Caro José ..
veja se Clarice Lispector de 1968 lhe conforta .. ou, nos
serve de aprendizado ..
Em
primeiro lugar queríamos saber se as verbas destinadas para a educação são
distribuídas pelo senhor. Se não, esta carta deveria se dirigir ao Presidente da
República. A este não me dirijo por uma espécie de pudor, enquanto sinto-me com
mais direito de falar como o Ministro da Educação por já ter sido estudante.
O
senhor há de estranhar que uma simples escritora escreva sobre um assunto tão
complexo como o de verbas para a educação – o que no caso significa abrir vagas
para os excedentes. Mas o problema é tão grave e por vezes patético que mesmo a
mim, não tendo ainda filhos em idade universitária, me toca.
O
MEC, visando evitar o problema do grande número de candidatos para poucas vagas,
resolveu fazer constar nos editais de vestibular que os concursos seriam
classificatórios, considerando aprovados apenas os primeiros colocados dentro do
número de vagas existentes. Esta medida impede qualquer ação judicial por parte
dos que não são aproveitados, não impedindo no entanto que os alunos tenham o
impulso de ir às ruas reivindicar as vagas que lhes são negadas.
Senhor
ministro ou senhor presidente: “excedentes” num país que ainda está em
construção?! E que precisa com urgência de homens e mulheres que o construam? Só
deixar entrar nas Faculdades os que tiram melhores notas é fugir completamente
ao problema. O senhor já foi estudante e sabe que nem sempre os alunos que tiram
as melhores notas terminam sendo os melhores profissionais, os mais capacitados
para resolverem na vida real os grandes problemas que existem. E nem sempre quem
tira as melhores notas e ocupa uma vaga tem pleno direito a ela. Eu mesma fui
universitária e no vestibular classificaram-me entre os primeiros candidatos. No
entanto, por motivos que aqui não importam, nem sempre segui a profissão. Na
verdade eu não tinha direito à vaga.
Não
estou de modo algum entrando na seara alheia. Esta seara é de todos nós. E estou
falando em nome de tantos que, simbolicamente, é como se o senhor chegasse à
janela de seu gabinete de trabalho e visse embaixo uma multidão de rapazes e
moças esperando seu veredicto.
Ser
estudante é algo muito sério. É quando os ideais se formam, é quando mais se
pensa num meio de ajudar o Brasil. Senhor ministro ou Presidente da República,
impedir que jovens entrem em universidades é um crime. Perdoe a violência da
palavra. Mas é a palavra certa.
Se
a verba para universidades é curta, obrigando a diminuir o número de vagas, por
que não submetem os estudantes, alguns meses antes do vestibular, a exames
psicotécnicos, a testes vocacionais? Isso não só serviria de eliminatória para
as faculdades, como ajudaria aos estudantes que estivessem em caminho errado de
vocação. Esta idéia partiu de uma estudante.
Se
o senhor soubesse do sacrifício que na maioria das vezes a família inteira faz
para que um rapaz realize o seu sonho, o de estudar. Se soubesse da profunda e
muitas vezes irreparável desilusão quando entra a palavra “excedente”. Falei com
uma jovem que foi excedente, perguntei-lhe como se sentira. Respondeu que de
repente se sentiu desorientada e vazia, enquanto ao seu lado rapazes e moças, ao
se saberem excedentes, ali mesmo começaram a chorar. E nem poderiam sair à rua
para uma passeata de protesto porque sabem que a polícia poderia
espancá-los.
O
senhor sabe o preço dos livros para pré-vestibulares? São caríssimos, comprados
à custa de grandes dificuldades, pagos em prestações. Para no fim terem sido
inúteis?
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