Impunidade
A educação é um “reino do faz de conta”...
Aqui,
trabalhamos por projetos – apressou-se a dizer a simpática
diretora. E fez-me sentar junto de um aluno, para que eu visse “o projeto que
ele fez”.
Qual é o
teu projeto, meu jovem? – perguntei.
É
sobre o tubarão – respondeu.
Então,
tu quiseste estudar o tubarão...
Não,
tio. Eu não queria estudar o tubarão.
Não
quiseste estudar o tubarão e estás a estudar o tubarão? Explica, por favor.
O
tubarão é um tema, tio. Na
semana passada, a tia disse que nós íamos fazer projetos. Perguntou o que nós queríamos
estudar. Eu queria estudar robótica. Mas ela fez uma votação. A maioria da
turma queria estudar o tubarão. Aí, a tia disse que o tema era o tubarão. E que
era para todo mundo.
Compreendi.
E, agora, o que estás a fazer?
Estou
a fazer pesquisa.
A esperança, que em mim esmorecera,
reacendeu-se: Posso ver?
O jovem abriu o caderno e eu li: “Pesquisa: O tubarão não pode parar de nadar,
conforme a gravura anexa”.
Interrompi a leitura e perguntei: Onde está a gravura anexa?
Está
no livro, tio.
Se
está no livro, mas não está neste caderno, por que escreveste no caderno “conforme
a gravura anexa”?
Porque
é o que está no livro, tio.
Agradeci a amabilidade do jovem e, pesaroso,
afastei-me. Aquele aluno não estava a fazer um projeto, não estava a aprender.
Estava a copiar informação inútil e a perder tempo. Soube, mais tarde, que essa
escola recebeu um prêmio...
Impunemente, muitas escolas disfarçam a grave
lacuna de não cumprirem (na prática) o seu PPP (escrito). Nelas, o professor
confecciona projetos para a turma, quando deveria construir projetos com cada
aluno, a partir de necessidades, desejos, interesses. Desperdiça o seu precioso
tempo planejando aulas, quando deveria ensinar o aluno a planejar: saber gerir
tempos, espaços, recursos. Tenta transmitir informação, quando deveria propor
roteiros de estudo, habilitar o aluno na pesquisa, assegurar mediação
pedagógica, propiciar a passagem da informação à produção de conhecimento.
Impunemente, secretarias burocratizadas legitimam
o “faz-de-conta”, enquanto praticam um legalismo desprovido de legalidade. Impunemente,
produzem portarias, resoluções e outros normativos, que atentam contra o
disposto na LDB e perpetuam um modelo de escola obsoleto. A educação anda à
deriva de ocultos interesses. Sacrifica-se a ética no altar da
“governabilidade”. Ignora-se que nas decisões de política educativa devem
prevalecer critérios de natureza pedagógica, pereniza-se o “faz-de-conta”. Até
quando iremos adiar o projeto educacional, que poderá fazer do Brasil um país
próspero e fraterno?
No MEC, um ministro pedagogo foi substituído
por um economista. Mutatis mutandis, espero
ver um pedagogo a dirigir o Ministério da Economia...
José Pacheco
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