O cartão
roxo que tem fila de espera e desafia os bancos
Por: Geraldo
Samor
Num prédio de três
andares no Jardim Paulista, em São Paulo, uma equipe de 130 geeks, nerds e
descolados está construindo uma empresa para roubar dos grandes bancos um pedaço
de um negócio que movimenta bilhões de reais por ano e sobre o qual todo
brasileiro tem algo a reclamar: cartões de crédito.
O Nubank — que apesar
do nome não é banco, e sim uma ‘instituição de pagamentos’ aos olhos do Banco
Central — é uma startup que oferece um cartão de crédito MasterCard Platinum
internacional. O cartão não cobra anuidade nem nenhuma outra tarifa, e oferece
taxas de juros muito menos cortantes do que os cartões tradicionais. Enquanto a
taxa média de juros oferecida pelo Itaucard ou pelo Bradesco fica entre
13% e 16% ao mês, a taxa máxima praticada pelo Nubank é de 7,75% ao
mês; clientes com perfil de crédito de coroinha de igreja chegam a pagar 2,75%
ao mês.
O Nubank não divulga
quantos usuários já tem, mas diz que 500 mil pessoas já pediram o cartão — o
mesmo número de brasileiros que já baixaram o Uber — e que há mais 100 mil na
lista de espera. (Nem todo mundo que pede o cartão tem o crédito
aprovado.)
Por trás da ‘mágica’
das taxas baixas do NU há dois diferenciais em relação ao modelo de negócios dos
grandes bancos.
Primeiro, o NU
minimiza os riscos de fraude e de perda de crédito — que afetam a composição da
taxa, puxando-a pra cima — por usar tecnologia em toda a sua interface com o
cliente.
Como recebe todas as
propostas pelo app, o Nubank ganha acesso a informações ricas sobre o cliente,
como o ‘device’ que ele está usando, suas coordenadas GPS, seu número de
telefone etc.. Triangulando essas informações, o sistema consegue mapear
potenciais golpistas para uma análise mais fina. “Temos mais informações para
analisar do que outras instituições que trabalham com cartão de crédito para
não-correntistas,” diz Cristina Junqueira, uma das fundadoras do NU depois de
trabalhar 10 anos em serviços financeiros, incluindo passagens pelo Itaú e pela
Luizacred.
O segundo diferencial
é que, por não ter que remunerar nem uma rede física de agências nem milhares de
funcionários, o Nubank tem um custo operacional muito baixo. Os bancos têm um
custo alto de aquisição de novos clientes — o marketing, a mala direta e os
funcionários terceirizados que oferecem o cartão na saída do supermercado — e
custos de ativação, que incluem campanhas para incentivar o uso do cartão.
(Estima-se que um grande banco emissor tenha um custo de aquisição/ativação de
130 a 170 reais por cliente. Este custo sobe quanto maior for a renda do cliente
prospectivo.)
Como no Nubank é o
cliente quem vai atrás do cartão, o custo de aquisição é baixíssimo, e o de
ativação, inexistente.
Hoje, o Nubank
consulta as mesmas fontes de dados que os grandes bancos na hora de avaliar o
risco do cliente — birôs de crédito como o Serasa Experian e o Boavista. Mas a
empresa está se preparando para incluir ‘dezenas de milhares de variáveis’ em
sua análise de risco, o que poderá distânciá-la ainda mais dos concorrentes. “Em
vez de termos simplesmente uma taxa média mais baixa que a dos outros, como é
hoje, queremos ter quase uma taxa por cliente,” diz
Junqueira.
O Nubank é uma de
várias empresas tentando oferecer, numa plataforma digital, o que os bancos
oferecem com agências, marketing e força de vendas. A tendência é que este setor
— conhecido pelos investidores de venture capital como ‘FinTech’ — cada vez mais
abocanhe negócios historicamente dominados pelos bancos. Talvez o caso mais
bem-sucedido no mundo do FinTech seja o PayPal, que permitiu pagamentos sem a
intermediação dos bancos, e o LendingClub, um app de empréstimos
pessoais.
O maior investidor do
Nubank é o Sequoia, um fundo que já financiou dezenas de empresas que atingiram
escala mundial — incluindo o WhatsApp, o AirBnB e o Instagram — e cujo fundador,
Don Valentine, investiu na Apple em 1978. Em junho, os fundos Tiger Global, QED
Investors e Kaszek Ventures entraram como sócios do Nubank com um aporte de 90
milhões de reais. (A primeira rodada de investimentos foi de US$14,3
milhões.)
O modelo de negócios
do Nubank é inspirado no Capital One, uma empresa de cartão de crédito que
chacoalhou o setor nos EUA nos anos 90. Numa época em que a internet mal tinha
saído da cabeça do Al Gore, o Capital One foi o pioneiro de um modelo de
avaliação de risco chamado ‘information-based strategy’, que consistia em usar o
máximo de dados para segmentar as ofertas aos clientes. Na época, os cartões de
crédito nos EUA cobravam exatamente a mesma taxa de todos os clientes. Nigel
Harris, um dos fundadores do Capital One, é hoje um dos investidores e
conselheiro do Nubank. (O Capital One é hoje um banco com 65 milhões de clientes
no mundo todo.)
O NU corre o risco de
não ganhar massa crítica se a maioria dos clientes dos bancos permanecer onde
está, o que pode acontecer por inércia ou pela percepção de que há uma vantagem
no ‘one-stop banking’ (ou seja, o cliente poder fazer tudo no mesmo
lugar). Além disso, alguns
bancos já acordaram para o imperativo digital e estão investindo
bilhões para substituir agências pesadas por plataformas
tecnológicas; se estes custos menores forem divididos com o cliente na forma de
taxas menores, a vantagem comparativa do Nubank pode diminuir com o
tempo.
Mas cada vez mais os
bancos — uma indústria regulada, cara e pesada — vêem o FinTech como ameaça… e
uma fonte inesgotável de inspiração.
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