Ana Mae Barbosa*
As imagens povoam o cotidiano das
pessoas e, no entanto, permanecem como sistema de signos
desconhecidos.
O tema da redação de 95 causou
polêmica de jornal. Filósofos que se consideram educadores condenando a prova
por ter apresentado uma obra de arte visual para ser interpretada e jornalistas,
como Caio Túlio Costa, defendendo a leitura do visual[1].
Deparei-me com a prova por acaso,
quando me desfazia dos jornais acumulados em casa nos meus meses de ausência do
Brasil. Pensei que, pela primeira vez, o tema para redação se confrontava com o
desafio epistemológico da contemporaneidade: a relação entre o pensamento visual
e o pensamento verbal.
Lembrei-me do meu vestibular e do
tema parnasiano que me foi dado para redação: “A Casa Paterna”. Não teria que
reclamar, pois tive a maior nota de redação daquele vestibular porque à proposta
sentimental respondi com sentimentalismo exacerbado, pois desconhecia os
encantos da “casa paterna”, por ter perdido meu pai aos três anos de idade. Mas
saí da prova lamentando com outros companheiros termos perdido a oportunidade de
escrever sobre temas atuais e problemas sociopolíticos que nos cercavam. Nosso
desejo estava se antecipando à temática de redação para vestibular que dominou
nos anos 70. Se formos estudar a história dos temas de redação para vestibular,
certamente vamos descobrir, com raras exceções, que as propostas estiveram
sempre atrasadas em relação aos estilos literários e à história do pensamento.
No ano de 95, não.
A proposta de leitura da obra de Andy
Warhol[2], conjuntamente com a leitura dos
textos de Adorno[3], que os vestibulandos de 95 tiveram
de enfrentar é “um tema inteligente que premia a reflexão” não só para a leitura
de linguagem verbal, mas também para a leitura de imagem.
A leitura de imagem é prioritária no
mundo atual. Um epistemólogo alemão, que foi meu companheiro de residência no
Bellagio Study And Conference da Rockfeller
Foundation na Itália, me dizia em conversa particular (daí não se ético
citar o seu nome) que dois campos de conhecimento, a imagem e a ecologia,
requerem uma nova epistemologia, revolucionando concepções já
assentadas.
Razões de ordem prática também
conferem importância à leitura da imagem. Há várias pesquisas mostrando que a
maior parte de nossa aprendizagem informal se dá através da imagem e parte dessa
aprendizagem é inconsciente. A imagem nos domina porque não conhecemos a
gramática visual nem exercitamos o pensamento visual para descobrir sistemas de
significação através das imagens.
Uma alfabetização para a leitura da
imagem através da educação formal tornaria consciente toda aprendizagem,
alimentando a capacidade de reflexão do estudante.
LEITURA DA IMAGEM
Os estudantes reclamaram que nunca
ouviram falar de Andy Warhol. Através da prova ouviram e, portanto, deram um
passo em relação à alfabetização cultural. Quem sabe, um dia, se interessem em
ir ao Museu de Arte Moderna (MAM) do Ibirapuera, para ver a obra de Andy Warhol,
que o Museu possui graças à doação de Michael Makenzie[4].
Os professores, tradicionalmente, no
Brasil, têm medo da imagem na sala de aula. Da televisão às artes plásticas, a
sedução da imagem os assusta, porque não foram preparados para decodificá-la e
usá-la em prol da aprendizagem reflexiva de seus alunos. Revendo meu material de
pesquisa sobre história do ensino da arte, encontro uma outra polêmica sobre
imagem no vestibular, datada de fevereiro de 1928. Trata-se da gritaria
generalizada contra a introdução do desenho nos vestibulares para a então
prestigiosa Escola Normal do Rio de Janeiro. Foi no tempo de Fernando de Azevedo
como diretor da Instrução Pública do Distrito Federal.
As alunas, para entrarem na Escola
Normal, faziam prova de português, aritmética, geografia e história do Brasil. A
equipe de Fernando de Azevedo acrescentou exames de geometria e desenho (livre)
para o vestibular de 1928. A geometria foi facilmente aceita, como disse um
jornalista do Jornal do Brasil (10/2/1928) “unir a prova de geometria à
de aritmética pode de certo modo parecer favorável às candidatas”. Já a inclusão
do desenho foi “malhada” por todos os jornais da época. O Imparcial, O
Jornal, A Pátria, O País, Jornal do Comércio, O Globo, Correio da Manhã
chamavam a prova de desenho de extravagante acréscimo “que ameaçava as
[1]NELES, Adorno, Revista da Folha de São Paulo,
22/1/95.
[2]Andy Warhol: artista plástico norte-americano,
precursor, nos anos 60, da Pop Art . A prova da Fuvest propõe aos
candidatos redação a partir de um quadro de Warhol que reproduz diversas vezes o
rosto da atriz Marylin Monroe e texto de Theodor W.Adorno.
[3]Theodor Wiesengrud Adorno (1903-1969): filósofo,
estudioso dos processos de comunicação, reorganizou em 1950 o Instituto de
Pesquisa Social de Frankfurt, fundado em 1923 (Escola de Frankfurt). Na obra
Dialética do humanismo (1947) Adorno e Max Horkeimer criaram a expressão
“indústria cultural”. Escreveu dentre outros: Estudos sobre Husserl e os
antinômios fenomenológicos (1966) e Teoria estética (1968). Adorno,
Horkheimer e Walter Benjamin foram os principais teóricos da Escola de
Frankfurt, cujo conjunto de concepções ficou conhecido pela expressão “Teoria
Crítica”.
[4]Artista plástico, crítico de arte e curador independente
em Nova York.
Muito interessante! Fernando Azevedo é do sul de Minas. Confiram uma biografia muito interessante sobre ele
ResponderExcluirhttp://143.107.31.231/Acervo_Imagens/Revista/REV037/Media/REV37-16.pdf
que cita as cidades sul-mineiras que fazem parte da história dele. Vcs em Campanha têm trabalhos produzidos sobre ele e referente ao período em que ele aí esteve? Há algum link? Carlos Rennó
Olá Carlos. Sim, ele é da vizinha São Gonçalo do Sapucaí, estudou aqui no colégio dos Jesuítas e um aluno da USP me informou que ele foi um dos três fundadores daquela instituição. Vou tomar a liberdade de postar o link dele.
ExcluirFoi um grande cidadão brasileiro.Grato por sua participação.
É só acessar o site da USP que está lá esta informação! E qualquer universitário no Brasil razoavelmente informado sabe que Fernando Azevedo está nos pilares da maior universidade da América Latina e que ele teve sua base educacional inicial em Campanha. Há vários textos maravilhosos dele nos quais ele volta e senta nos bancos escolares da velha e amada Campanha, não é possível que vcs aí não divulguem esses textos? E não se orgulhem desses textos, não? Sérgio Andrade, ex-uspiano, admirador do Azevedo e neto de sul-mineiros
ExcluirMuito interessante! Vivemos no mundo da imagem! Tudo é imagem mesmo! Nota 10 para o blog do Zé Milton que dá aulas e mais aulas. Joyce Ferreira
ResponderExcluirFERNANDO DE AZEVEDO JÁ ENXERGAVA, O QUE MUITOS NÃO QUEREM VER.
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