A Educação Literária e a formação de leitores
Thaís Paiva
Ainda no primeiro semestre de 2016, a divulgação dos resultados da 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, evidenciou uma situação preocupante ao analisar o comportamento leitor do brasileiro. Segundo o levantamento, quase metade (44%) da população não lê, apresentando como motivos desde a falta de tempo, disposição e paciência até a dificuldade e desgosto pela prática.
Em tempos de Netflix, jogos eletrônicos e redes sociais, reservar um momento do dia para o exercício da leitura, de fato, exige um quê de dedicação. Nesse contexto, formar leitores competentes revela-se um verdadeiro desafio.
É justamente aí que entra a chamada Educação Literária. Especialista no tema, Januária Cristina Alvesibi, vencedora do Prêmio Jabuti, em 2014, na categoria Didáticos/Paradidáticos com a obra Para ler e ver com olhos livres (Ed. Nova Fronteira), falou a Carta Educação sobre como aproximar os jovens da literatura, a importância do professor mediador, entre outros temas.
Carta Educação: Como podemos definir Educação Literária? Qual sua finalidade?
Januária Cristina Alvesibi: Em linhas gerais, eu diria que a Educação Literária tem como objetivo principal formar o que chamamos de “leitor competente”, aquele leitor que não só decodifica o texto, mas compreende suas múltiplas funções, atribuindo-lhe um sentido e, mais, relacionando-o com as experiências vividas e o compartilhando socialmente.
CE: A Educação Literária é papel da escola ou da família? Ou de ambas?
JCA: A Educação Literária começa a partir do momento que a criança atribui um significado às experiências vividas. Como bem definiu o grande educador brasileiro Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Ou seja, quando lemos o mundo, tentando compreender o que se passa nele e o que acontece conosco, já estamos praticando a Educação Literária. Nesse sentido, ela é papel da família, da escola e de toda a sociedade, que deve disponibilizar elementos, propiciar diferentes experiências e compartilhar os diversos significados das possíveis leituras da realidade para que as crianças sejam educadas para essa leitura mais ampla. É fundamental que todos acreditem em seu papel de mediador para que a Educação Literária aconteça cotidianamente.
CE: De que forma a leitura e a escrita estão ligadas? Como a competência em uma habilidade influencia a outra?
JCA: Ler e escrever são faces da mesma moeda. Quando se lê, entra-se em contato com uma série de competências e habilidades que despertam, de maneiras diferentes, nosso desejo de dividir experiências. Quando se escreve, se compartilha diferentes visões de mundo, se cria, se inventa e reinventa a realidade. A leitura e a escrita nos permitem um conhecimento da alma humana, de nós mesmos, como nenhuma outra atividade. Quando uma criança “se encanta” por uma história – ou seja, quando essa história revela algo sobre ela mesma ou sobre o mundo que a cerca – ela logo quer contá-la para alguém, ou ainda, quer escrever uma outra que julga também interessante e emocionante. Por isso, acredito que quando pedimos às crianças para se expressarem, contarem suas histórias por meio de um texto ou uma história oral, estando remetendo-as ao mundo literário.
CE: Segundo a 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 44% da população brasileira não é leitora. Como a senhora avalia esse quadro? E, mais importante, como revertê-lo?
JCA: Não é fácil “competir” com as séries de TV, games e redes sociais. A literatura demanda um certo esforço de quietude, de concentração, o que, para essa geração do controle remoto, se revela um verdadeiro desafio. É preciso redescobrir o prazer da leitura, e talvez uma das possibilidades seja trazer de volta os clubes de leitura, em que um grupo de pessoas lê um mesmo livro e depois compartilha essa vivência. A literatura promove encontros e as crianças e jovens do nosso tempo estão precisando de mais contato físico. A experiência de ler sozinho e depois compartilhar as experiências com os outros pode ser um caminho para que reencontremos o prazer de conversar “ao vivo e à cores” sobre temas que nos inquietam e para os quais não temos respostas.
CE: Como formar professores para que possam atuar como mediadores de leitura?
JCA: Outra questão complexa! Os professores, pela função que exercem, são naturalmente mediadores de leitura. Afinal, é por meio do olhar deles que as crianças e jovens vêem o mundo e essa não é uma tarefa simples. É cada vez mais comum ver que os órgãos públicos e escolas particulares estão preocupados em formar os professores para que sejam mediadores de leitura. Mas os desafios são muitos, desde as questões físicas das escolas públicas, passando pelos problemas de alfabetização (ainda temos um alto índice de leitores que não conseguem interpretar os textos que leem) até a própria formação dos professores que, muitas vezes, não conseguem ler o que necessitam ou gostariam. Creio que é preciso, antes de mais nada, resgatar o leitor que há no professor, pois ninguém leva alguém a um lugar que nunca esteve. Se esse professor não se apaixona pela leitura dificilmente conseguirá encantar seus alunos.
CE: Diante da vasta oferta de livros infanto-juvenis, muitos de qualidade questionável, quais critérios devem orientar o professor ou pais na escolha da obra?
JCA: De fato, não é fácil escolher um livro nesse “mar de publicações” que temos disponível em livrarias e bancas de jornais. Penso que, talvez o critério mais significativo seja o de proporcionar ao leitor a mais ampla experiência no que se refere aos títulos que ele vai ler. Diferentes gêneros, autores, ilustradores, temáticas, tudo o que puder ampliar seu repertório. Importante é observar a qualidade gráfica dos livros, a maneira como ao autor escreve, os temas que escolhe, que devem ser cuidadosamente escolhidos para cada faixa-etária e/ou momento da vida da criança e do jovem. E, mesmo assim, se a primeira escolha não for a melhor ou mais adequada, não devemos desistir, pois o exercício da leitura também forma o leitor que, aos poucos, vai moldando sue gosto literário, diferenciando uma literatura de relevância daquela que é mais “descartável”.
Em tempos de Netflix, jogos eletrônicos e redes sociais, reservar um momento do dia para o exercício da leitura, de fato, exige um quê de dedicação. Nesse contexto, formar leitores competentes revela-se um verdadeiro desafio.
É justamente aí que entra a chamada Educação Literária. Especialista no tema, Januária Cristina Alvesibi, vencedora do Prêmio Jabuti, em 2014, na categoria Didáticos/Paradidáticos com a obra Para ler e ver com olhos livres (Ed. Nova Fronteira), falou a Carta Educação sobre como aproximar os jovens da literatura, a importância do professor mediador, entre outros temas.
Carta Educação: Como podemos definir Educação Literária? Qual sua finalidade?
Januária Cristina Alvesibi: Em linhas gerais, eu diria que a Educação Literária tem como objetivo principal formar o que chamamos de “leitor competente”, aquele leitor que não só decodifica o texto, mas compreende suas múltiplas funções, atribuindo-lhe um sentido e, mais, relacionando-o com as experiências vividas e o compartilhando socialmente.
CE: A Educação Literária é papel da escola ou da família? Ou de ambas?
JCA: A Educação Literária começa a partir do momento que a criança atribui um significado às experiências vividas. Como bem definiu o grande educador brasileiro Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Ou seja, quando lemos o mundo, tentando compreender o que se passa nele e o que acontece conosco, já estamos praticando a Educação Literária. Nesse sentido, ela é papel da família, da escola e de toda a sociedade, que deve disponibilizar elementos, propiciar diferentes experiências e compartilhar os diversos significados das possíveis leituras da realidade para que as crianças sejam educadas para essa leitura mais ampla. É fundamental que todos acreditem em seu papel de mediador para que a Educação Literária aconteça cotidianamente.
CE: De que forma a leitura e a escrita estão ligadas? Como a competência em uma habilidade influencia a outra?
JCA: Ler e escrever são faces da mesma moeda. Quando se lê, entra-se em contato com uma série de competências e habilidades que despertam, de maneiras diferentes, nosso desejo de dividir experiências. Quando se escreve, se compartilha diferentes visões de mundo, se cria, se inventa e reinventa a realidade. A leitura e a escrita nos permitem um conhecimento da alma humana, de nós mesmos, como nenhuma outra atividade. Quando uma criança “se encanta” por uma história – ou seja, quando essa história revela algo sobre ela mesma ou sobre o mundo que a cerca – ela logo quer contá-la para alguém, ou ainda, quer escrever uma outra que julga também interessante e emocionante. Por isso, acredito que quando pedimos às crianças para se expressarem, contarem suas histórias por meio de um texto ou uma história oral, estando remetendo-as ao mundo literário.
CE: Segundo a 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 44% da população brasileira não é leitora. Como a senhora avalia esse quadro? E, mais importante, como revertê-lo?
JCA: Não é fácil “competir” com as séries de TV, games e redes sociais. A literatura demanda um certo esforço de quietude, de concentração, o que, para essa geração do controle remoto, se revela um verdadeiro desafio. É preciso redescobrir o prazer da leitura, e talvez uma das possibilidades seja trazer de volta os clubes de leitura, em que um grupo de pessoas lê um mesmo livro e depois compartilha essa vivência. A literatura promove encontros e as crianças e jovens do nosso tempo estão precisando de mais contato físico. A experiência de ler sozinho e depois compartilhar as experiências com os outros pode ser um caminho para que reencontremos o prazer de conversar “ao vivo e à cores” sobre temas que nos inquietam e para os quais não temos respostas.
CE: Como formar professores para que possam atuar como mediadores de leitura?
JCA: Outra questão complexa! Os professores, pela função que exercem, são naturalmente mediadores de leitura. Afinal, é por meio do olhar deles que as crianças e jovens vêem o mundo e essa não é uma tarefa simples. É cada vez mais comum ver que os órgãos públicos e escolas particulares estão preocupados em formar os professores para que sejam mediadores de leitura. Mas os desafios são muitos, desde as questões físicas das escolas públicas, passando pelos problemas de alfabetização (ainda temos um alto índice de leitores que não conseguem interpretar os textos que leem) até a própria formação dos professores que, muitas vezes, não conseguem ler o que necessitam ou gostariam. Creio que é preciso, antes de mais nada, resgatar o leitor que há no professor, pois ninguém leva alguém a um lugar que nunca esteve. Se esse professor não se apaixona pela leitura dificilmente conseguirá encantar seus alunos.
CE: Diante da vasta oferta de livros infanto-juvenis, muitos de qualidade questionável, quais critérios devem orientar o professor ou pais na escolha da obra?
JCA: De fato, não é fácil escolher um livro nesse “mar de publicações” que temos disponível em livrarias e bancas de jornais. Penso que, talvez o critério mais significativo seja o de proporcionar ao leitor a mais ampla experiência no que se refere aos títulos que ele vai ler. Diferentes gêneros, autores, ilustradores, temáticas, tudo o que puder ampliar seu repertório. Importante é observar a qualidade gráfica dos livros, a maneira como ao autor escreve, os temas que escolhe, que devem ser cuidadosamente escolhidos para cada faixa-etária e/ou momento da vida da criança e do jovem. E, mesmo assim, se a primeira escolha não for a melhor ou mais adequada, não devemos desistir, pois o exercício da leitura também forma o leitor que, aos poucos, vai moldando sue gosto literário, diferenciando uma literatura de relevância daquela que é mais “descartável”.
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