a federalização e aumento do imposto sobre heranças (que hoje tem
teto de 8%), a regulamentação da taxação de grandes fortunas a partir de R$ 5
milhões (previsto no Artigo 153 da Constituição) e até mesmo a isenção de IR
para trabalhadores de menor renda, mediante o aumento de sua alíquota para os
mais ricos e a criação de novas faixas.
Ou
seja, soluções para que o andar de cima pague a conta da crise não faltam.
Inclusive reduzindo impostos sobre os mais pobres e setores médios, através de
uma orientação por taxar muito mais a renda do que o consumo.
Soluções
populares não faltam. Falta, isso sim, coragem para enfrentar os grandes
interesses econômicos. Aplausos da Febraban, repúdio das ruas.
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