O Leme caído
Diário de Copa 6
Galeno Amorim
Quem ficou entre admirado e boquiaberto diante da formidável invasão da orla de Copacabana pelos argentinos no primeiro domingão da Copa ainda não viu nada. E se acha que aquilo sim é que é prova cabal de patriotismo e devoção pelo selecionado nacional é porque ainda não viu os chilenos.
Chilenos são, por definição, a torcida padrão Fifa desta Copa. Tá certo que, às vezes, exageram, como foi invadirem o Maraca à força para assistir o jogo contra a Espanha. Mas, enfim, Copa é Copa e todo mundo acabou deixando barato...
Se los hermanos fizeram gato e sapato da ex-Princesinha do Mar (que até o fim da Copa, ou enquanto perdurar a situação, só atende pela alcunha de Princesita del Mar), os chilenos, sob gritos e urros de Chi-Chi-Le-Le, não deixaram barato. Nunca antes na história do bravo Leme, que divisa com Copa, houve registro de tão bárbara invasão.
De nada adiantaram os sinais de desespero emitidos por remanescentes do glorioso Forte do Leme – rebaixado, imediatamente, para mero posto de observação turística. Sob ataque cerrado dos diablos rojos, a guarda verde-amarela baixou armas. Já não havia o que fazer. Bravos moradores do Leme até que espernearam contra o cocô e o xixi esquecidos nas calçadas do bairro. Mas... estava tudo consumado.
Eles chegaram de mansinho, na calada da manhã. Estacionaram, na boa, seus motor-homes, ônibus, vans, camionetes e carros de passeio, vindos de tão longe. Da Avenida Princesa Isabel, na fronteira com Copa, até o Forte, tá tudo dominado.
Não tem pra ninguém, a não ser pra dois ou três portenhos que, certamente, se enveredaram por aquele cordão rubro por engano, possivelmente no meio de alguma bebedeira. E, ao se darem conta, já era tarde demais.
Bandeira da pátria enterrada, quem diz de tirá-los de lá agora?!
Mas o espetáculo diário vale o esforço. De um lado, bondinhos que se entrecruzam a caminho do Pão de Açúcar. Em sentido contrário, o Redentor a mirar, com um olho na missa e o outro no padre. Entre um e outro, o mar outonal e a areia branca. Ninguém é de ferro!
O guarda escalado para garantir a tranquilidade no primeiro camping de rua do Leme perde a paciência e parte para a ignorância. Ele quer resolver de uma vez por todas com está a razão – com ele ou com o técnico chileno, que mandou o palmeirense Valdívia pro banco.
- Não foi justo, não foi justo... – ele se lamenta, com autoridade e à vontade entre os novos amigos.
O rapaz, sem mais aquela, torce a toalha molhada, enquanto a namorada prepara, na mesinha improvisada no porta-malas do carro, seu desayuno. Um pedaço de pão, salame e a garrafa térmica. Santiago é aqui! Vina del Mar é aqui! Isla Negra é aqui!
Antes de subjugar o Leme de joelhos, a Caravana Santiago-Brasil rodou muito. Milhares de quilômetros até aqui. Atravessou os pampas, varou a fronteira brasileira e veio subindo, desde o Sul. Pela variedade e riqueza de detalhes, foi, seguramente, mais planejada do que o desembarque dos americanos no Dia D na Normandia.
O dono da panaderia juntou seus trapos e apetrechos. O mesmo fez o casal que, em tempos de paz, pedala atrás da sua máquina de costura, a remendar os estragos e os furos da nossa roupa de cada dia. Guardaram um dinheirinho custoso todo fim de mês e usaram os pesos economizados com avião e hotel para financiar a grande aventura.
Vieram ver, viver e fazer história no Brasil.
Aqui La Derecha e La Izquierda se entendem perfeitamente e se estendem as mãos na hora do aperto. Um só País, um só coração. É verdade que os bacanas dormem no quarto do trailer ou no ônibus estacionado à beira-mar, com o conforto que dá. E todo mundo se vira como pode.
Até agora são poucas as defecções. Só um ou outro atravessou a fronteira que dá em Copa, dominada, como se sabe, por hostes celestes inimigas. Um desses desertores podia ser visto, esta manhã, se espreguiçando do lado de fora da barraca de dormir curiosamente aberta sobre o teto da sua Hyundai.
Não deve ser fácil acordar toda manhã com essa visão do paraíso: céu azul, sol do Atlântico, beliscos e biritas no quiosque à beira-mar, na frente de casa, e o espetáculo diário de meninas e meninos bronzeados ziguezagueando o tempo todo pelo Calçadão pelo puro prazer de não fazer nada. E com direito a escolher som ambiente: pagode nacional, samba do morro ou lepo-lepo, que correm soltos na noite e no dia de Copacabana e arredores.
E vem, agora, o fiscal da prefeitura ordenando que todo mundo caía fora de lá?!
Brincou. Os chilenos estão prontos pra guerra. Eles têm tudo seu acampamento a céu aberto do Leme – exceto, claro, ingressos pro Maracanã.
Mas aí já é outra história...
Chilenos são, por definição, a torcida padrão Fifa desta Copa. Tá certo que, às vezes, exageram, como foi invadirem o Maraca à força para assistir o jogo contra a Espanha. Mas, enfim, Copa é Copa e todo mundo acabou deixando barato...
Se los hermanos fizeram gato e sapato da ex-Princesinha do Mar (que até o fim da Copa, ou enquanto perdurar a situação, só atende pela alcunha de Princesita del Mar), os chilenos, sob gritos e urros de Chi-Chi-Le-Le, não deixaram barato. Nunca antes na história do bravo Leme, que divisa com Copa, houve registro de tão bárbara invasão.
De nada adiantaram os sinais de desespero emitidos por remanescentes do glorioso Forte do Leme – rebaixado, imediatamente, para mero posto de observação turística. Sob ataque cerrado dos diablos rojos, a guarda verde-amarela baixou armas. Já não havia o que fazer. Bravos moradores do Leme até que espernearam contra o cocô e o xixi esquecidos nas calçadas do bairro. Mas... estava tudo consumado.
Eles chegaram de mansinho, na calada da manhã. Estacionaram, na boa, seus motor-homes, ônibus, vans, camionetes e carros de passeio, vindos de tão longe. Da Avenida Princesa Isabel, na fronteira com Copa, até o Forte, tá tudo dominado.
Não tem pra ninguém, a não ser pra dois ou três portenhos que, certamente, se enveredaram por aquele cordão rubro por engano, possivelmente no meio de alguma bebedeira. E, ao se darem conta, já era tarde demais.
Bandeira da pátria enterrada, quem diz de tirá-los de lá agora?!
Mas o espetáculo diário vale o esforço. De um lado, bondinhos que se entrecruzam a caminho do Pão de Açúcar. Em sentido contrário, o Redentor a mirar, com um olho na missa e o outro no padre. Entre um e outro, o mar outonal e a areia branca. Ninguém é de ferro!
O guarda escalado para garantir a tranquilidade no primeiro camping de rua do Leme perde a paciência e parte para a ignorância. Ele quer resolver de uma vez por todas com está a razão – com ele ou com o técnico chileno, que mandou o palmeirense Valdívia pro banco.
- Não foi justo, não foi justo... – ele se lamenta, com autoridade e à vontade entre os novos amigos.
O rapaz, sem mais aquela, torce a toalha molhada, enquanto a namorada prepara, na mesinha improvisada no porta-malas do carro, seu desayuno. Um pedaço de pão, salame e a garrafa térmica. Santiago é aqui! Vina del Mar é aqui! Isla Negra é aqui!
Antes de subjugar o Leme de joelhos, a Caravana Santiago-Brasil rodou muito. Milhares de quilômetros até aqui. Atravessou os pampas, varou a fronteira brasileira e veio subindo, desde o Sul. Pela variedade e riqueza de detalhes, foi, seguramente, mais planejada do que o desembarque dos americanos no Dia D na Normandia.
O dono da panaderia juntou seus trapos e apetrechos. O mesmo fez o casal que, em tempos de paz, pedala atrás da sua máquina de costura, a remendar os estragos e os furos da nossa roupa de cada dia. Guardaram um dinheirinho custoso todo fim de mês e usaram os pesos economizados com avião e hotel para financiar a grande aventura.
Vieram ver, viver e fazer história no Brasil.
Aqui La Derecha e La Izquierda se entendem perfeitamente e se estendem as mãos na hora do aperto. Um só País, um só coração. É verdade que os bacanas dormem no quarto do trailer ou no ônibus estacionado à beira-mar, com o conforto que dá. E todo mundo se vira como pode.
Até agora são poucas as defecções. Só um ou outro atravessou a fronteira que dá em Copa, dominada, como se sabe, por hostes celestes inimigas. Um desses desertores podia ser visto, esta manhã, se espreguiçando do lado de fora da barraca de dormir curiosamente aberta sobre o teto da sua Hyundai.
Não deve ser fácil acordar toda manhã com essa visão do paraíso: céu azul, sol do Atlântico, beliscos e biritas no quiosque à beira-mar, na frente de casa, e o espetáculo diário de meninas e meninos bronzeados ziguezagueando o tempo todo pelo Calçadão pelo puro prazer de não fazer nada. E com direito a escolher som ambiente: pagode nacional, samba do morro ou lepo-lepo, que correm soltos na noite e no dia de Copacabana e arredores.
E vem, agora, o fiscal da prefeitura ordenando que todo mundo caía fora de lá?!
Brincou. Os chilenos estão prontos pra guerra. Eles têm tudo seu acampamento a céu aberto do Leme – exceto, claro, ingressos pro Maracanã.
Mas aí já é outra história...
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