segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

CARIOCAS ACORDEM!

Cariocas, acordem!

Diante dos nossos olhos, a escola desfilou uma África estereotipada, começando com imagens do homem de Neandertal — o qual nunca pisou os pés na África, único continente em que não há nem traço do DNA desse homo que não é sapiens —, seguindo-se alas e alas de africanos riquíssimos, cobertos de marfim, ouro e pedras preciosas, que, no meio do desfile, teriam vindo para cá em navio belíssimo enfeitado de marfim, ouro, pedras e muitas, muitas máscaras estilizadas. Depois do navio negreiro, sem nenhuma escravidão, sofrimento, pobreza ou dificuldades, os negros aportaram direto no samba da Marquês de Sapucaí. A bateria estava perfeita, os passistas, idem. Porém, as fantasias deslumbrantes e luxuosas que desfilavam em perfeita evolução foram recebidas em quase total silêncio onde eu estava. Nas arquibancadas e frisas, os comentários, cochichados para não constranger os sambistas que se exibiam, eram dirigidos às crianças famintas da Guiné Equatorial, que não receberam a ajuda devida do seu ditador.

Como a escola recebeu notas 10 em enredo tão mal inventado antropologicamente?

As escolas de samba pioneiras foram fundadas na união  entre sindicalistas e moradores de bairros pobres ou favelas. Não há ódio nem guerra entre elas, como acontece com os times de futebol. Chamam-se de coirmãs, uma madrinha da outra, uma ajudando a outra em caso de necessidade. É empresarial sim, mas fundada nessa base de cooperação e trabalho voluntário, que transforma tudo em empreendimento coletivo de parceiros que vestem a camisa da escola e também a do samba, que congrega todo mundo. Podem comprar carnavalesco, mestre de bateria, percussionista, passista, mas esse espírito não dá para comprar não. São necessárias muitas gerações de contínua interação e cooperação para que essa magia da reciprocidade se instale e comande tudo sem ninguém comandando.

Hoje, elas são empresas de show business que recebem investimento de muitas origens para apresentar espetáculos mix de Cirque du Soleil, ópera bufa da rua, ópera teatral, show musical, parada militar, em que também se misturam as inovações tecnológicas com o samba no pé do pessoal de raiz. Não há nada igual no mundo. E foi tudo inventado aqui no Rio de Janeiro, inicialmente pelos artistas populares, músicos, desenhistas, passistas, modistas, arquitetos autodidatas, engenheiros autodidatas, percursionistas, maestros e gerentes de RH e de organização para nos brindar com 12 espetáculos em dois dias seguidos. O samba de raiz até hoje irrompe e se impõe na bateria, na dança inesgotável da porta-bandeira e do mestre-sala, nos destaques de chão vindos para nos assombrar com seu molejo e destreza nos pés, entretanto cada vez mais raramente no samba-enredo. A raiz continua viva. Até quando?

As escolas que mantêm essa fonte inesgotável sem se deixar enredar pelos patronos do negócio não conseguem mais ganhar nenhum carnaval, mesmo com belos enredos e sambas, como o de Noca da Portela e de Luiz Carlos da Vila. O desalento toma conta delas. A questão não é por quanto e como uma escola foi patrocinada. A questão é quem julga e como julga os quesitos da tradição e da inovação. É isso que precisa ser discutido e modificado para que não vejamos mais um patrimônio do Rio de Janeiro ser demolido pela cupidez. Ou pela estupidez.

*Alba Zaluar é antropóloga, professora visitante no Iesp/Uerj


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